Polémicas à parte, a recuperação da Quinta da Bacalhoa, em Azeitão, veio pôr fim ao estado de quase ruína em que se encontrava e tornou-se num lugar aprazível para visitar. As minhas deambulações pelos jardins portugueses levaram-me lá recentemente. Confesso que ia cheia de curiosidade porque esta quinta histórica, que é mítica nos meios académicos, foi recentemente objeto de discussão pública.
Tem estado na mira sobretudo desde que adquirida pelo comendador Joe Berardo, que lhe introduziu uma série de modificações muito discutíveis, segundo os entendidos. Na verdade, a quinta passou de um estado de semirruína a uma conservação absolutamente impecável. Quer a casa, quer os jardins, estão reconstruídos, limpos e bem mantidos o que, a meu ver, é sempre preferível a um completo abandono.
A Quinta da Bacalhoa foi comprada por D. João, filho de D. João I, que aí construiu uma casa de campo. Chamava-se então Quinta de Vila Fresca de Azeitão. De D. João passou para a sua filha D. Brites, que aí introduziu vários melhoramentos. Mas é em meados do séc. XVI que a quinta adquire a forma que hoje lhe conhecemos, pela mão de D. Brás de Albuquerque, filho de D. Afonso de Albuquerque.
D. Brás de Albuquerque, homem culto e viajado, transportou para Portugal o traçado do Renascimento Italiano que ele muito admirava e a quinta de Azeitão deixa de ser um paço medieval e passa a ser o primeiro edifício renascentista em Portugal. Homem de meios, protegido por D. Manuel I, D. Brás modificou a quinta ao seu gosto, introduzindo elementos característicos do Renascimento, como a ligação entre casa e jardim, as loggias, o jardim de buxo recortado e a Casa de Fresco, com os seus temas mitológicos.
Mas foi ainda mais além. Entrosou estas características típicas do Renascimento, com uma fortíssima presença da nossa influência árabe (o tanque de águas paradas, os azulejos por toda a parte) e com a marca local, nomeadamente as vistas para Lisboa e Sintra, os mármores da Arrábida e as cúpulas gomadas da Torre de Belém. Fez da quinta um monumento à memória do pai, que considerava ter sido injustamente
desconsiderado pelos historiadores da época.
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A origem do nome
No início do séc XVII, o proprietário da quinta era Jerónimo Teles Barreto de Albuquerque, copeiro do Rei, que tinha a alcunha de Bacalhau. Quando, por sua morte, a quinta passou para as mãos da mulher passou a designar-se, até hoje, por Bacalhoa, nome mais apelativo à imaginação popular. A verdade é que durante muitos anos, a quinta ficou abandonada à destruição do tempo, sem que fosse feita uma manutenção adequada.
Esse tipo de intervenção só aconteceu já no séc. XX. Teve lugar nos anos da década de 1940, quando foi comprada por uma americana, Ornela Scoville, que procedeu à restauração deste património. Mas, pelo caminho ficaram os medalhões de Della Robbia (agora desaparecidos) e vários bustos, nomeadamente os dos doze homens ilustres que existiam ao longo do percurso para a Casa de Fresco e alguns painéis de azulejos.
Passeei pela Quinta da Bacalhoa durante um par de horas e percorri o seu jardim de buxo, o passeio até à Casa de Fresco, admirei os azulejos e segui o perímetro da quinta até à Casa da Índia, onde D. Brás organizava merendas e de onde se admiravam as vistas. Entre o jardim de buxo e o tanque da Casa de Fresco havia originalmente um laranjal, que foi arrancado. Essa foi uma das intervenções polémicas.
Esse pomar foi substituído por uma vinha. Esta decisão foge ao espírito inicial da quinta mas obedece a regras comerciais que a transformaram na sala de visitas da empresa Quinta da Bacalhoa Vinhos, reconhecida pela qualidade dos seus néctares. O meu passeio terminou num almoço, organizado na loggia, de onde se podia admirar o jardim de buxo, impecavelmente podado, sem arbustos secos ou doentes, o tanque de água ao fundo.
Todo aquele cenário transpira balanço, harmonia e equilíbrio, três características do Renascimento. Antes de me ir embora e abandonar aquele cenário deslumbrante, ainda fui folhear a monografia de Joaquim Rasteiro, publicada com o nome «Quinta e Palácio da Bacalhoa em Azeitão», que data de 1895, em exposição na sala. Há algumas modificações substanciais, claro mas, se isso é o preço da recuperação, que importa?
Texto: Vera Nobre da Costa
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