Em 1994 o realizador de cinema alemão Wim Wenders rendia uma homenagem à capital portuguesa sob a forma de película cinematográfica. Wenders filmava “Viagem a Lisboa” e apresentou-nos uma cidade sonora, de arquitetura dramática e com o fascínio de mudar de feição a cada hora do dia e das estações do ano. Essa mesma Lisboa cénica, mutável, mas simultaneamente perene, serve neste 2018 um prato cheio a quem a visita, ou seja, ao Turismo.

A cidade muda, ou melhor, quem a vive muda-a e não raro é o dia em que esta Lisboa que também é a da lente de Wenders, nos presenteia com um novas aberturas e novidades. Neste âmbito, a restauração é a prima donna desta nova Lisboa. O que enriquece a cidade.

Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre
Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre Luís Ferraz

Imagine-se, então, o leitor na árdua subida que dá pelo nome de Rua da Glória, da Praça dos Restauradores até à Rua de São Pedro de Alcântara. A artéria de inclinação abrupta, corrida pelos carris dos esforçados elétricos do Elevador da Glória. Opta o leitor por dispensar o cavalo de ferro e ascender à garupa das suas pernas. Está à beira da hora do almoço e, depois de dez minutos de esforçada subida, ofegante, chegado ao destino no dorso da colina, encontra edifício de fachada nívea, portas abertas e um convite ao petisco de sabor português. Sabe bem, certo?

É precisamente esse convite, o que o chefe Miguel Castro e Silva nos propõe desde setembro de 2017 com uma das suas mais recentes aberturas, o restaurante Mercado - Simply Portuguese, integrado (embora não exclusivo pois aberto à rua) no The Lumiares Hotel. Na porta temos o número 35 e, entre paredes, uma certeza. Sentamo-nos a uma mesa descontraída, mas de cozinha segura, não fosse ela assinada por um homem com um currículo invejável no que toca às artes gastronómicas.

Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre
Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre Luís Ferraz

Sem enumerações exaustivas basta referir que na folha de apresentação Miguel Castro e Silva, portuense de gema, tem aberturas de restaurantes como o Largo (Chiado), De Castro Flores (Praça das Flores), Porto Cruz (Vila Nova de Gaia) e trabalho editorial como é exemplo o livro "The Food & Cooking of Portugal" e, inclusivamente, a publicação de receitas no conceituado Larousse Gastronomique.

Concentremo-nos, então, neste Mercado, vizinho de rés do chão de um outro espaço que o chefe inaugurou no mesmo edifício, alguns andares mais acima, um restaurante de fine dining, o Lumni (só para jantares), com vista de 180 º sobre Lisboa.

Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre
Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre Luís Ferraz

Aqui, no Mercado, a relação é de proximidade, não com os céus da capital, mas com o burburinho das ruas que desaguam no Chiado, no Bairro Alto e no Príncipe Real. Ou seja, o conceito é o de entrar (como é o caso depois da estafada subida) e petiscar. Atenção, o que aqui se diz nas entrelinhas não é sinónimo de “entrar, comer em aceleração, vagar lugar e continuar o périplo lisboeta”. Não, o convite do Mercado é partilhar uma cozinha com sabor, diversidade e uma carta criativa, aconchegada a pratos que um português identifica e um visitante de outra latitude aprovará.

Antes dos prazeres gustativos, umas pinceladas para criar ambiente, o mesmo é dizer, falemos da decoração. Impera o azulejo branco, alguns apontamentos em madeira e bom gosto no design de mesas e cadeiras (o que aliás é extensível ao hotel). Não passam, nem podem passar, despercebidos uns quantos exemplares da cerâmica da casa Bordallo Pinheiro. Não há couves, nem ananases, nem Zé Povinho, mas há peixes graúdos, de cores várias, contrastando nas paredes com a alvura predominante.

Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre
Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre Luís Ferraz

Saborosa simetria

No Mercado vamos encontrar dois espaços, numa presença simétrica face à entrada do hotel. De um lado, uma zona para refeições mais leves, aberta a partir das 10h00, com o pão, os salgados, a charcutaria e os bolos a convidarem a pequenos-almoços e lanches. Sublinhe-se que também aqui na “pastelaria” vai o leitor encontrar a carta do restaurante e uma oferta que inclui, por exemplo, ovos e omeletes de várias formas, cakes salgados, pastéis de massa tenra, quiches e empadinhas, sandes feitas com pão de Mafra e cujos recheios são variáveis, como o bacalhau fumado com pasta de grão e tomate seco.

Menos madrugador, o restaurante abre a porta a partir das 12h00. A cozinha de janela aberta para a sala não esconde ao comensal o afã frente ao fogo e aos tachos. Um acicatar dos palatos, antevendo a confeção do que podemos ler na carta.

Uma carta robusta com petiscos clássicos com a chancela de Miguel Castro e Silva, como a Morcela com cebola e maçã (5,50 euros), as Iscas do cachaço de bacalhau (7,50 euros), os Ovos mexidos com alheira e espargos verdes (6,50 euros), as moelas com molho de tomate (5,50 euros). Um aguçar de apetites em pratos de dose abonada.

Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre
Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre Luís Ferraz

Nos pratos de resistência, Miguel Castro e Silva apresenta-nos uma seleção de norte a sul do país. Sem desmerecer no restante elenco, chamemos, aqui, à liça, a Açorda de camarão (12,60 euros), a Francesinha de carnes assadas e paio de porco alentejano (12,50 euros), o Arroz de vitela com cogumelos (11,80 euros), o Lombo de bacalhau à lagareiro (13,80 euros), o Bacalhau à Brás (12,50€), a Alheira com espinafres e batata salteada (11,50 euros).

Saiba o leitor voraz nas sugestões cárnicas que encontra uma bela peça de 329 g de Bife T-Bone acompanhada com batata, curgete e cogumelos (21,00 euros) e uma seleção de hambúrgueres (180 g) que inclui um de Presunto, mostarda e mel, outro de queijo Chêvre, rúcula e cebola caramelizada (ambos por 8,80 euros).

Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre
Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre Luís Ferraz

Dado o conceito assentar na partilha, este Mercado empenha-se em nos trazer à mesa uma seleção de tábuas bem recheadas com aquelas coisas que nos obrigam a contrariar a dieta com a justificação do “vá, é só uma vez” (será que é mesmo?). Sobre as madeiras, cabeça de xara e torresmos, queijo de ovelha, seleção de enchidos e presunto, presunto Bísaro, presunto Ibérico de Bolota, com preços que variam entre os 4,20 euros e os 14,80 euros.

Diariamente o Mercado - Simply Portuguese sugere uma série de pratos para almoço, geralmente de carne ou peixe, mas sempre com uma opção vegetariana.

Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre
Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre Luís Ferraz

Não, não nos esquecemos da menção às sobremesas. Neste particular não há lugares cativos, com a oferta a variar de acordo com o dia. Quase certo é encontrar o Bolo de chocolate sem farinha.

E como não há boa mesa sem o inevitável casamento entre o que se come e bebe, de realçar que a carta de vinhos, embora sem grande amplitude de escolhas, faz um périplo por três regiões do pais com notas de provas bem distintas nos seus vinhos brancos e tintos, o Alentejo, o Douro e o Dão. O comensal vai encontrar a opção de vinho a copo e também sangrias, cocktails e cervejas.

Pode, agora, o leitor continuar a sua voltinha lisboeta. Não lhe tomamos mais tempo. A capital está bonita, visitável e com uma garantia. Por mais voltas e reviravoltas que lhe possamos dar na feição as colinas terão sempre o seu carácter indomável. E custa que se farta subi-las. Haja boa comida para nos recompensar.

Mercado - Simply Portuguese

Rua São Pedro de Alcântara, 35, Lisboa

Segunda a domingo das 10h00 à 00h00

Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre
Lisboa: São Pedro ganhou o Mercado e os petiscos têm a mão do mestre Luís Ferraz