Cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo já utilizaram o Tinder, uma aplicação para telemóvel criada em 2012. Conhecer outras pessoas é essencialmente o que as motiva, embora o fim possa ser variável. Ter um relacionamento (sério ou superficial), conseguir um encontro de uma noite ou, simplesmente, encontrar alguém com quem conversar, um amigo. Há todo o tipo de gente nas aplicações de encontros. Na verdade, tal como no mundo real.
A diferença? Em vez de pessoas de corpo inteiro, uma maneira de falar e de ser, aquilo que vê é uma fotografia. Dados como a idade do parceiro pretendido, o local onde vive ou a profissão servem para uma primeira triagem. Depois, o filtro é seu. Se a aparência lhe agradar, pode sinalizar esse interesse. Se, do outro lado, houver correspondência, o match permite o contacto entre os dois.
O que se segue pode ser mais ou menos parecido com as histórias de antigamente. Na maioria das vezes ou continuam a conhecer-se através da aplicação trocando mensagens no telemóvel ou arriscam um encontro no mundo real. Em entrevista a Luís Gonçalves, psicólogo clínico e psicoterapeuta, analisamos os prós e contras desta nova geração de cupidos.
O que explica o facto, de hoje em dia, as pessoas procurarem relacionamentos no mundo virtual?
Vivemos num mundo muito acelerado e é cada vez mais difícil conhecer pessoas. As aplicações de encontros surgiram precisamente para responder a essa necessidade. Para quem tem uma vida muito ocupada, está sempre a viajar ou tem uma agenda imprevisível, as aplicações podem ser uma forma de conhecer pessoas. Através de alguns parâmetros permitem aos utilizadores fazer uma seleção, encontrar alguém que seja compatível e perceber mais rapidamente se são correspondidos.
Qual é o perfil de quem procura este tipo de apps?
São pessoas que não têm a vida social que gostariam ou que, por exemplo, estiveram muito tempo ausentes e que encontram nestas apps uma forma alternativa de se ligarem ao mundo exterior e de conhecer pessoas. Há também quem utilize este tipo de aplicações por estar desencantado com o contacto presencial, por nos últimos tempos não ter tido sorte…
De que forma o conceito de amor à primeira vista é transformado quando o primeiro contacto é feito de forma virtual, à distância?
O amor é uma coisa muito espontânea. Não é por nos esforçarmos por sentir amor que o vamos sentir, até pelo contrário. É um processo biológico, tem a ver com as emoções, com as reações fisiológicas que aparecem quando estamos com alguém que pode ser importante para nós.
As redes sociais permitem um contacto rápido, mas há passos pelos quais não passamos e que aconteceriam num amor mais clássico, como o dos nossos pais ou avós. É preciso uma construção mais lenta para que o amor não fique fragilizado com esta procura tão rápida de almas gémeas.
Veja na página seguinte: É possível encontrar o amor verdadeiro através destas plataformas?
É possível criar empatia com o outro através de um dispositivo?
É complicado, a empatia é algo muito humano, precisa do contacto presencial. Há pessoas que a têm muito facilmente e pessoas que não a conseguem desenvolver. Por outro lado, com as aplicações, as pessoas criam uma identidade que nem semprecorresponde ao que realmente são, o que pode acabar por criar uma falsa empatia. No entanto, as aplicações podem ser um instrumento útil para conhecer alguém com quem mais tarde, presencialmente, iremos desenvolver a empatia e até o amor.
É possível encontrar o amor verdadeiro através destas plataformas?
Há pessoas que encontraram companheiros importantes para a vida nas redes sociais e nesse tipo de aplicações. Mas não nos podemos esquecer que esta é apenas uma das formas de conhecer pessoas.
Em que medida esta nova dinâmica social afeta a forma como nos relacionamos?
Dados na área do controlo do impulso mostram que os viciados nas aplicações e redes sociais têm dificuldade em interagir com pessoas do ponto de vista presencial, como se ganhassem ferrugem no contacto interpessoal. Ao estarem viciadas nas aplicações, alteram a realidade social, o que faz com que o cérebro se desabitue do contacto humano-humano.
Que riscos corremos ao entrar no mundo virtual dos relacionamentos?
Nunca se sabe realmente quem está do outro lado. Por isso, é de evitar partilhar todos os momentos de vida,podemos partilhar alguns, mas não todos, para preservar a nossa identidade e a das pessoas próximas, em especial, a das crianças. Existe também o risco de se perder alguma da nossa individualidade ao estarmos mais focados naquilo que passamos para fora e menos na pessoa que realmente somos.
Utilizar estas plataformas para procurar o amor pode causar algum impacto no nosso equilíbrio emocional?
As aplicações podem criar habituação no cérebro e ansiedade. Se estamos expostos permanentemente a máquinas e tecnologia, o nosso sistema nervoso fica demasiado dependente e ficamos condicionados às respostas que vêm do mundo virtual, como, por exemplo, estarmos permanentemente a ver os gostos/comentários.
Isto gera dependência e podemos começar a desenvolver perturbações ansiosas sem conseguirmos estar no momento presente. Podemos ainda sentir desconforto psicológico quando criamos um parceiro ideal através de uma aplicação e, após o contacto ao vivo, apercebemo-nos que se fantasiou uma relação que não corresponde à realidade.
Veja na página seguinte: A importância da (boa) aparência física
Na maior parte das aplicações, a pesquisa é feita quase exclusivamente com base na aparência física. De que forma isso pode desvirtuar o conceito da conquista amorosa e da paixão?
O impacto inicial que os outros provocam em nós tem muito a ver com o aspeto físico, isso acontece tanto no mundo virtual como no real. No entanto, no mundo virtual, a aparência assume ainda mais importância, não só a do outro como a nossa própria.
E, a partir do momento em que tentamos ser a pessoa que não somos mas a pessoa que achamos que os outros querem, criamos um problema para nós. Anulamo-nos e criamos problemas de autoestima, distúrbios alimentares, relações insatisfatórias ou, até, depressão.
Para quem procura uma relação séria o que pode fazer para tentar perceber se a pessoa do outro lado procura o mesmo?
Quando as pessoas não procuram o mesmo tipo de relação, as coisas não se conjugam. Deve agir de acordo com o que precisa. Se do outro lado a intenção for a mesma, a sintonia aparece.
Estratégias que a ajudam a perceber se quem está do outro lado é a pessoa que demonstra ser e é (mesmo) quem procura:
- Esteja atento ao discurso. Tente perceber se a pessoa é coerente.
- Procure perceber se a pessoa está ou não disponível para um contacto presencial. Se não está, é porque, provavelmente, pretende viver da imagem virtual que criou.
- Coloque questões sobre as várias áreas da vida da pessoa, nomeadamente trabalho, família, amigos e hobbies, por exemplo, para poder conhecê-la melhor.
- Mantenha-se atento ao rumo da relação. Avalie se sente que é tóxico ou se a outra pessoa a está a manipular.
- Pergunte a si próprio se o seu interesse se prende com o aspeto da outra pessoa ou se é porque ela demonstra ser alguém com quem se possa sentir bem.
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Sinais de alarme a ter em conta
Indicadores de que o recurso a apps de encontros não está a ser benéfico para si:
- Psicológicos
Irritabilidade, instabilidade emocional e pensamentos como «Será que alguém vai gostar de mim?»
- Físicos
Dores de cabeça, agitação motora, tensão física e/ou problemas gastrointestinais. O estômago é um órgão muito sensitivo e, se as pessoas ficam muito ansiosas, acaba por causar problemas.
- Comportamentais
Não consegue estar longe do telemóvel sem ficar ansioso? Evite o contacto com pessoas reais para interagir no mundo virtual.
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