1. Apichar (Beiras)
Avivar o lume | Provocar
Apesar de a sonoridade poder levar para outros campos, “apichar”, para um beirão, é simplesmente “avivar o lume” ou “atear o fogo”. O verbo continua bem vivo, principalmente entre as gentes da Beira Baixa, e é um dos termos que melhor define um falante do distrito de Castelo Branco.
No sentido literal, “apichar” é, como o próprio nome indica, “aplicar piche”, que é uma substância altamente inflamável, produto da destilação do alcatrão ou da terebentina. Utiliza-se para revestir o piso das estradas, por exemplo. Normalmente associado ao piche está um cheiro forte a queimado, a chamuscado, e poderá ter sido esta particularidade a induzir à utilização do verbo apichar como sinónimo de avivar o fogo. É mais provável esta proveniência do que “pichel”, de “picheleiro”, pois embora este também possa ser conhecido como soldador, alguém que na sua profissão também lida constantemente com o fogo e com altas temperaturas, o pichel, por si só, é um objeto, uma vasilha, que alude muito mais ao líquido (à água) do que ao fogo.
Uma referência, por fim, para o verbo “apichar”, igualmente sinónimo de “provocar” ou “incitar” (por exemplo, “apichar o cão”), enquanto “pichar” pode ser entendido como o “ato de dizer mal de algo ou de alguém”.
2. Acoinar (Algarve)
Varrer
É uma pena que certas palavras se percam e sejam substituídas pelos sinónimos mais correntes, mercê da padronização da língua, que é, com a influência dos meios de comunicação, cada vez mais igual em todos os pontos do país. Um dos termos que só resiste nos mais antigos é o verbo “acoinar”, que significa “varrer”.
Assim, um “coino” ou “acoinadeira” (os algarvios pronunciam “acoinadêra”) é uma vassoura, mas não uma vassoura qualquer, esta tinha uma função muito específica. O coino era feito com ramos secos de certas plantas e destinava-se a limpar o trigo nas eiras, nomeadamente a acondicionar as palhas mais grossas do referido cereal em monte.
É uma palavra interessante e até divertida, pois a forma como se escreve e como se pronuncia remete o imaginário popular para outras realidades. Basta pensar no Ti Balecas a pedir a vassoura à esposa: “Ó Maria, dá-me aí o coino!”.
3. Pito (Trás-os-Montes)
Doce
A história desta palavra não podia ser melhor. Podia começar assim: “Com muito amor e carinho, as meninas de Vila Real preparam o pito para oferecer ao eleito do seu coração”. Prosseguindo com igual malícia, terminaria desta forma: “Mais tarde, se o cavalheiro ficar agradado com a oferta da menina, retribui-lhe, dando-lhe a gancha”.
Na verdade, estamos a falar de doces conventuais e de uma tradição já muito antiga. No dia 13 de dezembro, em que se festeja Santa Luzia, é costume, na zona de Vila Real, a rapariga preparar uma iguaria de massa tenra ou folhada, recheada com doce de calondra (abóbora), que vai oferecer ao seu pretendente. Se o rapaz gostou do pito da menina, então, no dia 3 de fevereiro, reza também a tradição, vai retribuir a gentileza, oferecendo-lhe um outro doce: a gancha de São Brás, pois é neste dia que se celebra o santo. A gancha é uma bengala (a imitar o báculo papal) feita de açúcar em ponto de rebuçado.
4. Lambe-cricas (Minho)
Indivíduo de carácter fraco | Cão pequeno
É um dos insultos mais vulgares e ouvidos quando a intenção é criticar a fraqueza de espírito de um homem. Em termos objetivos, “crica” designa o órgão sexual feminino, palavra que vem do grego kríkos, que quer dizer “anel”. A associação é óbvia, pelo formato. Aliás, cricoide designa um objeto de formato circular. Ainda no calão, um cricas é um chulo e uma cricalha é uma lambisgoia, uma sirigaita.
Logo, o que lambe a crica é o que pratica sexo oral à mulher, tendo por princípio de que lambe-cricas terá de ser um homem, no marcado machismo que caracteriza a linguagem. Hoje, nem é mal visto socialmente, mas, em tempos idos, era um ato recriminável praticado por um homem que não conseguia consumar o ato (copular) “à homem”. Por isso, era tido como um homem menor, de carácter fraco, um “banana”.
Também é frequente chamar a um cão de pequeno porte lambe-cricas. As possibilidades são várias. A primeira, mais fiável, é a de estes cães, por serem pequenos, não conseguirem ter relações sexuais com fêmeas maiores, limitando-se, por isso, ao tal ato de lamber. Outra, que será mais um mito, é a de que as senhoras da alta sociedade se serviriam dos seus caniches para sua própria satisfação…
5. Caralhota (Ribatejo)
Borboto | Pão de Almeirim
Por “caralhota”, no seu sentido primário, devemos entender “capa para o órgão sexual masculino”, seja lá o que isso quer dizer… Não é disso que estamos a falar (nem das ameixas compridas e oblongas das Beiras, que também têm esse epíteto), mas sim do célebre pão de Almeirim, as saborosas bolas de pão caseiro, cozidas em forno de lenha, e que são uma marca tradicional e turística do concelho.
O nome vem de um outro regionalismo ribatejano, já que “caralhotas” é o nome dado aos borbotos das camisolas, isto é, os pequenos tufos que se formam à superfície dos tecidos de lã. Como os restos que ficavam nos alguidares de barro onde era preparada a massa do pão faziam lembrar os borbotos, as gentes de Almeirim atribuíram-lhe essa designação. São pequenos pães feitos a partir desses restos, uma tradição que vem de tempos de grande privação, em que tudo tinha de ser aproveitado.
6. Joeira (Madeira)
Papagaio de papel
Aqui, os buzicos (crianças) não lançam o papagaio, pois o célebre brinquedo tem outro nome: “joeira”. Para se perceber como nasce esta designação, primeiro temos de saber o que significa esta palavra tão pouco utilizada nos nossos dias. Porém, nem sempre foi assim. Há 100 anos, toda a gente a conhecia, porque “joeira” é uma “peneira grande destinada a separar o trigo do joio”. É feita de vime, com uns paus finos (em número de oito, normalmente) longitudinais. O efeito é translúcido. Estas duas características fazem lembrar claramente um papagaio de papel (que também fica translúcido quando lhe bate o sol) e terá sido por isso que os antigos, quando viram os primeiros papagaios, que ainda não tinham as cores vivas que hoje apresentam, lhes terão chamado assim – porque parecia exatamente uma peneira a voar!
Convém, no entanto, não confundir com a expressão “Altear a joeira”. Até se poderia pensar que teria o sentido de largar o papagaio, fazê-lo voar, alteando-o, mas não. Refere-se ao ato de masturbação masculina, em que outras coisas são, por assim dizer, alteadas…
7. Chupão (Beiras)
Chaminé de cozinha
Nas Beiras um chupão também é o resultado visível no pescoço dele ou dela, depois de uma noite de atividade intensa. Mas, por estes lados, quando alguém o pronuncia, também pode estar a referir-se à chaminé da cozinha.
A palavra vem de Espanha e entra em Portugal pelo Nordeste transmontano, antes de chegar aos falantes da Beira Alta. Indica não a chaminé exterior mas o orifício interior da antiga cozinha por onde o fumo da lareira saía, ou seja, por onde era chupado. O termo mantém-se com o mesmo significado na Beira Baixa, mas já em alguns locais com o sentido geral de chaminé (exterior), sendo que, quer no Alentejo quer no Algarve, também existe o regionalismo “chupão”, mas reportando-se a chaminé e não, como inicialmente, chaminé de cozinha. É uma palavra em que a ação do falante, sem alterar o significado geral, adulterou ligeiramente o objeto a que diz respeito.
8. Vai-te quilhar! (Porto)
Desaparece! | Não me aborreças!
“Vai-te quilhar” significa “causar prejuízos ou embaraços a alguém”; o mesmo que “tramar, lixar, prejudicar”. “Quilhar” é “enganar, pregar partida a alguém”. É, pois, uma ordem de não aborrecer e “dar de frosques”.
A palavra original é a alemã Kiel e chegou a Portugal pelo francês quille. No campo semântico, existem duas possibilidades: a primeira hipótese é a palavra ser uma derivação de “codilho”, que é um lance, nalguns jogos de vaza, como a sueca, em que os parceiros ganham ao feito, isto é, pode dar-se ou levar codilho quando, por exemplo, se recorre a situações menos lícitas. “Codilhar”, o verbo, designa “lograr, enganar”. O mais provável é que o sentido venha diretamente de “quilha”, que é uma peça longitudinal, de madeira ou ferro, que, na parte inferior do navio, vai da popa à proa e na qual se fixam as peças laterais.
Importa relembrar que uma boa parte do calão carroceiro tem por inspiração os termos náuticos e portuários e que os falantes destes ambientes terão sido, ao longo dos tempos, transmissores privilegiados desta forma de falar. Assim, fala-se num ritual de iniciação ou de punição em que os novos marinheiros, para ascenderem à condição de “verdadeiros homens do mar”, seriam sujeitos a uma dura prova, que seria mais ou menos isto: eram atados com uma corda forte pelos pés e lançados ao mar, por um dos lados do navio. Teriam de nadar sob a embarcação e, mais precisamente, por baixo da quilha e aparecer do outro lado. Desta forma, estariam a “ser quilhados”, um ritual nada agradável.
9. Calhandreira (Lisboa)
Coscuvilheira | Linguareira
“Calhandreira” ou “calhandrice” são palavras bem conhecidas e utilizadas pelos lisboetas para referir principalmente atos de bisbilhotice.
A primeira tarefa para perceber a sua origem é descobrir o que é um calhandro. Ora, trata-se de um vaso alto e cilíndrico onde, na cidade, os calhandreiros (é verdade, já existiu uma profissão com esta designação, pelo menos até finais do século xviii) juntavam os dejetos e outros lixos recolhidos de cada casa, para serem despejados em local apropriado. Facilmente compreendemos que era uma espécie do atual contentor (ou camião do lixo), mas que se destinava principalmente a recolher as fezes e a urina dos habitantes; este era um serviço prestado principalmente às famílias mais abastadas, e diz-se que os calhandreiros e as calhandreiras aproveitavam o serviço e o acesso à intimidade dos VIP da época para “dar muito à língua”, contando e bisbilhotando tudo o que se passava nas casas da gente rica. Desta forma, a expressão bem lisboeta “calhandrice” ficou imortalizada até aos dias de hoje.
10. Blicas fritas com molho de naião (Açores)
Especialidade gastronómica de São Miguel
Se for à maior ilha dos Açores, não perca a oportunidade de provar uma das melhores iguarias locais: as famosas blicas fritas com molho de naião. Aliás, os açorianos não se cansam de recomendar o prato a quem está de visita.
Se leu até aqui, ainda bem para si, porque vai, de uma vez por todas, descobrir a verdade. É que não é mentira que os açorianos as recomendam aos forasteiros, mas é tudo na brincadeira! Na realidade, o que estão a dizer é que vá a um restaurante e encomende “pénis fritos com molho de homossexual”. “Belica” (como deve escrever-se) é o membro viril do menino e poderá resultar de bélica, de “guerra” e da comparação com arma. Naião será uma caricatura para um homem com fortes tendências femininas, pois virá de naia (ou náiade), uma ninfa da mitologia.
Pronto, já sabe. Não caia na esparrela de pedir as coisas fritas em público. Com ou sem molho.
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