Esta semana estive doente, e para não pegar aos meus filhos eles foram para casa da avó. Ligava durante o dia imensas vezes e eles estavam bem, contentes e alegres. Passado dois dias, ao telefone, a primeira coisa que o João meu perguntou foi "mamã, quando vou para casa?"
Confesso que não estava a espera da pergunta, e por um micro segundo senti um nó na garganta. Respondi que voltava já no dia seguinte, e ele continuou a contar o seu dia alegremente.
Adormeci a pensar na sua pergunta. Eu sabia que ele estava bem, ele não estava triste, andava distraído, cheio de pessoas a volta, com a avó a fazer todas as mimalhices e até a comida que mais gosta. Tinha os seus brinquedos e o seu quarto, os puzzles e os legos, e até a Cuca (cão de peluche) para lhe fazer companhia durante a noite. Ele estava bem, acarinhado, bem tratado, contente, mas mesmo assim perguntou quando vinha para casa.
Curioso como sem sabermos bem como, conseguimos transformar um espaço com quatro paredes, num lar. Claro que estimo a minha casa, e tento que esteja sempre tudo bem e tudo direito, mas não fazemos nada de extraordinário.
Não vivemos num palacete mas sim num apartamento. Não temos jardins de perder a vista, mas sim idas ao parque para andar de bicicleta. Não temos paredes forradas a ouro, mas sim com fotografias do passado e do presente, dos bisavós e primos, das viagens e aniversários, férias e dias comuns. Não temos salões de baile mas por vezes pomos a música alta e dançamos os 4, os 3 ou apenas os 2. Não temos sala de cinema, mas não faltam estreias do panda, do Bob e agora do Robin Hood, onde ligamos a televisão às colunas de som e até parece que o Xerife de Nottingham nos persegue. Não temos uma galeria digna de museu, mas sim diversas obras de dois artistas pequeninos.
Temos uma sala que já festejou aniversários, alegrias, e sofás que abraçaram momentos mais difíceis. Uma cozinha branca que generosamente ensinou aprendizes a serem mini chefs e que mostrou os primeiros paladares, as primeiras texturas, e a primeira odisseia a comer sozinho. A cama dos pais, vista sempre como um refúgio quando estão doentes, tristes ou apenas cansados e querem mais miminho. O quarto de menino já crescido, com os camiões e dinossauros, as fotografias e as obras primas, os legos e os livros, a mesinha e cadeirinhas pequeninas para dar largas à imaginação. O escritório que desapareceu e ficou um quarto, com peluches e muito azul clarinho, risquinhas e coisas fofinhas e com cheirinho a bebé.
As portas que quase já entalaram alguns dedos minúsculos, os puxadores que teimam em não deixar abrir, as paredes e corredores que já assistiram a algumas corridas e até mesmo desastres de viaturas, as estantes que têm sempre coisas lá em cima ( e não cá em baixo), os quadros que a mamã não deixa (mesmo) mexer, os interruptores escondidos e os outros à vista, as cortinas que já serviram de esconderijo ou de garagem, almofadas que ampararam primeiros passinhos e tapetes que provocaram quedas.
De um espaço conseguimos fazer um lar sem sabermos bem como, copiámos os rituais dos nosso pais, por vezes acertamos, outras vezes errámos, rimos e fazemos rir, ou até choramos. Pegamos num conjunto de objetos e demos-lhe um valor sentimental, relembram um momento, uma alegria, um cheiro, uma música. Amolgadelas e riscos nas paredes que trazem consigo histórias e peripécias.
A nossa casa, o nosso lar, somos nós. Nós e as histórias vividas e contadas. Só nós, a dar o nosso melhor a fazermos o que sabemos e a aprender o que não sabemos.
Marta Andrade Maia
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