Johnny Kavanagh é uma esperança do râguebi: nascido para brilhar em campo, é uma força da natureza, nada pode abalar as suas certezas, distraí-lo da sua escalada para o sucesso. Nada, exceto o remate falhado que fará o seu mundo colidir com o da recém-chegada ao Colégio Tommen, a misteriosa e complicada Shannon Lynch. Quem é realmente aquela rapariga de olhos tristes que se esforça tanto por ser invisível?

Para Shannon, a vida nunca foi fácil, nem na escola nem em casa. Em Tommen, espera começar de novo, mas é complicado livrar-se de um passado tão negro, dos demónios que sempre a atormentaram. Até que é surpreendida por um encontro que faz estremecer os muros que tão penosamente ergueu à sua volta. Nos olhos de Johnny, reconhece de imediato uma inquietação semelhante à sua, e é impossível não se deixar capturar por ela. Entre violência, paixão, raiva e segredos indizíveis, surge uma atração que não conhece regras e que ameaça alterar irreversivelmente o jogo das suas vidas.

Do livro, publicamos o excerto abaixo:

Grandes esperanças

SHANNON

Era dia 10 de janeiro de 2005.

Um novo ano inteirinho e o primeiro dia do regresso à escola, depois das férias de Natal.

E eu estava nervosa. De facto, estava tão nervosa que nessa manhã tinha vomitado nada menos do que três vezes.

O meu pulso batia a um ritmo preocupante. A minha ansiedade era a culpada pelo bater acelerado do meu coração, já para não falar no facto de o meu reflexo de vómito me ter abandonado.

Alisando o meu novo uniforme escolar, olhei para o reflexo no espelho da casa de banho e dificilmente me reconheci. Camisola azul-marinho com o emblema do Tommen College no peito, com uma camisa branca e uma gravata encarnada. Saia cinzenta que parava nos joelhos, revelando duas pernas magricelas e pouco desenvolvidas, a terminar com collants cor de pele e meias azul-marinho, e sapatos com saltos de cinco centímetros.

Eu parecia um implante.

Sentia-me um, também.

O meu único consolo eram os sapatos que a mãe comprara e que me elevavam até à marca de 1,50m. Eu era ridiculamente pequena para a minha idade, em todos os aspetos.

Era magra ao extremo, com um peito subdesenvolvido – parecia ter ovos estrelados em vez de seios –, nitidamente intocada pela explosão de puberdade que tinha atingido todas as outras raparigas da minha idade.

Usava o cabelo castanho comprido solto e a fluir até ao meio das costas, afastado da cara com uma bandolete encarnada, lisa. A minha cara não tinha maquilhagem, fazendo-me parecer tão jovem e pequena como era. Os olhos eram demasiado grandes para a minha cara, com um chocante lampejo de azul para ajudar.

“Há muitas pessoas que se sentem perdidas. O meu livro quer passar uma mensagem de esperança” – Marta Coelho
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Tentei manter os olhos semicerrados, para ver se isso os fazia parecerem mais humanos, e fiz um esforço considerável para estreitar os lábios inchados, apertando-os para dentro da boca.

Nope.

O semicerrar de olhos apenas me fazia parecer estar com prisão de ventre.

Exalando um suspiro de frustração, toquei nas bochechas com a ponta dos dedos e respirei asperamente.

Gostava de pensar que o que me faltava no departamento da altura e do peito, me sobrava em maturidade. Era sensata e uma alma antiga.

Nanny Murphy dizia sempre que eu tinha nascido com uma cabeça antiga sobre os meus ombros.

Era verdade, até certo ponto.

Nunca tinha sido uma pessoa de me interessar por rapazes ou por modismos.

Isso, simplesmente, não fazia parte de mim.

Uma vez, li num sítio qualquer que amadurecemos com o que nos faz mal, não com a idade. Se é esse o caso, então sou uma velha reformada no que diz respeito a questões emocionais.

Durante muito tempo, preocupei-me por não ser como as outras raparigas. Não tinha as mesmas necessidades ou interesses no que se refere ao sexo oposto. Não tinha interesse em nada: rapazes, raparigas, atores famosos, modelos sexy, palhaços, animais de estimação… Bem, OK, na verdade interessava-me por cachorrinhos e grandes cães fofinhos, mas tudo o resto, podia dar ou trocar.

Não tinha nenhum interesse em beijar, tocar, ou em carícias de qualquer espécie. Nem sequer suportava pensar nisso. Suponho que ver a tempestade de merda que era a relação dos meus pais a desfazer-se, acabou com as expetativas de me juntar para a vida com outro ser humano. Se a relação dos meus pais era uma representação do amor, então eu não queria fazer parte disso.

Antes ficar sozinha.

Abanando a cabeça para afastar os meus pensamentos tempestuosos antes que escurecessem até ao ponto de não retorno, olhei para o meu reflexo no espelho e obriguei-me a praticar uma coisa que raramente fazia por estes dias: sorrir.

Respira fundo, disse a mim própria, este é o teu novo começo.

Voltei-me para o lavatório, lavei as mãos e salpiquei alguma água na cara, desesperada por arrefecer a ansiedade que me incendiava o corpo por dentro e me fazia sentir cada vez mais calor, a perspetiva do meu primeiro dia numa nova escola a tornar-se uma ideia assustadora.

Qualquer escola tem de ser melhor do que aquela que deixei para trás. O pensamento invadiu-me a cabeça e encolhi-me de vergonha. Escolas, pensei, abatida. Plural.

Tinha sofrido um bullying implacável tanto no pré-escolar como no ensino básico, até ao nono ano.

Por alguma razão cruel e desconhecida, tinha sido o alvo das frustrações de todas as crianças desde a tenra idade de quatro anos.

A maior parte das raparigas da minha turma no pré-escolar tinha decidido, desde o primeiro dia, que não gostava de mim e que não iam deixar-me andar com elas. E os rapazes, embora não tão sádicos nos seus ataques, não eram muito melhores.

Não fazia sentido, porque dava-me perfeitamente bem com as outras crianças da nossa rua e nunca tinha altercações com ninguém do sítio onde vivíamos.

Mas a escola?

A escola foi como o sétimo círculo do inferno para mim. Todos os nove anos (em vez dos oito regulares) dos primeiro, segundo e terceiro ciclos tinham sido uma tortura.

O jardim infantil foi tão angustiante para mim, que tanto a minha mãe como a minha professora decidiram que seria melhor reter-me um ano para poder repetir o pré-escolar com uma nova turma. Apesar de ter sido igualmente infeliz com a nova turma, fiz um par de amigas chegadas, a Claire e a Lizzie, cuja amizade fez com que a escola se tornasse suportável.

Quando chegou a altura de escolher uma escola para ingressar no sétimo ano de escolaridade, percebi que era muito diferente das minhas amigas.

A Claire e a Lizzie iam frequentar o Tommen College, a partir de setembro seguinte. Uma escola privada luxuosa, de elite, com um enorme financiamento e instalações topo de gama (que vinham dos envelopes castanhos de pais ricos decididos a garantir que os filhos recebiam a melhor educação que o dinheiro podia comprar).

Entretanto, eu tinha sido matriculada na sobrelotada escola pública local, no centro da cidade.

Ainda me lembro da horrível sensação de ser separada das minhas amigas.

Estava tão desesperada por me afastar dos bullies, que até supliquei à minha mãe que me enviasse para Beara, para viver com a irmã dela, a tia Alice, e a sua família, para poder terminar os estudos.

Não há palavras para descrever a sensação devastadora que me invadiu quando o meu pai fez finca-pé em que eu não fosse viver com a tia Alice.

A minha mãe amava-me, mas estava fraca e cansada e não ia sustentar uma briga quando o meu pai insistiu que eu iria frequentar a Ballylaggin Community School.

A partir daí, tudo se tornou pior.

Mais cruel.

Mais violento.

Mais físico.

Durante o primeiro mês do primeiro ano, fui perseguida por vários grupos de rapazes a exigirem-me coisas que eu não tinha vontade de lhes dar.

Depois disso, fui rotulada como «frígida», porque não saía com esses mesmos rapazes que tinham feito da minha vida um verdadeiro inferno, durante anos.

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bindig 13 créditos: Singular

Os piores de entre eles rotularam-me com estigmas cruéis, a sugerir que a razão pela qual eu era frígida era porque tinha partes de rapaz debaixo da minha saia.

Não importa quão cruéis eram os rapazes, as raparigas eram, de longe, muito mais imaginativas.

E tão piores.

Espalharam rumores perversos sobre mim, sugerindo que eu era anorética e vomitava todos os dias o almoço, na sanita, depois da refeição.

Eu não era anorética. Ou bulímica, já agora.

O vomitar (e era um acontecimento frequente) era uma resposta direta ao peso insuportável do stresse a que estava sujeita. Também era pequena para a minha idade (baixa, pouco desenvolvida e magricela), o que não ajudava a minha causa no que se refere a repelir os rumores.

Quando fiz quinze anos, e ainda não tinha tido o primeiro período, a minha mãe marcou uma consulta com o nosso médico local de Clínica Geral. Várias análises ao sangue e exames depois, o nosso médico de família assegurou, tanto à minha mãe como a mim, que eu era saudável, e que era comum para algumas raparigas desenvolverem-se mais tarde do que as outras.

Quase um ano se tinha passado desde então e, além de um ciclo irregular, no verão, que durara menos de meio dia, eu ainda estava para ter um período como deve ser.

Para ser franca, tinha desistido do meu corpo a funcionar como o de uma rapariga normal, quando ele, claramente, não o queria.

O médico também incentivou a minha mãe a avaliar a minha situação escolar, sugerindo que o stresse a que estava sujeita na escola poderia ser um fator que contribuía como um óbvio travão ao desenvolvimento.

Depois de uma discussão acalorada entre os meus pais, em que a minha mãe advogou o meu caso, fui enviada de regresso à escola, onde fui sujeita a um tormento implacável.

A crueldade deles variava entre chamarem-me nomes e espalharem boatos até colarem-me pensos higiénicos nas costas e depois agredirem-me fisicamente.

Uma vez, numa aula de economia doméstica, algumas das raparigas sentadas atrás de mim cortaram um pedaço do meu rabo de cavalo com tesouras de cozinha e depois exibiram-no pela sala como se fosse um troféu.

Toda a gente se riu e acho que, nesse momento, odiei mais os que estavam a rir-se da minha dor do que aqueles que a tinham causado.

Autopublicação de livros: “Em vez de ficarem reféns de bestsellers, os leitores podem mergulhar em temas alinhados com os seus gostos"
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Outra vez, durante a educação física, as mesmas raparigas tiraram-me uma fotografia em roupa interior com a câmara de um dos seus telefones e reencaminharam-na para toda a gente do nosso ano. O diretor caiu em cima do acontecimento e suspendeu a proprietária do telefone, mas não antes de metade da escola ter dado uma boa gargalhada à minha custa.

Lembro-me de, nesse dia, ter chorado imenso, não à frente deles, claro, mas na casa de banho. Aferrolhei-me dentro de um dos cubículos e ponderei acabar com tudo. Bastava tomar uma mão-cheia de comprimidos e acabava de vez com toda aquela porcaria.

A vida, para mim, era uma amarga desilusão e, nessa altura, não queria continuar a fazer parte dela.

Não o fiz porque era demasiado cobarde.

Tinha demasiado medo de que não resultasse e de acordar e ter de enfrentar as consequências.

Eu era um desastre de merda.

O meu irmão Joey disse que elas me escolhiam como alvo porque eu tinha bom aspeto e chamou às minhas atormentadoras cabras invejosas. Disse-me para ser encantadora e para me erguer acima disso.

O que era mais fácil de dizer do que de fazer. E eu também não estava assim tão confiante naquela afirmação sobre ser encantadora.

Muitas das raparigas que me tinham tomado como alvo eram as mesmas que me faziam bullying desde o pré-escolar.

Tenho dúvidas de que a aparência tivesse alguma coisa a ver com o assunto, na altura.

Eu apenas era não gostável.

Além disso, por mais que tentasse apoiar-me sempre e defender a minha honra, o Joey não percebia como era a vida na escola, para mim.

O meu irmão mais velho era o polo oposto de mim, em todos os sentidos da palavra.

Onde eu era baixa, ele era alto. Eu tinha olhos azuis, os dele eram verdes. Eu tinha o cabelo escuro. O dele era loiro. A sua pele era dourada, como se beijada pelo sol. Eu era pálida. Ele era extrovertido e ruidoso, enquanto eu era sossegada e metida comigo.

O maior contraste entre nós era que o meu irmão era adorado por toda a gente na Ballylaggin Community School, também conhecida como BCS, a escola pública que ambos frequentávamos.

É claro que conseguir um lugar na equipa júnior de hurling de Cork tinha ajudado ao estatuto de popularidade doJoey, mas mesmo sem o desporto, ele era um tipo incrível.

E sendo o tipo incrível que era, o Joey tentou proteger-me de tudo isto, mas era uma tarefa impossível para uma só pessoa.

Eu e o Joey tínhamos um irmão mais velho, o Darren, e três irmãos mais novos: o Tadhg, o Ollie e o Sean, mas nenhum de nós falava com o Darren desde que ele se tinha ido embora de casa, cinco anos antes, na sequência de mais uma discussão abominável com o nosso pai. O Tadgh e o Ollie, que tinham onze e nove anos, estavam ainda no ensino básico, e o Sean, que tinha três anos, ainda mal tinha largado as fraldas, por isso, eu não estava propriamente rodeada de protetores que pudesse chamar.

Era em dias assim que sentia a falta do meu irmão mais velho.

Com vinte e três anos, o Darren era sete anos mais velho do que eu. Grande e destemido, era o irmão supremo para qualquer rapariguinha a crescer.

Desde pequena que adorava o chão que ele pisava, andando atrás dele e dos amigos, acompanhando-o para onde quer que fosse. Ele sempre me tinha protegido, ficando com as culpas quando eu fazia alguma coisa errada.

Não tinha sido fácil para ele e, sendo tão mais nova, eu não tinha entendido a verdadeira dimensão da sua luta. A mãe e o pai só estavam a namorar há um par de meses quando ela ficou grávida do Darren, com quinze anos.

Rotulado como bebé bastardo porque tinha nascido fora do casamento, na Irlanda católica da década de 1980, a vida tinha sido sempre um desafio para o meu irmão. Depois de fazer onze anos, tudo se tornou muito pior.

Tal como o Joey, o Darren era um hurler fenomenal e, tal como acontecia comigo, o meu pai desprezava-o. Estava sempre a achar alguma coisa mal no Darren, fosse o seu cabelo ou a sua caligrafia, o seu desempenho em campo ou a sua escolha de parceiro.

O Darren era homossexual e o nosso pai não conseguia lidar com isso.

Ele culpava um incidente do passado pela orientação sexual do meu irmão e nada que alguém dissesse convenceria o meu pai que ser homossexual não era uma escolha.

O Darren nascera homossexual, da mesma forma que o Joey nascera hétero e eu nascera vazia.

Ele era quem era e partia-me o coração que não fosse aceite na sua própria casa.

Viver com um homófobo era uma tortura para o meu irmão.

Odiava o meu pai por isso, mais do que o odiava por todas as coisas terríveis que tinha feito ao longo dos anos.

O comportamento descaradamente intolerante e discriminatório do meu pai em relação ao seu próprio filho era, de longe, a mais vil das suas traições.

Quando o Darren deixou o hurling, durante um ano, para se concentrar na obtenção do seu diploma final, o nosso pai perdeu as estribeiras. Meses de discussões acaloradas e de altercações físicas tiveram como resultado uma enorme explosão depois da qual o Darren fez as malas, saiu porta fora, e nunca mais voltou.

Cinco anos tinham passado desde essa noite e, além do cartão de Natal anual, no correio, nenhum de nós o viu ou ouviu falar dele.

Nem sequer tínhamos um número de telefone ou um endereço dele.

Era como se se tivesse desvanecido.

Depois disso, toda a pressão que o nosso pai punha no Darren mudou para os rapazes mais novos. Que eram, aos olhos do nosso pai, os seus filhos normais.

Quando não estava no pub ou na casa de apostas, o nosso pai estava a arrastar os rapazes para os treinos ou para jogos.

Concentrou toda a sua atenção neles.

Eu não tinha qualquer utilidade para ele, já que era rapariga e isso tudo.

Não era boa em desportos e não me destacava na escola nem em nenhuma atividade clubística.

Aos olhos do meu pai, eu era apenas uma boca a alimentar até aos dezoito anos.

E não é que isto fosse uma coisa que eu tivesse inventado. O pai disse-me isto em inúmeras ocasiões.

Depois da quinta ou sexta vez, comecei a ficar imune ao que me dizia.

Há muito que me tinha cansado de suplicar por amor a um homem que, nas suas próprias palavras, nunca me quis.

No entanto, preocupava-me a pressão que punha no Joey, e esta era a razão pela qual me sentia tão culpada de todas as vezes que ele tinha de vir em meu auxílio.

Ele estava no décimo segundo, o ano final da escola secundária, e tinha os seus próprios problemas para resolver, com a GAA, o trabalho em part-time no posto de gasolina, o diploma que tinha de conseguir e a sua namorada, a Aoife.

Eu sabia que quando me doía, também doía ao Joey. Não queria ser um fardo às suas costas, alguém de quem ele tivesse de estar a tomar conta constantemente, mas era assim desde que me conseguia lembrar.

Para ser franca, não conseguia suportar ver a desilusão nos olhos do meu irmão nem mais um minuto naquela escola. Passar por ele nos corredores, sabendo que quando me olhava, a sua expressão se ensombrava.

Para ser justa, os professores da BCS tinham tentando proteger-me do linchamento da multidão e a professora da orientação da BCS, Mrs. Falvy, até organizou sessões quinzenais com uma psicóloga da escola, ao longo do segundo ano, até os fundos serem cortados.

A mãe tinha conseguido juntar algum dinheiro para que eu consultasse uma psicóloga privada, pedindo-me que censurasse os meus pensamentos, mas, a oito euros por sessão, só a vi cinco vezes e, depois, menti à minha mãe e disse que já me sentia melhor.

Não me sentia melhor.

Eu nunca me senti melhor.

Só não conseguia suportar ver a minha mãe sofrer.

Odiava ser um fardo financeiro para ela, por isso resignei-me, pus um sorriso na cara, e continuei a caminhar para o inferno, todos os dias.

Mas o bullying nunca parou.

Nada parou.

Até que um dia, parou.

Na semana antes das férias de Natal, no mês anterior, apenas três semanas depois de um incidente semelhante, com o mesmo grupo de raparigas, cheguei a casa lavada em lágrimas, com a minha sweater da escola rasgada à frente e o nariz atascado de lenços de papel para estancar o sangramento da sova que tinha levado às mãos de um grupo de miúdas do quinto ano, que tinham sugerido veementemente que eu tinha tentado atirar-me a um dos seus namorados.

Era uma mentira descarada, considerando que eu nunca tinha posto os olhos no rapaz que me acusavam de ter tentado seduzir, e outra na longa fila de desculpas patéticas para me baterem.

Foi esse o dia em que eu parei.

Parei de mentir.

Parei de fingir.

Apenas parei.

Esse dia não foi apenas o meu ponto de rutura. Foi também o do Joey. Ele seguiu-me para casa com uma semana de suspensão às costas por ter dado uma tareia descomunal no irmão da Ciara Maloney, a minha principal atormentadora.

A nossa mãe olhou apenas uma vez para mim e tirou-me da escola.

Indo contra a vontade do meu pai, que achava que eu precisava de enrijecer, a mãe foi ao banco de crédito local e fez um empréstimo para pagar as taxas de admissão ao Tommen College, a escola privada na qual se pagavam propinas, a cerca de vinte e cinco quilómetros de Ballylaggin.

Apesar de me preocupar com a minha mãe, sabia que se tivesse de transpor, mais uma vez, as portas daquela escola pública, não voltaria a passá-las para sair.

Tinha chegado ao meu limite.