Kipling William estuda o fenómeno designado por “silent treatment” há cerca de 36 anos. O psicólogo e professor americano define-o como uma das formas de manipulação emocional mais violentas, servindo, na maioria das vezes, como uma estratégia usada por agressores para obter e/ou recuperar o controlo sobre o outro.

Este conceito, traduzido para a língua portuguesa como tratamento do silêncio, diz respeito à recusa em comunicar verbalmente com outra pessoa, o que inclui, em alguns momentos (por norma longos), não reconhecer a própria presença do outro – funcionando como uma forma de abuso psicológico.

A curto-prazo, o silêncio causa stress, desconforto e ansiedade. Contudo, a longo prazo, o desprezo e a desvalorização do outro inerentes ao silêncio potenciam a vivência de uma verdadeira experiência de violência emocional.

A ciência psicológica aponta dois fatores como as principais motivações para recorrer a esta estratégia, nomeadamente:

  1. Dificuldades de comunicação: quando a pessoa vê o silêncio como o único recurso para expressar a mágoa, tristeza e zanga pelo outro, dadas as dificuldades na comunicação e expressão emocional.
  2. Desejo de punição: quando a pessoa usa o silêncio de forma intencional, como forma de castigar o outro. Paralelamente, este comportamento permite exercer controlo, ganhando consecutivamente poder sobre o seu comportamento e bem-estar do outro.

Este fenómeno, o qual tende a ser utilizado por ambos os géneros, masculino e feminino, predomina nas relações tóxicas, impedindo a resolução dos conflitos e promovendo o afastamento emocional do casal. Para a pessoa que é ignorada pelo(a) companheiro(a), é sofrida uma quebra na autoestima (sente-se totalmente invisível, desvalorizada, desprezível) e tende a vivenciar sintomas de depressão (por exemplo, tristeza, sensação de vazio, maior irritabilidade).

Kipling William evidencia que o silêncio constante é uma estratégia causadora de danos emocionais, particularmente pela facilidade em provocar sentimentos de culpa na vítima, a qual investe em tentativas falhadas de reconciliação que fomentam a frustração e, consecutivamente, o controlo e poder do(a) companheiro(a). É frequente a vítima sentir-se perdida e, inclusive, desconhecer o que provocou o silêncio. Por conseguinte, o único recurso de resolução do conflito que a vítima reconhece como eficaz remete para ceder, pedir desculpa e cumprir com os desejos do outro, evitando o prolongamento do silêncio e uma potencial rutura da relação.

Representativo do impacto emocional do tratamento do silêncio são os estudos que apontam que a rejeição emocional ativa as mesmas áreas do cérebro que o abuso físico, nomeadamente a zona do Córtex Cingulado – área cerebral relacionada com a gestão da dor e de emoções consideradas negativas e dolorosas para o ser humano.

Ainda que particularmente presente e nocivo para as relações amorosas, o tratamento do silêncio tem vindo a ser identificado em outros domínios, como o laboral e o familiar. Por exemplo, no contexto familiar, sabe-se que este tipo de silêncio por parte dos cuidadores tem um impacto devastador para o desenvolvimento saudável das crianças, particularmente na construção da sua imagem e consequente autoestima, sentimentos de pertença, sensação de controlo e autoeficácia e significado para a própria vida e existência, enquanto ser humano.

Alguns estudos apontam que o recurso ao tratamento do silêncio, por parte dos agressores, se encontra associado a perturbações, como é exemplo a Perturbação da Personalidade Narcisista (inserir link). Esta associação resulta da desvalorização das necessidades do outro e desrespeito pelo seu bem-estar em função do desejo de controlo e manipulação que se encontram inerentes ao tratamento do silêncio e que, simultaneamente, são atitudes típicas da perturbação da personalidade referida anteriormente.

A comunicação é imperativa para o bem-estar do ser humano, enquanto ser relacional. Para as pessoas que tomam a decisão de abandonar uma relação tóxica, as sessões de psicologia são um lugar seguro para recuperar a autoestima e desconstruir potenciais sentimentos de culpa em relação às atitudes do outro.

Mesmo quando o silêncio na relação é resultado de dificuldades de comunicação e expressão emocional e não da adoção de uma postura de menosprezo pelo outro, o recurso a terapia (individual e familiar) é igualmente fundamental. Em sessão, é possível facilitar a expressão emocional e a identificação de estratégias de comunicação saudáveis, facilitadoras da resolução de conflitos.

As explicações são de Sofia Gabriel e de Mauro Paulino, da MIND – Instituto de Psicologia Clínica e Forense.