Imagine que, enquanto lia este artigo, o seu campo visual detetava uma enorme aranha. Independentemente do quão interessante fosse este artigo, a sua atenção focar-se-ia imediatamente na aranha – a este sistema chamamos de atenção reativa.
Esta “resposta de orientação” é um processo automático e instintivo e ajuda-nos a focar a atenção, quando algo está em movimento ou quando algo novo ou inesperado aparece no nosso campo de visão. Esta resposta inata é essencial para a nossa sobrevivência porque, para nos mantermos seguros, precisamos reagir rapidamente a possíveis ameaças.
Além desta resposta atencional, temos um outro sistema, de atenção focada, que é usado quando decidimos prestar atenção a uma determinada informação, enquanto ignoramos outra. A atenção focada também inclui a atenção sustentada, permitindo-nos manter esse tipo de foco por um determinado período de tempo. Ao contrário da atenção reativa, a atenção focada não é automática e só se desenvolve com prática.
A atenção focada pode exigir mais ou menos esforço para crianças diferentes. Isso faz parte da neurodiversidade que nos torna únicos. Não importa qual é nossa linha de base, a atenção focada pode melhorar com a prática.
Distrações digitais – um desafio à nossa atenção
A utilização constante dos nossos dispositivos eletrónicos não nos dá muitas oportunidades de focar a nossa atenção numa única tarefa, a menos que os configuremos dessa maneira. Eles são programados para obterem e manterem a nossa atenção. Quantas vezes começamos a ver um vídeo sobre assunto qualquer e meia hora depois já nos distraímos com outras coisas? Rapidamente nos envolvemos numa cadeia de atividades não relacionadas, à medida que o nosso cérebro procura outras formas de recompensa. Por vezes, até pode acontecer pegarmos no telemóvel para enviarmos uma mensagem a alguém e, de repente, apareceu uma notificação que vamos prestar atenção e que nos faz esquecer da razão que nos levou a pegar no telemóvel em primeiro lugar. Facilmente nos distraímos e voltar à tarefa original leva mais tempo e requer mais esforço.
Com as crianças e adolescentes acontece o mesmo. Uma vez que a tecnologia oferece muitos ganchos para nosso sistema de atenção reativa, é preciso muito mais esforço para praticar a atenção focada. A solução não é privar as crianças e enfiá-las num quarto monocromático e enfadonho. É importante entender que a atenção focada é um ingrediente necessário para a reflexão, a síntese e a análise crítica. Isso ajuda-nos a fazer escolhas críticas sobre o que é valioso e digno de atenção (seleção de estímulos aos quais vamos dedicar mais recursos atencionais).
Dicas para aplicar com as suas crianças
- Fale sobre a economia da atenção. As crianças devem aprender que a tecnologia e a imersão virtual não são apenas construídas para conectar pessoas; também é construída para atrair nossa atenção e vender. Isso é especialmente importante, pois o tempo, a atenção e os dados dos nossos filhos estão no centro do que faz a indústria de tecnologia expandir. Então é necessário programar os aparelhos por forma a canalizar e até restringir as fontes de informação.
- Incentive a monotarefa. Tarefa única não significa pedir às crianças que usem a atenção concentrada por horas a fio. Significa não colocar distrações digitais durante, por exemplo, o tempo de estudo. Silenciar notificações ou até mesmo desligar o telemóvel, ou colocar filtro de navegação durante o estudo (caso seja necessário fazer pesquisas, mas impedir as tais distrações digitais e os gatilhos de atenção reativa).
- Respeite a neurodiversidade. Para algumas crianças, focar a atenção pode exigir muito mais esforço (e tempo) do que para outras, simplesmente por causa de como seus cérebros estão conectados. Culpar a capacidade de uma criança de se concentrar ou usar a tecnologia como bode expiatório não é solução. Se a criança tiver perturbação de hiperatividade/défice de atenção, por exemplo, os sistemas de recompensa que apoiam a atenção focada provavelmente são diferentes. Entender isso permite-lhe fornecer suporte ainda mais ajustado.
- Procure ajuda profissional, caso sinta que as suas crianças ou você próprio(a) necessitem de estratégias adequadas de treino atencional, personalizadas às necessidades de cada um. Num mundo em que as pessoas estão mais concentradas a olhar para um ecrã do que propriamente a viverem as suas vidas, as prioridades sofrem alterações e as consequências dessas alterações podem ter um preço alto a pagar: a sua saúde mental.
Um artigo da psicóloga clínica Laura Alho, da MIND - Psicologia Clínica e Forense.
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