Bernardo está desiludido. Os pais também. Confirmaram-se as piores previsões: ficou retido no 7º ano, ficando assim, ao contrário dos colegas, obrigado a voltar à "casa de partida" e a começar tudo de novo. Ter de repetir todas as disciplinas e matérias com as quais teve de lidar, sem sucesso, durante o ano recentemente terminado, é algo particularmente penoso para Bernardo, tendo em conta, sobretudo, que se afastará dos amigos de referência.

Uma das questões que muitos pais se colocam quando um filho reprova é se chumbar o ano é “castigo” suficiente ou deverá a criança/jovem que ficou retida sofrer outras consequências, por exemplo, ficando privada, nestes quase 3 meses de férias de verão, das atividades de que mais gosta?

Vítor Cruz, docente da Faculdade de Motricidade Humana e consultor em Dificuldades de Aprendizagem no SEI, Centro de Desenvolvimento e Aprendizagem, defende que "não existe uma resposta única e definitiva para esta questão, pelo que cada situação terá que ser avaliada de modo particular. Se é verdade que alguns alunos conseguem modificar o seu comportamento para evitar castigos, também é verdade que certos alunos, aqueles cuja origem do problema é biológica, não o podem fazer por muito que se esforcem. Por exemplo, do mesmo modo que um aluno cego não consegue deixar de o ser para evitar um castigo, também uma criança com Dislexia não consegue aprender a ler melhor apenas para evitar castigos. Pior ainda, se o que é retirado ao aluno for alguma coisa que o faz sentir bem consigo próprio, além da experiência negativa associada ao sentimento de falha, ainda lhe é retirada uma experiência positiva que lhe poderá trazer alguma autoestima."

Muitos alunos que reprovam desenvolvem uma perda de autoestima. Não raras vezes manifestam sentimentos de culpa. Agrava-se o sentimento de incapacidade. Sentem que não vão conseguir ser bem sucedidos na escola e perdem toda a confiança.  Vítor Cruz lembra que "essa deverá ser uma preocupação sempre presente. No entanto, também é necessário que não se caia no facilitismo e na superproteção. De facto, se é errado ser demasiado exigente com o aluno, particularmente quando ele já se está a esforçar, também o é ser demasiado permissivo ou protetor, especialmente se este não se estiver a esforçar."

Lidar com a reprovação de um filho é uma das situações mais desgastantes para os pais. Nestas ocasiões é preciso questionar a origem do problema, perceber a que se devem afinal as fracas classificações durante o ano letivo? Por vezes os pais só no final do ano, lentamente, despertam para esta realidade, tendo ignorado sucessivamente todos os sinais de dificuldade que o filho ia dando durante os 3 períodos letivos. Podem questionar-se se o insucesso terá sido apenas derivado da ausência de um método eficaz de estudo, da falta de organização ou se o problema do seu filho é algo mais complexo e nem sequer foi alvo de um diagnóstico.

"Os maus resultados escolares podem ser produto de dificuldades de aprendizagem não diagnosticadas. É possível que não sejam identificadas precocemente, para que seja feita a intervenção adequada. Seja por desconhecimento, por falta de atenção ou por negligência, por vezes há alunos que seguem um percurso escolar cheio de dificuldades, podendo mesmo desistir de o realizar, quando, por outro lado, um diagnóstico atempado, seguido de uma intervenção ajustada, poderia minimizar muitas dessas dificuldades" refere Vítor Cruz.

Os maus resultados escolares também se podem dever a falta de empenho por parte do aluno. Há crianças com um fraco desempenho escolar, não por falta de capacidade intelectual, mas por se esforçarem pouco. Mas a verdade é que ninguém nasce preguiçoso. "Quando existem maus resultados escolares, eles podem ter uma causa principal associada ao próprio aluno, relacionada, por sua vez, ao contexto daquele ou a ambos. Ou seja, o aluno pode ter alterações intrínsecas a ele (Dislexia, Autismo…) que o impedem de aprender como a maior parte dos seus pares, mas, por outro lado, contextos familiares e/ou escolares adversos também podem impedir um adequado desenvolvimento das aptidões necessárias para a aprendizagem. No entanto, porque o desenvolvimento e a aprendizagem ocorrem em contexto social, a maior parte das vezes a origem dos maus resultados escolares depende tanto do aluno como do contexto. Deste modo, é preciso perceber, por exemplo, porque é que o aluno tem "preguiça" e se é mesmo preguiça ou um "evitamento" porque já experienciou muitos insucessos, bem como perceber se alguma vez alguém o "ensinou" a estudar."

O que os pais devem então fazer? "As soluções serão diferentes em função do problema, bem como da origem do problema. Assim, se os pais não souberem a resposta para estas questões, então, antes de procurar o que fazer, o melhor é recorrerem a especialistas para identificarem o que se está efetivamente a passar. De qualquer modo, não podemos deixar de referir que, em qualquer dos casos, os fatores motivacionais e emocionais são determinantes para que haja resultados. Como diz Augusto Cury “Primeiro devemos conquistar o território da emoção, para depois conquistar os terrenos da razão”.

Conselhos para lidar com a reprovação

1. Procure ver o lado positivo da reprovação. Ao contrário do que possa parecer, a "retenção" do aluno também pode ter aspetos positivos. É uma oportunidade para resgatar conteúdos não aprendidos, permitindo à criança recuperar a autoestima. Confie, não castigue.

2. Não contribua para diminuir mais ainda a confiança do aluno. Controle ao máximo as suas emoções. Não ofenda, nem grite. Converse, não repreenda. A desilusão da família pode ser difícil de gerir, tal como as emoções, mas as agressões físicas ou psicológicas só contribuem para agravar ainda mais a situação. Procure manter um diálogo construtivo apelando às coisas positivas que foram alcançadas durante o ano letivo. Os pais precisam ser o alicerce para a superação da "retenção". Seja, todavia, firme, nunca abdicando de responsabilizar a criança de melhorar o seu rendimento escolar.

3. Altere as más práticas. Se o método de estudo não resultou há que o mudar. Converse com o seu filho e encontre um novo plano de estudo mais eficaz, preferencialmente através do uso das novas tecnologias, tão do agrado dos mais jovens. Seja mais presente de forma a que o jovem se sinta encorajado a estudar. A criança nunca fracassa sozinha. É importante que consiga identificar onde errou e as principais dificuldades que sentiu ao longo do ano lectivo.

4. Ensine a criança a aprender a lidar com a frustação. O sentimento de fracasso é, muitas vezes, algo novo para a criança.

5. Avalie uma possível mudança de escola, caso chegue à conclusão que existem outras instituições de ensino que melhor correspondem ao perfil do aluno e que consigam dar uma melhor resposta às suas necessidades.

Artigo publicado por SEI - CENTRO DE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM