Quis o destino que o dia de visita à Souldough, no centro de uma vibrante Cascais, coincidisse com o Dia Internacional da Pizza.

O espaço Legasea é, desde há dois anos, a casa desta pizzaria invulgar (já explicaremos porquê), que antes vivia em Colares, mais precisamente na Aldeia da Praia, entre a Praia Grande e a Praia das Maçãs. O cenário mudou, mas a essência não. “Não viemos para Cascais com expectativas específicas”, conta Enrico Signoretti, um dos fundadores. “Posso dizer que a clientela tem sido extremamente simpática e acolhedora — talvez até mais do que esperávamos. Surpreende-nos sempre ter pessoas que realmente valorizam o que fazemos, e isso é algo que nunca damos como garantido.” O espírito de comunidade, aliás, continua a ser um dos ingredientes-chave da casa.

A Souldough tem uma filosofia muito diferente daquilo que estamos habituados a ver num restaurante do género. Basta ouvir o primeiro aviso de quem nos recebe à mesa: “Aqui está o menu, e quero apenas dizer-vos que todas as pizzas são vegetarianas, com algumas opções veganas, e que apenas disponibilizamos talheres em algumas entradas e sobremesas”. Ou seja, aqui as pizzas são para comer com as mãos e cortadas com recurso a uma tesoura.

Comer com as mãos é, aliás, parte do ritual. No menu lê-se que “é uma forma de yoga — uma união — com a comida”. Aqui, os cinco dedos representam os cinco elementos e os cinco sentidos. E é essa união que se procura, desde o primeiro toque na crosta até à última garfada (ou melhor, dentada) da sobremesa.

A casa nasceu da visão de três amigos — Enrico Signoretti, Jasbhagat Singh e Tanpreet Singh — que trouxeram consigo não só a paixão pela pizza, mas também uma ligação espiritual profunda. Dois deles seguem a tradição Sikh, uma religião muito presente no Punjab, e foi precisamente por influência do seu mestre espiritual, radicado em Santa Susana (entre a Terrugem e a Ericeira), que decidiram mudar-se para Portugal. “A escolha de fazer pizzas vegetarianas vem do nosso percurso pessoal”, explica Enrico. “A Souldough nasceu da vontade de aplicar a filosofia dos ensinamentos do yoga ao mundo real e material. E foi assim que começou esta aventura.”

Souldough, pizzas vegetarianas com alma em Cascais (e agora também de volta a Colares)
Souldough, pizzas vegetarianas com alma em Cascais (e agora também de volta a Colares) créditos: @manuelmanso

Mais do que um restaurante, o projeto foi pensado como uma prática de vida — uma forma de criar ligações conscientes, tanto com os colaboradores como com os clientes. “Este projeto é, para nós, mais do que um negócio (embora, claro, seja essencial para garantir a nossa sustentabilidade). É também uma ferramenta de crescimento pessoal, um desafio constante para mantermos os nossos princípios, mesmo quando confrontados com as tentações e dificuldades do dia a dia.” A máxima do mestre acompanha-os no quotidiano: “Somos seres espirituais a viver uma experiência humana.” E é isso que se sente à mesa: aqui, a comida é uma ponte entre os dois mundos, entre o prazer de comer e o respeito pelo que se come. “Às vezes falhamos, outras conseguimos. E é assim que vamos aprendendo a viver”, acrescenta.

Esse compromisso traduz-se numa carta cuidadosamente pensada, onde nada é deixado ao acaso. A massa fermenta 36 horas e tudo é preparado de raiz: os pestos (há três diferentes), os arancini, os biscoitos do tiramisù.

O espaço — um pátio com charme rústico, três salas interiores com elementos vintage e um terraço soalheiro — convida a um tempo mais lento, a um convívio sem pressas. Aqui, ouvem-se sotaques diferentes, e é frequente ver mesas partilhadas por quem ali chegou de forma espontânea. O ambiente é descontraído, mas com uma elegância serena.

Numa primeira visita e sem conhecer a carta, optámos por duas entradas recomendadas por um dos funcionários como das suas preferidas. O Arancini (8,30€) é um bolinho de risotto empanado e frito, servido com aioli, que combina uma textura exterior crocante com um interior cremoso e reconfortante. O Morso di Capra (7,70€) apresenta-se numa base fina de pizza ciclista, coberta com folhas de sálvia, tomate pomodoraccio grelhado, nozes, queijo de cabra e um aioli de sálvia que traz frescura e complexidade. Duas propostas equilibradas e bem executadas, que funcionam bem como introdução ao estilo do restaurante.

A carta é toda ela vegetariana, com diversas opções veganas como referimos, com cerca de 20 pizzas criadas para serem harmoniosas tal como são, sem adições ou substituições.

Assim, e continuando nas recomendações, seguimos com duas opções de pizza. A La Dolce Vita (15,70€) destaca-se pela combinação entre a suavidade da stracciatella e o sabor mais intenso do grana padano, sobre uma base de molho de tomate equilibrado. O pesto e o manjericão acrescentam frescura e um toque aromático, compondo um conjunto leve e cremoso, sem excessos. Já a Capperi e Olive (15,50€), por sua vez, parte de uma base Margherita clássica, à qual se juntam alcaparras e azeitonas, elementos que trazem salinidade e profundidade de sabor.

Souldough, pizzas vegetarianas com alma em Cascais (e agora também de volta a Colares)
Souldough, pizzas vegetarianas com alma em Cascais (e agora também de volta a Colares) créditos: @manuelmanso

Mas há muito mais. Entre os clássicos, não pode faltar a Margherita (12€), com molho de tomate, mozzarella e manjericão, a Vegan Queen (16€), com pesto vegano e mozzarellina artesanal, ou a ousada Honey Moon (15,70€), com ricotta, nozes, gorgonzola, pêra e mel.

Há também novidades de verão, com propostas mais frescas, mas igualmente criativas. A Valentina (15,70€) combina mozzarella, tomate semi-seco, cebola roxa, ricotta, coentros e raspa de limão, sobre um molho de tomate assado picante – uma combinação intensa e aromática, com contraste entre o calor do molho e a frescura dos toppings. Disponível apenas nos meses mais quentes, a Summertime in Napoli junta creme de ricotta e hortelã, provola, curgete marinada e tomate seco, numa versão leve e herbácea. Já a La Mediterranea aposta numa base de mozzarella e molho de ricotta, com tomate semi-seco, beringela e ricotta salgada – uma composição moderna com raízes nos sabores do sul de Itália.

Na sobremesa, a escolha foi um cheesecake de limão (6€), um sabor mais fresco para terminar a refeição.

Não se deixe enganar pelo formato das pizzas napolitanas: são generosas e saciantes. Se a ideia for explorar o menu com entradas, pizza e sobremesa, o ideal será partilhar uma pizza, para ficar com uma ideia mais completa da carta sem sair “a rebolar”. Mas se sobrar? Nada que uma caixa de take-away não resolva.

No entanto, não se trata apenas de sabor ou saciedade. Para os fundadores trata-se de convicção. “A qualidade não é negociável”, reforça Enrico. “Se tivermos de abdicar disso, então a Souldough perde o seu propósito. Fazemos o que fazemos porque gostamos, não para agradar às massas. Mas nunca venderia algo que eu próprio não comeria: seja por não estar fresco, bem feito ou por levar ingredientes baratos.” E vai mais longe: “Vivemos numa altura em que a imagem conta mais do que o conteúdo e isso entristece-me. Nós também cuidamos da apresentação, claro, mas aqui tudo começa no produto. Tudo é feito de raiz, com tempo e com intenção.”

Colares está de volta ao mapa da Souldough

A relação da Souldough com Colares nunca foi apenas geográfica, foi emocional, e depois de dois anos em Cascais, o regresso tornou-se inevitável. O espaço voltou a abrir na zona de origem, ainda que numa nova localização, há alguns meses, de forma discreta, mas com uma identidade distinta.

Na visita a Cascais, é no seguimento do menu que percebemos a pista: uma referência à reabertura em Colares, mais precisamente na Avenida do Atlântico, nº 1. Questionamos o empregado que nos atende, e ele confirma: "Sim, é verdade". E faz questão de sublinhar que “a experiência é completamente diferente da que encontram aqui.”

De facto, o novo espaço funciona como um rooftop, sem serviço de mesa. Cada pessoa pede diretamente ao balcão e depois escolhe onde se sentar, em mesas de madeira, com bancos a condizer, espalhados num terraço com vista para a serra de Sintra. A decoração é mínima, funcional e informal, num registo que lembra os velhos tempos da Aldeia da Praia, mas num espaço mais central.

“Voltámos a Colares há uns meses,” conta Enrico, acrescentando que “é um lugar que esteve sempre presente na nossa mente desde o momento em que saímos. Colares é um sítio mais descontraído, onde as pessoas podem ir, conviver, passear ou simplesmente ficar junto ao balcão a beber um copo. Não tem as formalidades de um restaurante convencional.” De acordo com o responsável, ali tudo acontece com naturalidade: “É frequente — e falo também por mim — aparecerem pessoas que se juntam espontaneamente a uma mesa de amigos, sem ter marcado jantar. Diria que ‘espontaneidade’ é mesmo a palavra certa para descrever o lugar.”

Outra diferença? As cervejas artesanais ganham mais destaque, ideal para quem quer beber algo fresco enquanto espera pela pizza, ou simplesmente ficar a conversar, de copo na mão, a apreciar a vista.

Souldough

Horário (Cascais): Terça a domingo, das 12h às 15h30 e das 18h30 às 22h
Morada (Cascais): Espaço Legasea – Rua do Poço Novo, Cascais
Reservas: 964 108 136 ou site oficial

Se Cascais representa o lado mais contemplativo, estruturado e refinado da Souldough, Colares traz de volta a leveza original do projeto: pizzas feitas com tempo, para serem comidas com as mãos, num ambiente sem tanta rigidez, mas com o mesmo respeito pelo produto final.

Como nota final deixamos uma referência à Happy Hour na Souldough Cascais, aos sábados e domingos, das 15h30 às 17h30. A proposta é simples: pede-se uma bebida e a segunda é por conta da casa.

O SAPO Lifestyle esteve na Souldough a convite.