Bruce Hood, psicólogo britânico e professor de Psicologia e Desenvolvimento na Sociedade, criou em 2018 o curso mais popular da escola onde exerce a docência, a Universidade de Bristol. The Science of Happiness (A Ciência da Felicidade), faz uma abordagem científica da compreensão da felicidade, e cujo objetivo é ensinar técnicas de psicologia positiva aos alunos com vista a melhorar o seu bem-estar mental. Da experiência de Bruce Hood e do curso que ministra, chegou aos escaparates nacionais o livro A Ciência da Felicidade (edição Nascente). De acordo com o investigador, a chave está na harmonia entre egocentrismo e alocentrismo — compreendermos como passamos de crianças egocêntricas, que veem o mundo quase exclusivamente da sua perspetiva, a adultos alocêntricos, conscientes de outras perspetivas e necessidades.

Através das sete lições a proposta de Hood passa por dosear o nosso ponto de vista egocêntrico com a adoção de uma perspetiva mais alocêntrica para reorganizarmos o nosso pensamento e mudarmos o paradigma da nossa saúde mental.

De A Ciência da Felicidade publicamos o excerto abaixo:

Otimismo e saúde

Grandes estudos epidemiológicos demonstram sistematicamente que os indivíduos mais pessimistas têm mais problemas de saúde e morrem, em média, cerca de oito a dez anos mais cedo do que os mais otimistas. Os pessimistas sucumbem mais facilmente às principais causas de morte: doenças cardiovasculares, problemas respiratórios e cancro. Um dos principais fatores que contribuem para isso são stresse crónico.

Na Segunda Lição, referimos já a resposta luta ou fuga como um mecanismo potencial relacionado com o stresse. A ligação entre estas doenças e o papel do stresse crónico nos sistemas de resposta imunitária e inflamatória do organismo para combater doenças e infeções está bem estabelecida. O stresse agravado pela perceção de ameaça e incerteza acerca do futuro. Uma vez que os otimistas encaram o futuro de forma mais positiva, esta perspetiva permite‑lhes adotar estilos de vida mais saudáveis, sustentados num maior apoio social.

Bruce Hood
Bruce Hood. créditos: Dave The Photographer/Wikimedia Commons

É importante esclarecer que o otimismo não é o mesmo que a esperança. A esperança é um estado emocional mais relacionado com o desejo de resultados importantes — mas menos prováveis — que estão mais fora do nosso controlo. Os otimistas vão mais longe, pois acreditam que os resultados serão melhores e, por isso, trabalham mais, durante mais tempo e perseveram quando os pessimistas desistem. Isto tem implicações na adoção de estilos de vida mais saudáveis e na adesão às recomendações de saúde para evitar a progresso da doença.

Uma segunda vantagem é a mentalidade otimista. Os otimistas são resistentes. Persistem em ultrapassar os fatores de stresse, o que poderá pôr à prova o sistema fisiológico do corpo ao extremo, mas, no final, é mais provável que conduza a uma eventual resolução do fator de stresse. Em contrapartida, os pessimistas desistem mais rapidamente, mas, mesmo assim, os fatores de stresse não são resolvidos, uma vez que o problema não é tido como desaparecido. Isto conduz ao stresse crónico a um impacto negativo na nossa função imunitária e na nossa reação ao stresse crónico, tal como foi referido na Segunda Lição.

“O nosso ego é o principal obstáculo à felicidade”
“O nosso ego é o principal obstáculo à felicidade”
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Uma terceira explicação está relacionada com o apoio social e a solidão. Os otimistas são vistos como mais simpáticos, atraentes e amigáveis do que os pessimistas. Têm redes sociais mais amplas e um maior apoio social. Numa fase posterior da vida, o otimismo prevê uma maior defesa contra a solidão e todas as implicações negativas que o isolamento poderá ter para a saúde.

Em geral, os otimistas são menos propensos a desistir perante os desafios de saúde. São também mais propensos a encarar as situações como desafios e não como ameaças, e a adotar práticas mais saudáveis para garantir um futuro melhor. Têm objetivos e confiança para os alcançar, o que reforça a sua capacidade de combater a doença.

Porém, convém fazer uma ressalva. O otimismo poderá ser um estado de espírito mais saudável e o estímulo que nos leva a atingir os objetivos, mas um otimismo irrealista poderá levar à imprudência. Se formos pessoas com um estilo de atribuição que nos leve a considerar os fracassos como isolados, temporários e não como culpa nossa, então, poderemos não aprender com os nossos erros. Se não aprendermos com os nossos erros, é provável que os repitamos mais à frente. Se acharmos que os riscos para a saúde não se aplicam a nós, poderemos ter um estilo de vida pouco saudável. Devemos procurar ser mais otimistas, mas também devemos temperar esta mentalidade positiva com um certo grau de realismo.

Aconselho a combinação de perspetivas positivas com uma previsão e um planeamento razoáveis. Uma técnica que se tem revelado eficaz é o contraste mental, que combina exercícios de motivação, planeamento e execução.

A ciencia da felicidade
créditos: Nascente

Chama‑se contraste, pois espera‑se que mentalizemos a obtenção do resultado desejado por contraste com os desafios que se interpõem no caminho. Em primeiro lugar para atingir os objetivos, é preciso imaginar que estes são alcançáveis. Tal como defendem muitos psicólogos do desporto, visualizar ou imaginar a concretização de um objetivo estimula a motivação para perseguir esse objetivo.

Quanto mais específico for o objetivo, melhor, pois acrescenta indicadores de desempenho tangíveis para determinar se o progresso em direção a esse mesmo objetivo está a ser alcançado. No entanto, não basta desejar um objetivo futuro. Isso seria esperança, o que não é uma boa estratégia para o sucesso. Tal como argumentou a psicóloga Gabrielle Oettingen, o pensamento positivo conduz à inércia. É necessário pensar também nos obstáculos futuros e na forma de os ultrapassar. Oettingen desenvolveu uma técnica chamada WOOP que utiliza o contraste mental para atingir os objetivos. WOOP é a sigla inglesa que significa Desejo, Resultado, Obstáculos, Plano (Wish, Outcome, Obstacles, Plan).

Comece por identificar o que “deseja” ao pormenor. Não seja vago — “Quero perder peso” —, estabeleça objetivos específicos — “Quero perder 5 quilos”. Os objetivos específicos são mais tangíveis e concretizáveis. Proporcionam um parâmetro mensurável para o progresso. Em seguida, imagine o “resultado” de perder 5 quilos. Visualize‑se em cima da balança e como se sentirá bem quando vir que perdeu esse peso. O desejo e o resultado são necessários para nos motivar a mudar o nosso estilo de vida. No entanto, precisamos de uma estratégia. Quais são os “obstáculos”? Talvez: “Não tenho tempo para preparar as minhas próprias refeições. Comprar alimentos processados é mais fácil”.

Pense nestes obstáculos e nos planos que poderá pôr em prática para os ultrapassar — “Não compre bolos. Afaste as tentações. Coma mais fruta e legumes frescos. Aprenda a cozinhar refeições simples e nutritivas”, etc.

“O que existe é a ideia da felicidade. E esse ideal da felicidade foi inventado pela sociedade de consumo” - Margot Cardoso
“O que existe é a ideia da felicidade. E esse ideal da felicidade foi inventado pela sociedade de consumo” - Margot Cardoso
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Seguir uma estratégia de contraste mental como a WOOP tem muito mais probabilidades de resultar do que simplesmente querer mudar. Num estudo realizado com mais de 10 mil mulheres alemãs que desejavam comer mais fruta e legumes frescos, dois grupos foram informados acerca dos benefícios de mudar para uma alimentação mais saudável, enquanto foi também ensinada a um grupo a técnica WOOP. Para a visualização positiva, foi‑lhes dito para imaginarem como seria ótimo o resultado se realmente comessem mais fruta e legumes frescos.

Porém, quais são os obstáculos? Talvez seja difícil encontrar um fornecedor regular de produtos frescos. Ou talvez goste de comer pizza uma vez por semana. Cientes dos potenciais obstáculos, as mulheres foram capazes de definir planos de contingência — “Nesse caso, terei de me inscrever numa cooperativa alimentar ou subscrever um serviço de entrega ao domicílio de cabazes de produtos frescos. Vou passar a comer pizza de 15 em 15 dias nos primeiros dois meses e depois uma vez por mês. O outro grupo limitou‑se a seguir as suas rotinas normais, sem o plano de contingência.

Inicialmente, não se registou qualquer diferença entre os dois grupos em termos de alimentação saudável. No entanto, passados quatro meses, os grupos começaram a divergir, com o grupo da rotina normal a comer menos produtos frescos; dois anos depois do estudo, tinham voltado aos seus hábitos alimentares originais. Por sua vez, o grupo WOOP manteve uma alimentação mais saudável.

Ser otimista é muito bom, mas também é preciso tomar medidas para viver de forma mais saudável.

Nesta lição, aprendemos que diferentes facetas das nossas vidas geram diferentes expectativas para o futuro e, embora cada um de nós tenha predisposições para pensar, tanto de forma otimista como pessimista, todos podemos aprender a tornar‑nos mais positivos. Analisámos os benefícios de pensar de forma positiva e os desafios dos preconceitos negativos. Ambos são valiosos, desde que não sejam levados ao extremo. É útil prestar atenção aos sinais de alerta, mas o negativismo não deve dominar o nosso pensamento. É melhor sermos otimistas em relação à nossa saúde e felicidade, mas também devemos ter alguma cautela para evitar a imprudência. Reconhecer os estilos de atribuição e pensar de forma menos egocêntrica são soluções para nos tornarmos mais otimistas. Outra é imaginar um futuro melhor para nós próprios e planear as ações necessárias para lá chegar.

Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.