É verdade, nunca perdi muito tempo a pensar na maternidade. Sabia que, um dia, ela me bateria à porta, pelo que dediquei a maior parte dos meus anos de “não-mãe” a aproveitar precisamente os tempos em que tudo ainda podia ser fácil.

Lembro-me de, numa noite quente de verão, eu estar a sair de casa dos meus pais (aquela que sentirei sempre como minha) e de, ao despedir-me para mais uma noite de danças e amigos, a minha mãe me ter dito:
- Aproveita bem a vida enquanto podes. Quando tiveres filhos, tudo muda.

Na altura, eu tinha menos 15 anos, menos cinco quilos e muitos menos cabelos brancos que hoje. Mas lembro-me perfeitamente que aquelas palavras me ficaram a ecoar no mais recôndito espaço da minha consciência. Segui caminho sempre a pensar que, se calhar, não teria realmente muito mais tempo para viver aquela vida simples e independente. Mal sabendo eu que, cerca de um ano depois, já teria um filho nos braços.

Talvez tenha sido por isso que nunca programei quem seria como mãe. Nunca me imaginei rodeada de filhos, nunca projetei criancinhas capa-de-revista, nunca as imaginei lindas, limpas e éticas a cumprimentar toda a gente com dois beijos no rosto e a pedir “com licença” com um sorriso nos lábios. Tal como, claro está, nunca imaginei o reverso da medalha: as noites diabólicas, as doenças dominó, a paciência que, por vezes, parece sugar-nos a vida.

Mas talvez tenha sido precisamente nesta “inconsciência consciente” que a maternidade e a vida me surpreenderam. Não ter criado expectativas fez com que o ser mãe tivesse sido (e continue a ser) a mais incrível e desafiante experiência que tive até hoje.

No próximo sábado cumpro14 anos de maternidade. Mas, mais importante do que isso, cumpro 14 anos de um conhecimento pleno do que é o amor – aquele amor que nenhum homem consegue igualar. Que tem uma magnitude indescritível, que se torna sôfrego, que tem tanto de emocional como de carnal, de tanto que sentimos os filhos como parte da nossa pele.

No próximo sábado, a minha primeira filha vai fazer 14 anos. Catorze. Olho para ela, tão igual a mim, mais tão mais perfeita naquele estilo de skater que me pergunto se alguma vez vai perder. Tão boa pessoa, tão esverdeada na alma como nos olhos. Tão grande. Tão mulher. Com esforço, descubro-lhe ainda os ares de menina que parecem já ter sumido, a vozinha fina que me suplicava por colo, as mãozinhas rechonchudas com que me amparava o rosto sempre que me pedia um beijo.

Esta Mafalda-menina não existe mais. Hoje, partilho a vida, a casa e a alma com uma adolescente que parece insinuar uma futura mulher excecional. Não são as notas, não é a forma como me ajuda em casa, nem são as vezes em que me ouve como uma mulher crescida que a fazem especial. É antes a sua obstinação pelo que está certo, os seus princípios de justiça, o seu sentido de humor apuradíssimo, os seus votos incessantes pela igualdade dos géneros, a forma como se impõe na vida, o modo como me mostra como seria bom eu também ter assim sido na sua idade.

Penso muitas vezes que esta “minha mulher” um dia vai ser a mulher de alguém. E tenho a certeza, convicta e absoluta, de que o homem que a tiver (o último de todos, aquele que a souber não perder) vai ganhar a lotaria. A da vida, do amor e da felicidade.

Nunca perdi, de facto, muito tempo a pensar na maternidade. E ainda bem, porque esta minha filha me abriu as portas a uma maternidade em que não é preciso pensar. Em que basta sentir.

[parabéns, Mafalda, minha cara-metade. Um beijo daqueles, só nossos.]

Alda Benamor