Em 2004, li na The Garden, a revista mensal da Royal Horticultural Society, que tinha sido lançado um novo fabuloso livro sobre uns famosos jardins, "The Lost Gardens of Heligan". Só a ideia do nome, os Jardins Perdidos de Heligan, foi motivo suficiente para o comprar. Ainda bem que o fiz! O livro é realmente fascinante, porque descreve em detalhe a incrível reconstrução dos jardins abandonados de uma grande propriedade, Heligan, situada na Cornualha.
Localizada no sul de Inglaterra, pertence à famíla Tremayne há 400 anos e teve o seu apogeu entre 1770 e 1914, até ao advento da I Guerra Mundial. A partir dessa altura, Heligan foi sofrendo várias vicissitudes, desde o abate de grandes árvores à utilização da casa da propriedade como hospital até 1919. Já na II Guerra Mundial, foi ocupada pelas tropas americanas, mais preocupadas com os ataques inimigos do que com a sua preservação.
Com o passar do tempo, a propriedade foi entrando progressivamente numa romântica decadência e assim permaneceu cerca de 76 anos até que, por iniciativa de Tim Smit, o visionário empresário que idealizou o Eden Project, outra das atrações populares da região, se deu início à sua restauração, em parceria com o construtor e arquiteto paisagista John Nelson, num regime de aluguer de cerca de metade da propriedade de 100 hectares aos Tremayne.
A restauração do jardim levou cerca de 14 anos e consta que, se não fosse o recurso ao investimento financeiro dos dois líderes do projeto, Heligan nunca teria saído do seu estatuto de Bela Adormecida. Felizmente, em Inglaterra estas iniciativas são compensadas e a atenção dos media para os trabalhos de recuperação levou a que, logo desde o início, os antigos e exóticos jardins de Heligan começassem a ser visitados por multidões movidas pela curiosidade.
O esforço compensou. Só em 2005, três milhões de pessoas visitaram os Jardins Perdidos de Heligan, o que a uma média de quatro libras esterlinas por pessoa, perto de cinco euros na altura, estava longe de ser um mau negócio. Atualmente, o preço ronda as 15 libras esterlinas, cerca de 18 euros, um valor que milhões pagam hoje. Tal como o Eden Project, Heligan é autossustentável e assenta a sua viabilidade no enorme poder de atração que representa.
Há uns anos, consegui, finalmente, conhecer ao vivo estes famosos jardins britânicos. A dimensão da propriedade exige um dia inteiro para se poder gozar de todos os seus recantos na plenitude. Uma máquina fotográfica ou um telemóvel com uma câmara com qualidade é outro acessório indispensável porque não há muitos locais tão mágicos como este no mundo. De jardins murados dedicados às frutas e legumes a um jardim de inspiração italiana, passando por um outro de inspiração neo-zelandeza e por estufas variadas, entre as quais uma dedicada à cultura de ananases, um jardim de flores e um surpreendente grotto, não faltam motivos de interesse.
Os mais curiosos podem ainda admirar as colmeias e a uma enorme zona a que chamam de selva. Uma coisa é certa. Os Jardins Perdidos de Heligan encantam e valem bem o desgaste dos nossos pés ao fim do dia. O trabalho de reconstrução desenvolvido ao longo das últimas décadas é notável, como só os ingleses sabem fazer. Transposto o portão de entrada da propriedade, é-se imediatamente transportado para dois séculos atrás, sem modernices nem estragações.
Os materiais são todos os originais, a traça das construções é inteiramente respeitada e, felizmente, não há sinais de plásticos ou alumínios para estragar a festa. Heligan é um exemplo magistral de bom gosto e de preservação do passado histórico. Mas, além de um percurso romântico, tem outros pontos de interesse. A área a que chamam de selva é, como não podia deixar de ser, um enorme espaço de vegetação tropical e luxuriante, tão do gosto dos britânicos, recolhida por botânicos vitorianos e apenas possível pela situação de micro-clima deste vale na zona sul desta propriedade inglesa.
Pontes reconstruídas em madeira e pavimentos muito bem recuperados tornam este passeio uma verdadeira aventura em que o sentido de orientação se torna num elemento crucial, apesar dos mapas fornecidos à entrada. Para a organização da visita, o ideal é começar por ver todos jardins murados primeiro, almoçar a meio do dia no ótimo restaurante do complexo e avançar, depois, para a selva num passeio pós-prandial que pode, facilmente, demorar duas horas.
De regresso à entrada, passa-se por prados bucólicos, por onde passeiam animais domésticos como ovelhas e patos. Até as galinhas, outra das atrações, vivem nuns galinheiros open space de tão grande dimensão que nem ficamos com pena delas. Para o fim da visita fica o fascinante Horsemoor Hide, um verdadeiro Big Brother de câmaras ocultas que vigiam a fauna da propriedade, um espetáculo imperdível para todos os que gostam de observação animal.
Algumas câmaras instaladas dentro de ninhos oferecem uma visão única, em tempo real, do comportamento de passarinhos recém-nascidos e dos seus progenitores. Os Jardins Perdidos de Heligan, localizados em Pentewan, em Saint Austell, na Cornualha, são um ponto de visita obrigatório para quem vá para o sul de Inglaterra. Mais do que isso, são um autêntico exemplo de respeito pela história e de amor da natureza. Eu dou-lhes nota máxima e aconselho a visita.
Texto: Vera Nobre da Costa
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