Crónica anterior: Gravidez em tempo de pandemia. Coisas más acontecem, mas também há finais felizes


O meu corpo mudou. Tem vindo a mudar ao longo dos últimos meses e, apesar de me poder sentir uma supermulher por estar a passar por esta experiência, a verdade é que os sinais que ele me enviou nos últimos tempos foram mesmo “chegou o momento de parar”.

Ao longo destes oito meses não me posso queixar muito com os desconfortos que a gravidez causou na minha vida, na minha rotina e no meu corpo - não tive enjoos, hormonas descontroladas, variações de humor, sono - à exceção de uma dor.

Comecei a sentir as primeiras dores numa viagem a Budapeste, em janeiro. Uma dor que me apanhava o fundo das costas, do lado direito que depois descia pela perna. Quando dava por mim estava a coxear. “Isso é ciática na gravidez”, disse-me uma amiga que me acompanhava na viagem. “Prepara-te para os próximos meses”, anunciou.

Falei dessa dor à minha obstetra na consulta seguinte. Ela sugeriu que eu praticasse Pilates – coisa que não fiz. A dor entretanto atenuou e esqueci isso. “A miúda deve ter mudado de posição e já não está a pressionar o que não deve”, pensei.

Sinto que o tempo me trouxe uma nova forma de tranquilidade, que ainda não tinha experienciado. Sinto-me mais leve, a minha cabeça libertou espaço, e posso finalmente começar a pensar nos detalhes que todos me perguntam se já tratei

Na realidade, foi uma folga que ela me deu, de apenas algumas semanas. Foi no início de março que a dor voltou, mas ainda pior. Desta vez do lado esquerdo. Não raras vezes estava em pé a falar com alguém e lá começavam as pontadas, como se fossem agulhas, que desciam pelas costas até ao fundo da perna. Nesses momentos não conseguia evitar uns “ais”. E foi com essas dores que comecei em teletrabalho nos primeiros dias de março. Não eram limitadoras mas eram incomodativas.

Escusado será dizer que passar horas intermináveis sentada no sofá com o computador no colo, não ajudaram este quadro. E as dores foram-se multiplicando até chegar ao ponto de fazer uma caminhada maior e de não me conseguir mexer, passadas umas horas.

“Não era suposto isto ser assim”, pensei. Não bastava estar limitada por causa de um vírus, não era necessário estar limitada fisicamente. Mas há tanta coisa que não era suposto estar a acontecer que me limito a encolher os ombros e a não pensar mais no assunto. No meio disto tudo consigo encontrar algumas vantagens: não tive de me preocupar com roupa de maternidade (consegui adaptar o meu guarda-roupa) e como não estamos com pessoas, estamos protegidos dos “palpites” e das “histórias de partos do demo”.

A miúda está na maior. Cresce a olhos vistos – não sei o que aconteceu à minha barriga das 31 semanas para a frente. A mãe é que já passou dias melhores e a ordem chegou: “tem de ficar em casa, mas a descansar”, ordenou-me a obstetra.

Passados uns dias de estar em repouso e longe do computador, sinto que o tempo me trouxe uma nova forma de tranquilidade, que ainda não tinha experienciado. Sinto-me mais leve, a minha cabeça libertou espaço, e posso finalmente começar a pensar nos detalhes que todos me perguntam se já tratei.

Não, ainda não fiz a mala de maternidade. Mas já tenho as coisas separadas, é só arrumar e escolher qual vai ser a primeira roupa e a roupa de saída entre aquilo que separei. Com esta história toda da COVID-19, não sabemos muito bem o que levar porque não me parece que haja a hipótese de “se faltar o pai vai buscar”. Nem sequer sabemos se o pai vai poder estar connosco. É aceitar que as coisas estão fora do nosso controlo e que o importante é viver uma coisa de cada vez, sem frustrações. Provavelmente, irá roupa a mais (para a criança), para mim dois pijamas, um robe e aquelas fraldas em modo cueca chegam bem.

Sinto tudo isto como um jogo da incerteza: não sabemos o que vai acontecer na próxima semana, no próximo mês, nos próximos dias. Também não sei quando a criança vai decidir nascer (filha, para já ainda é cedo, deixa-te estar sossegada) e essa é a mais maravilhosa das incertezas. É quando ela quiser. Eu, que já tinha uma atitude tranquila em relação ao tema gravidez, sinto-me eu própria mais tranquila por não ter mais nada em que me concentrar sem ser nela.

No meio desta incerteza em relação ao futuro, não tenho dúvidas de que está prestes a começar a mais atribulada, desafiadora e maravilhosa das aventuras

Estes são os últimos dias de uma realidade que conheci durante toda a minha vida adulta. São os meus últimos dias antes de me tornar mãe à séria. São os últimos dias de uma fase que dará lugar a outra.

É verdade que já não estou sozinha há oito (quase nove) meses, a minha filha acompanha-me dentro da barriga, mas enquanto ela aqui permanece está protegida do mundo. Se por um lado tenho aquela curiosidade de a conhecer, por outro deixava-a ficar aqui até as coisas acalmarem mais um pouco. Por isso, para já, aguenta-te aí, uma vez que não te posso carregar mais oito meses (que carregaria). No máximo temos mais cinco semanas só nós as duas, antes de te partilhar com o mundo. E que mundo este estás prestes a conhecer!

Mas vai correr bem. Eu sou aquela pessoa que vê sempre o copo meio cheio. Que acredita que as coisas não acontecem por acaso. Que mesmo quando algo não corre bem é porque me vem ensinar alguma coisa.

Quando pensei no nome deste conjunto de crónicas – Gravidez em tempo de pandemia –, há mais de dois meses, não estava a inventar a roda (há nomes semelhantes com “tempo de pandemia”, “tempo de coronavírus” ou “tempo de COVID”) mas estava a pensar no livro de Gabriel García Márquez “O Amor nos Tempos de Cólera”. Nunca li o livro (vergonhoso, eu sei), mas vi o filme, em 2007 ou 2008, e naqueles primeiros dias de confinamento tinha na cabeça uma das músicas da banda sonora interpretada pela Shakira “Despedida”. Apesar de a música ter uma mensagem um pouco triste – talvez nos sentíssemos todos um pouco assim com a nova normalidade – esta é também a minha despedida por aqui.

Vou fechar-me na minha bolha e dedicar-me a preparar a chegada do maior projeto da minha vida. A contagem decrescente já começou. E no meio desta incerteza em relação ao futuro, não tenho dúvidas de que está prestes a começar a mais atribulada, desafiadora e maravilhosa das aventuras.

Até breve.

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Daniela Costa chegou ao SAPO em agosto de 2013, depois de uma passagem por produtoras de televisão em que fez um pouco de tudo: desde programas para a RTP 2 sobre agricultura, pescas e desenvolvimento rural, programas sobre lusofonia, na RTP África ou programas para a RTP Internacional sobre o melhor que se fazia em Portugal nos anos de crise financeira, entre outros. Entrou na equipa do SAPO Lifestyle, em novembro de 2015, e desde fevereiro de 2017 que assume a função de editora.