Aos 5 anos, Duarte já ia à escola e só em Dezembro completava os 6. Era o mais novo da turma, com quase menos 1 ano do que os colegas. Os pais ainda hesitaram na hora da matrícula. Sentiam que ainda não tinha maturidade suficiente, nem capacidade de aquisição de conteúdos num formato formal. Mesmo assim, aconselhados por familiares e amigos, decidiram arriscar, relativizando todas as dificuldades evidenciadas. Hoje, a poucos dias do fim do ano letivo, assumem arrependimento.
Tal como os pais temiam, Duarte ainda não tinha atingido um nível de desenvolvimento que lhe permitisse enfrentar com sucesso o desafio de iniciar o seu percurso escolar. Tinham razão... o filho precisava de mais tempo. Era uma criança que tinha dificuldade em lidar com tarefas difíceis, que não lidava bem com a pressão para ser mais rápida e despachada e ainda pouco adaptada à nova realidade. Isso refletia-se nas avaliações e os comentários da professora também indicavam dificuldades. Esse fraco desempenho escolar desencadeou outras questões que não podem nem devem ser desvalorizados: perdeu confiança, autoestima e interesse escolar. Isolou-se. Duarte sentia que não conseguia acompanhar o ritmo dos colegas.
Não é por acaso que na Finlândia, por exemplo, as crianças não vão para a escola nem aos 5 anos, nem aos 6, mas apenas aos 7 anos, garantindo, assim que, quando começam a aprender a ler, a escrever e a dar os primeiros passos na matemática, já dispõem da maturação cognitiva necessária para uma aprendizagem bem sucedida. São, regra geral, crianças mais confiantes, maduras e autónomas. É certo que começam mais tarde, mas a experiência mostra que aprendem mais depressa e que aos 10 anos já atingiram, e até superaram, o nível de conhecimento de muitos alunos que entraram bem mais cedo na escola.
No caso do Duarte e perante as suas dificuldades, impõe-se a questão: Será que o Duarte deve transitar para o segundo ano?
O tema não é, todavia, consensual. Na verdade é bastante controverso. E, assim, apesar de este ter revelado um ritmo de aprendizagem diferente, segundo as regras do ministério da educação, o Duarte acabará por transitar para o segundo ano.
Fa-lo-á, certamente, como aconteceu com outras crianças e, eventualmente, sem qualquer plano individual de acompanhamento que o ajude a suprir as competências não adquiridas. E, sem medidas de apoio adaptadas às suas necessidades, a família teme que as dificuldades de Duarte se agravem no 2º ano.
Os níveis de retenção no 1º ano são nulos em Portugal, por imposição legal. Será que faz sentido que assim continue? A retenção no 1º ano, em alguns casos específicos, não pode trazer mais benefícios do que desvantagens? Repetir o ano é uma alternativa pior do que passar sem estar preparado? Não será mais difícil para Duarte enfrentar resultados negativos em todas as fichas e trabalhos durante o ano letivo subsequente em vez de ficar retido? O que pesará mais em termos da própria autoestima?
Na maior parte dos países da OCDE, a repetência é uma prática restrita e apenas aplicada nos anos mais avançados de escolaridade. Identificam-se, nestes casos, consequências negativas tanto para a realização escolar dos alunos, como para o próprio sistema de ensino.
Investigações nacionais e internacionais referem a retenção como uma medida ineficaz. Consideram que as crianças retidas numa idade precoce apresentam autoconceitos diminuídos e desenvolvem atitudes negativas perante a escola. Defendem que não contribui para a recuperação da aprendizagem.
A Unesco, por exemplo, publicou um documento em 2015, segundo o qual a reprovação do aluno pode provocar “problemas de estigmatização e motivação”. Ou seja, deve ser encarada como um último recurso.
Não há, todavia, uma regra, lembram os especialistas. Cada criança é única. Cada caso é um caso e deve ser avaliado de forma individual. Nunca esquecer, por exemplo que, como lembram alguns professores, muitas crianças sem dificuldades de aprendizagem não conseguem obter aproveitamento escolar por questões por vezes associadas a falta de apoio familiar e a dificuldades financeiras. E essa desigualdade socioeconómica não merece ser castigada pelo sistema de ensino através das retenções. Seria, neste caso, prejudicar, dizem, as crianças vindas de meios mais desfavorecidos.
Por outro lado, todos os anos, mais de dez mil alunos acabam por reprovar no segundo ano de escolaridade, por volta dos 7 anos de idade. Para diminuir estes números, o diagnóstico e a intervenção precoce são fundamentais, sobretudo logo quando surgem os primeiros sinais de dificuldades de aprendizagem, o que pode mesmo acontecer já desde o ensino pré-escolar.
Existem assim outras respostas, que visam criar uma alternativa à retenção, desenvolvendo um trabalho de "recuperação" que permita superar as dificuldades de aprendizagem dos alunos. Em primeiro lugar, surge o despiste e o diagnóstico precoce. Em segundo, pretende-se dar mais tempo para a aprendizagem através da otimização e da reeducação de competências, proporcionando também uma maior diversificação dos meios e procedimentos didáticos e pedagógicos, através de um acompanhamento individualizado, dentro ou fora da escola, para responder às dificuldades específicas de cada criança.
De facto, pensando que o objetivo da retenção escolar é permitir que os alunos se situem num nível de aprendizagem mais próximo do seu, é fundamental que também se considerem os possíveis efeitos negativos quer ao nível emocional, quer ao nível comportamental.
Artigo publicado por SEI - CENTRO DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM
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