Em 1822, Justino Kerner descrevia, pela primeira vez, a bactéria clostridium botulinum, responsável pelo botulismo, uma forma de intoxicação alimentar, potencialmente fatal, que paralisa todos os músculos do organismo. Foi o primeiro passo para converter um dos mais potentes venenos conhecidos, a toxina botulínica com sete variantes, que incluem a A, a B, a C, a D, a E, a F e a G, numa extraordinária substância terapêutica. Nascia assim o botox!

«Tal como muitas vacinas, que são produtos obtidos a partir de vírus e bactérias aos quais se atenuaram os efeitos nefastos para se obter efeitos positivos (imunizações), também a administração da toxina botulínica consegue um efeito terapêutico, neste caso o relaxamento muscular periférico nos músculos, onde tal é pretendido», explica Francisco Carvalho Domingues, diretor clínico do Instituto Ibérico de Medicina Estética.

Assim, se durante o século XIX o envenenamento por toxina botulínica assustava a população, hoje reconhecem-se importantes aplicações médicas desta substância. Segundo Francisco Carvalho Domingues, «começou por ser utilizada no tratamento de alguns tipos de estrabismo e de blefarospasmo (espasmos palpebrais intensos), doenças músculo-nervosas acompanhadas de espasmofilia (espasmos musculares intensos e incapacitantes, como o torcicolo) e contracturas musculares dos membros superiores após AVC».

O que está a levar os homens a recorrer ao botox

Mais recentemente foram-lhe reconhecidas duas outras aplicações, revela o especialista em medicina estética. «O tratamento da hiperhidrose axilar (transpiração axilar não controlável por produtos tópicos) e o tratamento de certas disfunções digestivas por excessiva contracção de algumas válvulas anatómicas deste sistema)», refere. Mas as alterações não se ficam por aqui. Se, inicialmente, foi essencialmente procurado por mulheres, nos últimos anos o paradigma mudou.

Em pouco mais de 12 anos, o número de homens a recorrer a esta substância cresceu 22%, uma percentagem considerável, tendo em conta a tradicional aversão de muitos indivíduos do sexo masculino a este tipo de procedimentos estéticos. Muitos especialistas justificam a alteração de comportamento com a (nova) pressão social a que muitos homens estão atualmente sujeitos no seu círculo laboral e até social.

Na cosmética por acaso

O uso do botox em tratamentos cosméticos foi descoberto de forma acidental pela médica canadiana Jean Carruthers, em 1987, quando tratava uma paciente de blefaroespasmo. A doente estava a ser tratada com a toxina botulínica tipo A e ao aplicar-lhe o produto na testa notou que a sua pele começava a mostrar um aspecto mais jovem, já que as rugas desapareceram quase na totalidade.

Após esta descoberta, a oftalmologista e o seu marido decidiram levar a cabo uma investigação para que a toxina fosse aceite para uso médico-estético pelas autoridades de saúde dos Estados Unidos da América e do Canadá, o que veio a acontecer em 2002. Hoje, a toxina botulínica está validada em mais de 72 países como método para reduzir as rugas e conta com mais de três mil estudos científicos. Na Europa, a França foi o primeiro país a abrir-lhe as portas.

Texto: Fernanda Soares