Os bebés não são todos iguais. Nem são todos bonitos, sem são todos precisamente com os contornos que sonhámos. E de facto, há bebés de temperamento mais fácil, mas flexível e outros bebés mais intensos, que requerem uma estratégia mais acentuada para conseguir regulá-los e controlar o choro.
Pela cabeça de todas as mães já passou a check list das causas de choro do bebé. “Será fome?” check, “será sono?” Check, “será que precisa de arrotar?” Check, “será que está com refluxo?” Check, “será que tem calor?” Check, “será que tem frio?” Check, “será que tem a fralda suja?” Check, “será que tem cólicas?” Check, “será que tem dor?” Check… A lista parece infindável, mas a verdade é que algum tempo depois do bebé nascer, mães e pais já percorrem esta lista rapida e eficazmente.
No entanto, mesmo após a exclusão de partes, há de facto bebés que continuam a chorar: por falta de colo, por falta de regulação, por sentirem que a transição para o mundo extra-uterino está a ser difícil ou simplesmente porque se sentem sozinhos.
A verdade é que nenhum bebé sabe existir sozinho. O bebé é e sempre será um ser humano em relação. E o bebé humano existe e interage com o mundo através da sua mãe. Claro que se houver alguma coisa que impossibilite a presença da mãe biológica, outro ser humano pode rapidamente ocupar esse lugar. Mas existem sempre vários caminhos para chegar ao nosso destino. A mãe biológica é a via rápida sem portagens.
Então, como é que há bebés tão calmos, que choram 20 a 60 minutos por dia (o somatório de todos os choros ao longo de 24h) e há bebés que choram 5 a 6 horas por dia? E aqui há tanto para dizer, como há teorias confabulatórias. Ninguém sabe ao certo e sendo uma ciência inexata, entramos no terreno pantanoso das suposições. Será porque há um temperamento inato a cada bebé? Será que há um determinismo genético que dita que 15% dos bebés choram incansavelmente? Será que os bebés expressam a realidade que conheceram no útero materno? Será que o bebé expressa aquilo que a mãe não sabe, não consegue, não quer expressar? Não me interpretem mal, mas a verdade é que a jornada da maternidade é mesmo muito dura e é um enorme salto de fé para a mulher atual, com o papel importante que tem na sociedade e no mercado de trabalho.
Existe uma famosa autora argentina, Paula Gutman, que fala precisamente disto: a maternidade não é mais do que o encontro com a própria sombra; que a maternidade faz surgir muitos fantasmas que cuidadosamente, ao longo dos anos, fomos encerrando na nossa caixa de pandora. O fantasma da menina que fomos, da filha que fomos, da amiga que fomos, da amante que fomos. Tantos fantasmas, tantas faces refletidas como se nos olhássemos de frente a um espelho quebrado. Não é por acaso que a personalidade da mulher que se transforma em mãe sofre a sua maior crise de identidade. E no meio disto tudo, não deixa de haver um bebé que chora.
Porque mesmo entre nós, somos cruéis… "Não querias ter uma criança? Agora, aguenta! Pensavas o quê? Que era fácil?". Pois, não pensávamos que fosse fácil, mas nunca pensámos que fosse tão difícil.
E depois, se temos um bebé calmo, a jornada faz-se com alguma dificuldade, mas faz-se! Mas se temos um bebé exigente, daqueles que muda de sinal verde para vermelho sem passar pelo amarelo, então si, podemos ter um problema.
E quem não tenha embalado um bebé com um bocadinho mais de força do que necessário que atire a primeira pedra, porque há momentos que, na noite mais escura de todas, nós só queremos que o bebé pare de chorar.
E é justamente nestes momentos que o risco de abanarmos o nosso bebé é maior! Quando o cansaço ultrapassa o bom senso, quando só desejamos um minuto de silêncio para poder baixar os braços, quando já só pensamos quando vamos poder fugir de casa sem que ninguém nos acuse de ser má mãe...
O síndrome do bebé abanado é uma forma conhecida de maus-tratos, mais provável entre homens que mulheres cuidadoras, sobretudo em contexto de violência familiar, carência económica, abuso de substâncias, mas também em agregados com necessidade de um profundo reajuste de expectativas ou no caso de um único cuidador, principalmente se jovem ou famílias monoparentais.
O bebé, numa tentativa de ser consolado e parar de chorar, é abanado violentamente de tal forma que o conteúdo encefálico oscila e sofre traumatismo dentro da calote craniana. Daqui resultam hemorragias cerebrais difusas e um inchaço progressivo. Paradoxalmente, o bebé pode ficar cada vez mais irritado, com choro progressivamente mais gritado ou ficar obnubilado, difícil de despertar. Estas lesões são frequentemente irreversíveis e podem gerar sequelas.
Uma das estratégia mais consensuais de prevenção do síndrome do bebé abanado é disponibilizar um apoio permanente, mesmo que por via telefónica, ao cuidador direto do bebé. Quando o adulto atinge o seu limite de cuidados, mediante um bebé que chora ininterruptamente, mais vale colocar o bebé num local seguro e afastar-se: é melhor um bebé que chora do que um bebé abanado.
Porque não tenham dúvidas, ser mãe de um bebé é difícil, ser mãe de um bebé que só chora é bem capaz de ser impossível.
Um artigo da médica pediatra Joana Martins.
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