Um forno a lenha revestido a ouro, uma massa que repousa 36 horas e um sonho cozinhado a 450 ºC: é assim que se serve uma pizza premiada no Forno d’Oro, em Lisboa. O restaurante liderado pelo chef Tanka Sapkota entra para a história da gastronomia nacional ao alcançar a 10.ª posição no guia 50 Top Pizza Europa 2025, sendo a primeira pizzaria portuguesa a integrar o top 10 europeu.

Mas esta distinção internacional tem raízes numa decisão arriscada e visionária. Numa entrevista recente ao SAPO Lifestyle, o chef recordou o momento em que tudo começou: "Uma altura, eu e a minha mulher, estávamos em Itália, em Veneza, e disse: se queremos dar estudos aos nossos filhos, tenho uma ideia muito boa, mas é um grande risco. Porque em 2010, na altura da crise, as pizzas napolitanas em Portugal não existiam. Então, planeámos o Forno D'Oro. Um pizzaiolo fazia massa três vezes por dia, eu chateava muitas vezes. E um dia, apareceu uma massa de pizza como eu queria, depois de 300 ou 400 vezes, a fazer testes."

Lisboa já serve uma das 10 melhores pizzas da Europa. Chama-se Forno d’Oro
Lisboa já serve uma das 10 melhores pizzas da Europa. Chama-se Forno d’Oro créditos: Divulgação

Dessa persistência nasceu um conceito tripartido, como o próprio chef descreve: “assente em três pés: um na pizza, outro no forno e outro na cerveja. Se estivesse sentado apenas num, podia cair facilmente. Mas o conceito foi fabuloso para o mundo inteiro, porque juntou o melhor forno do mundo, com cervejas artesanais, com os melhores ingredientes nacionais e italianos.” Hoje, o Forno d’Oro celebra uma década de existência com a consagração máxima no universo da pizza.

Além da entrada no top 10 europeu, o restaurante arrecadou também o prémio especial "Performance of the Year 2025 – Robo Award", distinção que reconhece a pizzaria que mais se destacou ao longo do ano em qualidade, em serviço, em hospitalidade e na utilização de ingredientes locais e sazonais.

“É com imenso orgulho que alcançamos uma dupla conquista histórica”, afirmou o chef nepalês, num comunicado enviado às redações. “Entrar no top 10 europeu representa o reconhecimento de uma carreira de muito esforço e a concretização de um sonho, uma conquista muito especial, que me dá forças para continuar a trabalhar e a crescer”, destacando ainda o trabalho diário da sua equipa e o talento do pizzaiolo Ram Chandra Bhusal, “a alma da casa”.

A edição de 2025 foi liderada pela britânica Napoli on the Road, localizada em Londres, que conquistou o primeiro lugar e confirmou o protagonismo da cena pizzaiola londrina no panorama europeu.

O Forno d’Oro subiu dois lugares face à edição anterior — foi 12.º, em 2024 —, confirmando uma trajetória sólida e consistente. Desde a estreia do guia europeu, em 2019, o restaurante lisboeta tem sido presença assídua na lista, um feito sem paralelo a nível nacional.

No entanto, a presença portuguesa no universo das grandes pizzarias internacionais deixou há muito de ser um acaso. Embora o Forno d’Oro seja o rosto mais visível dessa conquista, há outras casas nacionais a marcar terreno. Um exemplo é a Arte Bianca, projeto com raízes na costa vicentina, entre Aljezur, Arrifana e Sagres, que este ano subiu mais uma posição no ranking europeu, fixando-se no 32.º lugar, num percurso igualmente consistente.

Mas nem só de subidas vive a lista. A Lupita, de Lisboa, que em 2024 tinha conquistado um promissor 45.º lugar, ficou este ano fora das 50 melhores. Ainda assim, integra o grupo de seis pizzarias portuguesas reconhecidas como “Excelentes” pelo guia,  um selo de qualidade reservado a espaços que, apesar de não figurarem no ranking principal, demonstram elevado nível técnico, consistência e identidade. A par da Lupita, foram também distinguidas as pizzarias Antonio Mezzero (Porto), Artigiano (Lisboa), BuonaPizza (Lisboa), Mano a Mano (Lisboa) e Paneólio (Caldas da Rainha).

A história do chef Tanka Sapkota podia dar um filme. Ou talvez, um argumento de superação. Nascido no Nepal, chegou à Alemanha aos 18 anos para escapar a um casamento arranjado. Começou como ajudante de copa e em 1996, escolheu Portugal como casa. Quase três décadas depois, é um nome incontornável da restauração lisboeta, estando por detrás de projetos como Come Prima, que completou 25 anos, Il Mercato e Casa Nepalesa, estes últimos geridos pelos irmãos.

Hoje, o Forno d’Oro é o espelho da sua visão. A pizza segue a tradição napolitana, com fermentação lenta e ingredientes rigorosamente selecionados — desde o tomate San Marzano à mozzarela di bufala DOP — numa combinação de produtos sazonais portugueses, que se fundem numa harmoniosa fusão de culturas. O resultado? Uma pizza leve, crocante e premiada.

Forno d'Oro
Forno d'Oro

Mas o percurso de Tanka Sapkota vai além da cozinha. É também uma viagem de identidade e propósito. “Houve uma altura em que me sentia como o Nepalês. Noutra altura, comecei a sentir-me como o Asiático. Neste momento, quero sentir-me humano”, confessou-nos. E acrescentou: “Não quer dizer que quero deixar uma marca, mas quero deixar alguma coisa.”

Essa “coisa” tem um nome: dever. “Dever como filho, como pai, como marido, como família, como uma pessoa que nasceu no Nepal, como alguém que fez da cozinha italiana a sua carreira. Mas também como cidadão, como alguém que quer contribuir para uma sociedade melhor.” E resume esse princípio num lema que carrega com ele: “Eu não posso mudar o mundo, mas posso ajudar a melhorá-lo”, apesar de admitir que “basear uma vida numa palavra é muito difícil.”

A gala do 50 Top Pizza Europa teve lugar em Madrid a 4 de junho, reunindo os melhores pizzaiolos do continente. Criado pelo congresso gastronómico LSDM, o 50 Top Pizza é considerado a mais fiável e prestigiada referência internacional no universo da pizza. As avaliações são feitas por inspetores anónimos, com base em visitas surpresa e critérios descritos anteriormente: qualidade da pizza, hospitalidade, serviço e respeito pelos ingredientes locais.