“As CPCJ a intervir pode acontecer em procedimentos de urgência, quando estamos perante crianças não acompanhadas num procedimento de urgência, porque de resto é sempre o Ministério Público. Porquê? Porque a intervenção das CPCJ faz-se sempre com o consentimento da família, dos pais ou quem tem as responsabilidades parentais, os legais representantes, ora se não existem tem de ser através do Ministério Público, não pode ser através das CPCJ”, afirmou à Lusa a presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), Rosário Farmhouse.

Tal como já acontece para todos residentes em Portugal, as 311 CPCJ do país podem atuar no caso de situações de crianças vítimas de maus tratos nas famílias que chegam da Ucrânia, indicou a responsável da Comissão Nacional.

“O facto de vir da Ucrânia, se estiver com os pais, não tem de ter necessariamente um processo de promoção e proteção, porque vêm da Ucrânia, está com os pais, está em família, está enquadrada, é claro que tem traumas, mas não há intervenção das CPCJ”, ressalvou Rosário Farmhouse, considerando que as crianças com famílias “à partida não tem de estar necessariamente em perigo”.

“Se imaginemos que desconfia que pode haver ali uma situação de eventual tráfico, então [a CPCJ] aciona todos os mecanismos de proteção da criança, mas cada caso é mesmo um caso e tem de ser visto pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que analisa a documentação e que valida isso e, depois, pelo Ministério Público”, avançou a presidente da CNPDPCJ.

Relativamente à fiscalização do acolhimento de crianças não acompanhadas, “as CPCJ não fazem de certeza, porque nem sabem”, disse, acrescentando que quando há um pedido de proteção internacional “o SEF vai tentar saber qual é a relação que existe entre aquelas crianças e aqueles adultos” e tem de comunicar a situação ao Ministério Público.

“Aqui a nossa preocupação maior é mesmo, do ponto de vista da Comissão Nacional, com as crianças e, se estiverem com famílias e se estiverem protegidas, não tem qualquer problema. As crianças não acompanhadas temos esta preocupação de saber onde estão e como estão”, frisou.

Sobre as condições físicas e psicológicas em que chegam a Portugal, Rosário Farmhouse explicou que “depende muito de cada caso e da zona de onde vem da Ucrânia, houve crianças que conseguiram fugir de cidades que ainda não estavam a ser bombardeadas, portanto preventivamente, outras fugiram já debaixo de bombardeamento e isso traz diferenças naquilo que podem ser as marcas”.

As características pessoais de cada uma também pesam: “há crianças que expressam mais facilmente alguns traumas, outras aparentemente não e, depois, podem vir mais tarde a refletir esses traumas”.

“O que temos sentido nos contactos que temos tido? Os adultos têm mais dificuldade do que as crianças, os adultos precisam de mais tempo, as crianças ainda por cima se estiveram em contacto com outras crianças mais facilmente se integram e aparentemente parece que já nem se recordam muito bem do que é que se passou por lá”, contou a presidente da Comissão Nacional.

Apesar disso, exemplificou que ao ouvir a sirene dos bombeiros ou a ver um avião a passar baixo podem “criar comportamentos de susto ou trauma”.

Os adultos vindos da Ucrânia precisam de mais tempo, porque também têm mais noção da realidade e do que pode estar em jogo, “de poderem voltar ou poderem nunca voltar” ao país de origem, enquanto “as crianças, muitas delas, reagem como se tivessem vindo de férias ou às vezes a informação que também lhes chega, através dos pais, é um bocadinho: ‘agora vamos para ali depois já voltamos”, portanto não têm tanta noção do impacto que a vinda para cá pode ter nas vidas delas”, explicou.

Relativamente à integração destas crianças, Rosário Farmhouse realçou que as escolas têm indicação para apostar na língua portuguesa enquanto língua não materna, pelo que “estão a fazer todas um esforço” nesse sentido, em que algumas já tinham essa experiência, porque já têm muitos alunos estrangeiros, mas outras não.

Segundo Rosário Farmhouse, a Ordem dos Psicólogos está a tratar de criar um apoio aos psicólogos das escolas para a abordagem temas como a guerra, quer com as crianças que já cá residem, portuguesas ou residentes, quer com as crianças que chegam.

Esse apoio está a ser preparado tendo em consideração que as crianças vindas da Ucrânia só falam ucraniano ou russo e não falam inglês.

A responsável reconheceu que “não é tão fácil assim” o apoio destas crianças que possam vir a precisar de acompanhamento psicológico, porque é preciso alguém que possa traduzir.

“Está a ser previsto tudo isso, para uma integração melhor possível, portanto escola, saúde, a partir do momento em que têm proteção temporária têm logo acesso a todos os outros direitos e estamos a fazer todos os esforços para que seja uma integração plena, sabendo que é um fluxo muito rápido e que não é fácil de medir, nem saber quando é que chegam e quantos chegam, mas estão a ser feitos todos os esforços feitos para ter a melhor resposta”, sublinhou.

A Rússia lançou a 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já causou pelo menos 564 mortos e mais de 982 feridos entre a população civil e provocou a fuga de cerca de 4,5 milhões de pessoas, entre as quais 2,5 milhões para os países vizinhos, segundo os mais recentes dados da ONU.