De há uns anos para cá os pais, ou quem está por perto, confirmam ou preanunciam secas por dá cá aquela palha: “Fazer isso não, é uma seca para os miúdos; não o levo comigo, ele vai achar uma seca; então fiha foi bom ou foi uma seca?; gostaste ou foi uma seca? grande seca estás a dar aos miúdos” e por aí fora.

Parece que o maior ou menor prazer ou desprazer, desafio, descoberta, ou antes, parece que as vivências das crianças se podem avaliar em função do nível de seca que a criança eventualmente poderá sentir previamente configurado e preanunciado pela projeção que o adulto faz da coisa.

Confesso que me parece uma visão estranha num tempo em que se acha que as crianças têm imensa liberdade. É um estranho conceito de liberdade, parece-me bem mais cercear a liberdade de estar, ir, observar, experimentar, participar, sentir, não fazer nada…do que dar liberdade.

Cada um de nós pode encontrar exemplos sem conta para ilustrar esta ideia. Ainda que a criança tenha manifestado o desejo de ir com os pais ao supermercado, por exemplo, já se está a dizer “oh filho vamos demorar, há filas na caixa, hoje não temos pressa, vais achar uma seca”. Mas porquê? Ir ao supermercado não é para crianças? Como não é? É lá que se vai comprar a comidinha e tanta coisa de que a criança usufrui diariamente; onde há uma imensidão de produtos que levam por vezes a procurar informação, a fazer escolhas, a tomar decisões, a fazer contas, a estabelecer prioridades. Aprendizagens essenciais que fazem parte do mundo real em que vivemos.

A preocupação de evitar as ditas secas é uma constante e eu atrevo-me a dizer que talvez seja para fugir delas que vemos tão poucas crianças na rua. Será uma seca andar a pé, caminhar na rua? Nem tanto ao mar nem tanto à terra!

Há um evidente paradoxo. A criança parece estar impedida de não fazer nada, tem sempre de estar a fazer algo previamente determinado e como se não bastasse a fazer algo que supostamente não seja uma seca. A tendência tem sido ocupar a vida da criança com um sem número de coisas. Em tempo de aulas de uma natureza, em tempo de férias doutra, mas ocupada. Como se o mundo fosse a preto e branco, um mundo bom ou um mundo de seca. O que está longe de ser verdade. Parece que a criança não pode viver momentos não programados, fazer escolhas, decidir, ter o direito de sentir por si, estar de papo para o ar e descobrir-se nesse tédio… Até mesmo os chamados ATLs, cada vez em maior número, fazem uma agenda de atividades em que as crianças não têm parança.

Que grande SECA!

Maria de Lurdes Monteiro

A escola nao é tudo mas quase