O chefe de Shoji Miromiti dizia-lhe coisas horríveis o que o levou a deixar a empresa onde trabalhava e a tornar-se freelancer. Mas, mesmo por conta própria, e apesar do trabalho ser extremamente aborrecido, sentia-se stressado.

Foi nessa altura que decidiu publicar um tweet. Estávamos em 2018:

“Estou a iniciar um serviço chamado Alugue Um Faz-Nada. Serve para qualquer situação em que tudo o que se quer é que uma pessoa esteja presente”.

Nessa altura, Morimoto tinha cerca de 300 seguidores. Passado um ano, eram mais de cem mil. Hoje aproximam-se do meio milhão.

Entre um momento e o outro, foi contratado mais de quatro mil vezes. Para partilhar um gelado; para acenar a uma pessoa à chegada ao aeroporto; para ver um escritor bloqueado a trabalhar; para acompanhar uma mulher a entregar os papéis do divórcio.

Em troca do pagamento das despesas, o autor escolhe quais pedidos atender. Nunca trabalha, não faz tarefas. Mas vai, ouve, está lá.

No livro Pessoa de Aluguer que Não Faz Nada (edição Lua de Papel) o autor, nascido em 1984, narra esses encontros, fala de si e de um Japão que parece tão distante, mas está afinal tão próximo – porque o medo da solidão e a absoluta necessidade de companhia são valores universais.

Do livro, publicamos o excerto abaixo:

Quero provar um frappuccino de hojicha do Starbucks. Normalmente, gosto de coisas doces e ouvi dizer que não é assim tão doce, mas de qualquer modo gostava de experimentar. Acho que não vou conseguir bebê-lo todo, por isso, pode partilhá-lo comigo? Não gostaria de desperdiçar nada.

@morimotoshoji
Gostei deste pedido. Era simples, sincero e um pouco sentimental. O cliente sugeriu que nos encontrássemos num dia de semana, um dia soalheiro, porque a chuva estragaria tudo. Isso foi simpático, mas também gostei do facto de, no fim de contas, ter chovido.

Porque é que criei este serviço de Alugue Um Faz-Nada? Uma das razões foi a ideia de “pagamento por estar presente” que vi num blogue escrito pelo conselheiro de saúde Jinnosuke Kokoroya.

A minha mulher segue este blogue e, por acaso, reparei nessa expressão em particular no ecrã dela. Nunca tinha pensado muito no Kokoroya. As suas soluções pareciam sempre demasiado fáceis. Mas algumas das suas frases tocaram-me e “pagamento por estar presente” foi uma delas.

Na prática, as pessoas recebem um salário por trabalharem. É uma troca por algo que está a ser feito. Mas Kokoroya defendia que as pessoas deviam ser pagas apenas por estarem presentes – que as pessoas têm um valor mesmo que não façam nada. A ideia não me tocou com tanta intensidade no início, mas pareceu-me interessante. Entrou num canto do meu cérebro e enraizou-se. Comecei a pensar se o “pagamento por estar presente” poderia ver a luz do dia.

Pouco tempo depois, ouvi falar do Pro-Ogorareyā, o hóspede profissional, um homem cujo “trabalho” é tomar refeições com pessoas. Não tem morada fixa. Limita-se a pedir às pessoas no Twitter que lhe deem comida e um sítio para ficar. Das ofertas que recebe, escolhe as que lhe parecem mais apelativas.

As pessoas criticam o seu modo de vida. Ficam zangadas por ele não arranjar um emprego e não se sustentar sozinho, ou riem-se dele, dizendo que é apenas um gigolô. Mas a mim pareceu-me uma fantástica maneira de viver. Aqui estava alguém a ser pago apenas por “estar presente” – a prova de que é possível. Naquele momento, algo que estava escondido dentro de mim ganhou vida – o desejo de viver sem fazer nada. Pensei no que Pro-Ogorareyā fizera – ou melhor, praticamente copiei as suas ideias – e, pouco tempo depois, o meu serviço de não fazer nada estava a funcionar.

As coisas podem ser diferentes simplesmente porque alguém está presente. Não tem de estar presente, mas se estiver, algo muda. Neste capítulo, quero refletir sobre alguns dos pedidos que já me foram feitos apenas “para estar presente”: ir a um restaurante com alguém que não se sente à vontade para ir sozinho; assistir a um ensaio de teatro; sentar-me ao lado de alguém enquanto trabalha; observar alguém a fazer as tarefas domésticas. Como é que situações como estas mudam quando uma pessoa é alugada simplesmente “para estar presente”?

Gostaria que pensasse em mim amanhã ou no dia seguinte. Basta dizer a si mesmo: “Ela está bem?” ou algo do género. Pense nisto como um apoio a uma licenciada recém-empregada que viu o seu dia de folga cancelado. Não há uma razão muito forte para este pedido. Estava a sentir-me cansada e isto veio-me à cabeça.

@morimotoshoji
Um pedido de alguém que queria que eu pensasse nela por um momento durante os próximos dois dias. Li o pedido várias vezes, porque não tinha a certeza de o ter compreendido. Mas aceitei-o, assumindo que era apenas uma questão de pensar nela.

Mais tarde, informei-a de que o fizera e, na sua resposta, ela disse-me que tivera um efeito – uma resposta que tanto me aliviou como me preocupou um bocado.

Antes de me tornar uma Pessoa de Aluguer Que Não Faz Nada, é claro que fiz alguma coisa. Falarei mais sobre isso adiante, mas por agora vou dar-vos a conhecer um breve currículo. Estudei ciências até ao nível da pós-graduação e depois fui trabalhar para uma empresa que publicava materiais didáticos e prestava serviços de ensino à distância. Despedi-me ao fim de alguns anos e comecei a chamar-me “escritor freelancer”. Já era trabalhador independente há dois anos quando me deparei com a ideia de “pagamento por estar presente” de Kokoraya. Nessa altura, já não escrevia muito. Não tinha nenhuma razão respeitável para isso – era uma questão de o trabalho ser entediante e o salário pouco atrativo.

A expressão “escritor freelancer” abrange um espetro bastante amplo, incluindo redatores de publicidade, redatores anónimos de revistas e websites, colunistas que escrevem em nome próprio, etc. O que têm em comum é o facto de ganharem a vida mediante um pagamento por cada trabalho efetuado, neste caso a escrita.

A minha função principal como freelancer era semelhante ao que fazia na empresa – escrever perguntas para livros de exercícios e explicações para livros de referência. Para além disso, escrevia textos para panfletos comerciais e resumos de entrevistas. No início, limitava-me a fazer o trabalho sem pensar muito nele, mas aos poucos comecei a aperceber-me de como era entediante. Não conseguia deixar de sentir que estava a fazer algo que simplesmente não queria fazer. O trabalho de escrever tornou-se stressante.

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É claro que o valor que as pessoas recebem pelo trabalho que efetuam (no meu caso, honorários de escrita) depende do mercado e não é tido em conta o stresse envolvido. Não considerava isso correto. Parecia-me injusto que as pessoas que queriam fazer o trabalho e não se sentiam nada stressadas com ele recebessem o mesmo que as que não queriam fazê-lo e se sentiam stressadas com ele. Considerava errado que eu não estivesse a receber nada pelo desgaste mental que o trabalho me causava. Consigo imaginar as pessoas a murmurarem para si próprias: “Bem, não existe trabalho fácil”, e compreendo perfeitamente que o stresse no trabalho não tem nada de invulgar. Mas, mesmo assim, a situação incomodava-me, e de que maneira…

Algumas pessoas podem perguntar-se: Porque não procurar outro emprego? Era exatamente isso que eu pensava quando saí da empresa. Tinha decidido trabalhar por conta própria e aceitar apenas os trabalhos que queria – escrever sobre assuntos que me interessavam e entrevistar pessoas nas quais tinha interesse. Mas acabou por ser repetitivo. Aceitamos um trabalho e acabamos por fazer uma série sobre o mesmo assunto, ou pedem-nos para fazer algo muito semelhante para outra empresa da mesma área. As pessoas estão sempre à procura de um bom resultado para repetir. Achei deprimente.

Não gostava de escrever assim. Era stressante ter de corresponder às expetativas. Por exemplo, quando uma empresa pretende obter perguntas práticas para um exame, exige um determinado nível de qualidade numa determinada data. Se eu conseguisse corresponder a essas expetativas, era provável que recebesse trabalhos semelhantes com níveis de expetativa equivalentes ou superiores – poderiam dizer: “Desta vez, as explicações devem ser mais breves” ou “Que tal acrescentar algumas sugestões aos alunos?”

Ter estas pressões externas já era suficientemente mau. Mas também havia algo interior. Gosto de sentir que o meu trabalho é novo e significativo, por isso, em vez de me limitar a repetir perguntas antigas, tento sempre pensar em material novo. Infelizmente, porém, não sou assim tão criativo, e depressa fiquei sem ideias, por conseguinte sentindo-me obrigado a pesquisar. Não recebia qualquer remuneração por esta investigação, mas sentia que devia fazê-la. Isto ainda me deixou mais stressado – stresse pelo qual não era pago. Inevitavelmente, há momentos em que acabamos por ter mais stresse do que salário. É nessa altura que já não quero fazer o trabalho. E foi por isso que desisti de todos os empregos que tive.

pessoa
créditos: Lua de Papel

Olá, Pessoa de Aluguer! Gostava de ir ao parque sentar-me à brisa da noite com uma lata de chūhai, mas acho que seria um pouco estranho beber sozinho. Importa-se de vir comigo?

@morimotoshoji
Ontem à noite, aceitei este pedido e deram-me muito que beber. Verão, noite, um parque, álcool – foi uma mistura poderosa. Fiquei bastante ébrio e ainda não recuperei. É suposto encontrar-me com algumas pessoas hoje, incluindo um YouTuber que retweetei. Lamento se algo não correr como planeado.

Sem abandonar o meu trabalho como freelancer, criei um blogue. Pensei que com um blogue poderia escrever o que me apetecesse e talvez me mantivesse fiel a ele. Mas fiquei com falta de material e não queria passar a vida à procura de coisas para escrever num blogue.

Dizia a mim próprio para ser adulto e dedicar-me a algo, mas o stresse era sempre demasiado. Tentava mitigá-lo de alguma maneira, mas nunca resultava. Estava num círculo vicioso de tentar fazer algo e acabar por não fazer nada. Por fim, comecei a perceber que não fazer nada era o que mais me convinha.

Por esta altura, não escrevia quase nada, e deste modo como é que conseguia pagar as contas? A resposta é que fazia algumas operações financeiras. Parecia ser uma forma mais fácil de ganhar dinheiro do que escrever, e tive algum sucesso. Suponho que, na altura, procurava formas de viver sem fazer nada.

Atualmente, já não faço transações financeiras e, olhando para trás, apercebo-me de que ter ganhado algum dinheiro dessa maneira foi pura sorte. Se tivesse continuado, tenho a certeza de que teria perdido muito dinheiro a dada altura. Ou talvez me tivesse fartado e deitado tudo a perder.

Nunca me canso do meu papel de não fazer nada, e não há stresse. Porquê? Poderia dar várias respostas, mas a mais simples é que há variedade; as pessoas e as situações são sempre diferentes. É como ver televisão. Muitas pessoas consideram a televisão aborrecida, mas eu gosto (embora não tenhamos uma). Podemos ficar sentados sem fazer nada enquanto a televisão passa entretenimento, notícias e anúncios. Penso que me dá a dose suficiente de estímulo. O Alugue Um Faz-Nada proporciona-me um tipo semelhante de entretenimento passivo, apesar de neste caso eu ser o prestador do serviço e não o utilizador do serviço.

Deixei cair uma peça de roupa (e o cabide) do meu apartamento para o apartamento de baixo. Quando me mudei para este prédio, recebi muitas queixas através do administrador do condomínio sobre crianças a correrem de um lado para o outro, e o vizinho vinha muitas vezes queixar-se pessoalmente. Resolvi sempre a situação, e há cerca de seis meses que não recebo qualquer queixa. Mesmo assim, sinto-me nervosa por ir buscar a minha roupa e queria saber se pode vir comigo. Pedido: vir comigo e ficar atrás de mim enquanto eu peço que me devolvam a roupa. Depois, ouvir-me falar sobre o assunto no meu apartamento.

@morimotoshoji
A cliente tem tido problemas frequentes com o inquilino do andar de baixo e não se sentia segura em encontrar-se com ele sozinha. Como não tinha mais ninguém a recorrer naquele dia, contactou-me. A roupa lavada foi recuperada, mas a situação continua incómoda e a cliente continua a sentir-se amedrontada.