Numa época em que os telemóveis parecem se ter tornado a nossa melhor ferramenta portátil, muitos agora com uma Siri com voz, ainda pouco sexy, que parece esforçar-se para corresponder aos nossos desejos.
Vale a pena colocarmos a questão: será que o uso do telemóvel tem perigos quando trazido para o espaço a dois da relação amorosa?
É indiscutível que os telemóveis nos permitem estar “perto” de quem amamos, encurtando distâncias no namoro, na família e nas amizades. A troca de mensagens, audios, fotografias, musicas e memes, tornou-se um quotidiano à distância de dois ou três toques leves, num ecrâ de meia dúzia de polegadas. O telemóvel assumiu, um tal protagonismo, que hoje quando saímos de casa e nos esquecemos dele, sentimos uma sensação de ausência.
Neste último ano, o telemóvel ganhou ainda mais protagonismo, juntamente com os seus primos, portáteis e tablets. Um ano de teletrabalho, tele estudo, tele reuniões, teleconsultas, um ano na linguagem do marketing politico, “Estamos On”.
O “estarmos On” por vezes criam verdadeiros tsunamis de realidade externa
As vídeo chamadas, o WhatsApp e o Facetime, que entram por nossa casa a dentro, trazendo a cavalo, a família, os amigos e toda gente, para uma festa sem convite, são um bom exemplo.
Agora até mesmo as sogras, utilizam esta tecnologia de ponta, para matar o romance. – Olá filha, como estás ? Então o menino já comeu a sopa? Mostra-me a carinha dele. Que lindo! E esse barulho é o quê, é o Francisco a ressonar? Valha-me Deus! Como é que aguentas? Depois de um tsunami destes, qual é o homem que consegue estar “on”? Não sabemos.
Há também os tsunamis dos amigos. – Olá Francisco já viste isto? Granda esplanada! Eh pá, não queres vir cá ter, já vi que a Susana está entretida! É óbvio que a Susana, não pediu para ser filmada a fazer as suas coisas, no seu espaço privado.
É este “on” afrodisíaco? Tememos que não. Este “On” pode mesmo ser um enorme “Off” no erotismo e no desejo.
Não há nada de menos sensual, que um casal deitado na cama, preso às redes sociais. Estarmos sempre ligados, prendo-nos ao exterior e afasta-nos do espaço de intimidade. O mundo exterior, parece que arranjou formas de se infiltrar em todas as fissuras e micro espaços da relação. Parece que há sempre um bip, um tlim, um micro som, a dizer: - recebeu uma mensagem, - atenção não estão sozinhos! Nem mesmo na cama!
O que nos preocupa enquanto terapeutas de casal, é o fim de um jogo de sombras e de limites que protegem o espaço erótico. Há um pudor que foi perdido: um bater à porta, um com licença para entrar, um olhar atrevido quando se adiciona mais uma pessoa na cama. O jogo do espaço a dois, foi devassado, por uma sensualidade que parece agora acarinhar o ecrã táctil do telemóvel, mais do que a pele do amante. A sensualidade, parece concentrar-se agora na janela, que nos abre ao mundo e nas formas como esta janela, vai mudando as suas texturas sociais, por “likes”, “dislikes” ou através de uma imensidão orgásmica de emojis.
Em contexto de terapia de casal não é raro ouvir: - Ela não larga o telemóvel, está sempre a ver o Instagram e sempre atenta aos mil grupos do WhatsApp. - Ele está ser a ver videos de desporto. Frases que revelam a ausência, quando alguém está fisicamente presente, mas ausente do espaço da relação. É este estar “off” da relação, este olhar desviado, que naturalmente vai correndo o espaço a dois.
Parece-nos que é importante recuperar um espaço, impermeável aos telemóveis, um lugar no qual a presença a dois, seja mesmo a dois. Um espaço que possa contrastar com os universos individuais de cada membro do casal. Esta afirmação da proteção do espaço a dois, não deve ser interpretada enquanto desvalorização do espaço individual de cada membro do casal, mas sim como valorização de um espaço complementar de encontro.
A construção de uma fronteira entre o espaço de intimidade, o espaço individual e os espaços mais públicos, parece-nos essencial para a qualidade da relação e para a proteção do desejo erótico.
Face ao exposto estamos convencidos, que é necessário criar com urgência, uma etiqueta para utilização de telemóveis, numa relação amorosa. Um código de bons costumes, possivelmente à medida de cada casal, que reponha os limites do espaço a dois e o sabor intenso da presença.
Segue a nossa receita pouco diretiva:
- Fazer uma reflexão acerca do uso do telemóvel e como isso pode ser interpretado como um estamos “off” para a relação. Um copo de vinho pode ajudar à reflexão!
- Partilharem as necessidades individuais e as expectativas que cada um tem face ao uso do telemóvel. Importante ser honesto!
- Delimitarem perímetros / zonas para o uso do telemóvel. O telemóvel pode ou não pode ir para a cama? Ajuda pensar quantos queremos na cama!
- Decidirem em que momentos é que o telemóvel não poderá estar. Será que o telemóvel pode ir para a mesa? Ajuda pensar se o jantar é ou não é a dois!
- Faz sentido delimitar regras sobre as video chamadas. Cuidados com os convidados sem convite!
Por fim, talvez fosse importante trazer este tema para um lugar onde as criticas possam ser substituídas por reflexões e construção de soluções conjuntas onde o espaço a dois seja preservado.
Texto: Teresa Carvalho e Pedro Vaz Santos, psicólogos clínicos
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