Qualquer relação amorosa tem forçosamente um início e pode, em muitos casos, começar no primeiro encontro entre duas pessoas. Saiba como funciona o amor à primeira vista e porque pode ser importante para um relacionamento estável. A primeira impressão entre duas pessoas que se sentem atraídas uma pela outra, o princípio de uma bela história, é uma das principais fontes de inspiração para escritores e artistas.
Inúmeros filmes e comédias românticas fazem girar os seus enredos em torno da primeira vez que os seus protagonistas se conhecem, que tende a ser invulgarmente cómica e, acima de tudo, memorável. Mas embora o amor à primeira vista exista, o facto de ser difícil de explicar leva algumas pessoas a afirmarem que é impossível sentir-se intimidade e profundo carinho por alguém que se acabou de conhecer.
Contudo, pelo impacto que tem na longevidade dos relacionamentos de muitos casais e pelo mistério que o rodeia, o amor à primeira vista ainda é estudado por filósofos, psicólogos e antropólogos. Numa altura em que as redes sociais estão a criar novos paradigmas de relacionamentos entre pessoas, saiba o que dizem os especialistas que têm vindo a estudar este e outros fenómenos sociológicos ligados aos assuntos do coração.
A explicação para a biologia do amor
Por que é que nos sentimos mais atraídos por uma pessoa do que por outra? E porque é que nem sempre sentimos profundo afeto, amor romântico e desejo sexual pela mesma pessoa? Muito provavelmente, também já se interrogou sobre isso! Há mais de 35 anos que Helen Fisher, uma conceituada antropóloga canadiana, se dedica a responder a estas e a outras questões relacionadas com as relações.
Para saber que áreas do cérebro estão associadas com o amor romântico intenso, Helen Fisher analisou os cérebros de 37 pessoas apaixonadas através de ressonância magnética. Desses indivíduos, 15 tinham sido rejeitados e 17 estavam apaixonados. Alguns deles mantinham um casamento feliz após 25 anos. Juntamente com a sua equipa de investigadores da Universidade de Rutgers, nos EUA, Helen Fisher descobriu que há duas regiões na base do cérebro que ficam ativadas quando estamos apaixonados.
O tegmento mesencefálico e o núcleo caudado. A primeira é o início do circuito de recompensa, de onde é lançada a dopamina, um estimulante natural. Essa é a mesma área do cérebro que fica ativada quando sentimos os efeitos da cocaína. A segunda está associada à aprendizagem, memória e ao comportamento social. Esta descoberta levou, a dada altura, Helen Fisher a equiparar o amor à toxicodependência.
A explicação é, aparentemente, simples. Porque apresenta os mesmos sintomas e características, nomeadamente o fenómeno de tolerância, de abstinência e de recaída, defendem muitos especialistas. Assim, segundo a antropóloga canadiana, o amor romântico não é uma emoção mas, sim, um desejo maior do que o desejo sexual. "É uma obsessão que toma posse dos indivíduos", justifica Helen Fisher.
Nos períodos em que estamos apaixonados, precisamos de ver o outro cada vez mais, distorcemos a realidade e estamos dispostos a submeter-nos a enormes riscos por essa pessoa. Também é o que costuma suceder consigo? Esta poderosa sensação pode ocorrer imediatamente quando duas pessoas se conhecem e fica gravada na memória dos membros do casal, mesmo passadas décadas de matrimónio.
As estratégias de sedução a que pode recorrer
A química imediata entre duas pessoas tem ainda outro fundamento fisiológico, destacando-se o papel das feromonas enquanto "mensageiros químicos, que nos influenciam inconscientemente", como sublinha explica Joana Florindo, psicóloga clínica especializada em sexologia clínica. As feromonas são substâncias que são normalmente libertadas em reação aos sinais transmitidos por outra pessoa.
Pela sua volatilidade, são facilmente transportadas pelo ar. Embora façam parte dos odores normais do corpo, as feromonas afetam o sistema nervoso do organismo recetor através do olfacto, desencadeando, assim, alterações comportamentais. No entanto, dado que os seres humanos usam regularmente desodorizantes e perfume, a perceção e os efeitos das feromonas estão, em muitas situações, atenuados.
A questão hormonal é de tal modo importante que, em 2005, a antropóloga Helen Fisher foi contratada pelo site Match.com para ajudar a criar sistemas de correspondências entre pessoas com base na sua investigação sobre os quatro tipos de personalidades biológicas. Estes distinguem -se pelas hormonas que predominam nas palavras dos perfis dos utilizadores destes sites de encontros.
Assim, um indivíduo que, através da expressão escrita por exemplo, revele ter mais dopamina no cérebro é, segundo a antropóloga canadiana, explorador e criativo ou, pelo menos, deveria sê-lo. A serotonina está, por norma, associada a uma personalidade construtora e sensível, a testosterona à liderança e racionalidade e o estrogénio a uma personalidade negociadora e intuitiva.
Paixão à primeira interação
Além do cheiro, é possível sentir-mo-nos atraídos por alguém no momento em que os vemos e conhecemos, "pela sua constituição física, pela sua voz ou pela sua postura e expressão de opiniões", explica a sexóloga Joana Florindo. Além destas características, há outras que podem saltar à vista. De tal forma, que a nossa prioridade passa a ser aproximarmo-nos dessa pessoa e interagirmos com ela.
"A atração interpessoal traduz-se numa emoção positiva que ultrapassa os fatores físicos", diz. Neste sentido, a nossa educação e o estilo de vida influenciam a primeira impressão que temos de alguém, visto que, normalmente, escolhemos pessoas do mesmo nível socioeconómico e grau de inteligência com as mesmas referências culturais. Às vezes, conhecemos uma pessoa e sabemos logo que nunca poderíamos ter um relacionamento com ela, porque "podem existir à partida conflitos de interesses e/ou de personalidade".
Por isso, devemos valorizar os sentimentos que alguém desperta em nós inicialmente, mas, como alerta Joana Florindo, "sem generalizar, pois a exposição e o contacto repetidos entre as pessoas tendem a aumentar a familiaridade e, consequentemente, o agrado entre elas". Se não a sente desde as primeiras interações, se calhar o melhor é reduzir as expetativas e não apostar muito nesse relacionamento.
Assim, a expressão à primeira vista é usada num sentido mais lato e poético para indicar uma sensação intensa de amor romântico por um ser humano com quem não tínhamos tido contacto prévio. O lado idílico de um ser que se cruza com outro ser numa circunstância também ela extraordinária, explorado em muitos livros e filmes, faz sonhar milhões de pessoas em todo o mundo, renovando-lhes a esperança.
A fórmula do amor
É cada vez mais difícil encontrar a cara-metade à primeira vista, devido ao tempo crescente que passamos na internet e nas redes sociais. Amy Webb, uma empresária e autora norte-americana, decidiu que deixar esse encontro "para quando menos esperasse", como lhe recomendava a avó, baixava significativamente as suas probabilidades de vir a casar e a ter filhos. Por isso, manipulou os algoritmos.
As fórmulas aritméticas são a base de funcionamento dos sites de encontros para servirem as suas exigências e as dos que os usam. Amy Webb começou por fazer uma lista das características que procurava num companheiro e estudou a concorrência direta, as (outras) mulheres que interessavam ao tipo de homem que lhe interessava a ela. Acabou por descobrir, no processo, que, para comunicar o seu perfil online corretamente, devia colocar uma fotografia onde mostrasse um pouco de pele, os ombros, o decote ou as pernas.
E a mensagem sobre si própria devia ser curta, no máximo 100 palavras, com linguagem positiva e otimista. Foi assim que Amy Webb encontrou aquele que viria a ser o seu marido. Sem desistir daquilo que mais queria e sem ir na conversa de familiares que lhe diziam que era demasiado exigente. Embora a observação da sua avó tenha mérito, na era tecnológica a opção da neta pode ser mesmo a mais proativa.
A intuição romântica da nossa era
É possível amarmos alguém antes mesmo de o conhecermos. Quem o garante é o filósofo Aaron Ben-Zeév. Porque, geralmente, alega, estamos predispostos a amar um certo tipo de pessoa. Por conseguinte, o especialista defende que a intuição romântica é um valioso ponto de partida, dado que é composta por estruturas avaliativas relacionadas com o carácter e que evoluem com o nosso desenvolvimento pessoal.
Mas será mesmo assim? A intuição romântica complementa o amor à primeira vista que, segundo Aaron Ben-Zeév, é intenso e acarreta uma componente mais estética, porque atribuímos, à partida, características a uma pessoa com base em estereótipos, na sua aparência, na idealização e em ilusões positivas, o que, de resto, também ocorre no amor que dura muitos anos, assegura o filósofo israelita.
Dado que é baseado mais na imaginação do que na visão, pode induzir em erro. Por isso, não devemos basear as nossas decisões apenas na intuição romântica, pois pode estar errada. De acordo com Yann Dall'Aglio, um filósofo francês, amar e ser amado não é imediato mas, antes, um processo eterno de tentar tornar-se desejável para alguém e manter-se desejável para essa pessoa o máximo de tempo possível.
Texto: Filipa Basílio da Silva
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