Se há receita que associamos ao conforto de mesa, seja a abrir uma refeição, à ceia, ou a fechar uma noite, esse prato é o tão nosso caldo verde. Este é tido como o acepipe não oficial português, resumindo a simplicidade e rusticidade da nossa cozinha. Quem não se recorda das engenhosas máquinas rotativas e manuais de cortar a couve e que povoavam as bancas dos nossos mercados? Ou da mão doméstica, certeira, de mãe e avó a riparem finamente o ramalhete de generosas couves?
Essas, as couves-galegas, tipicamente nortenhas, casando com algumas rodelas de bom chouriço de colorau, ou salpicão, para apaladarem um caldo mais ou menos espesso, cabendo as batatinhas, a cebola. Não lhe faltando a água, quanto baste, e uma boa golpada de azeite cru que, ali fica, navegando o puré da sopa, com as suas delicadas ilhas de unto cor de oliva. Simples e eficaz, como iremos ver na preparação da receita mais à frente.
Não lhe pode faltar, a este nosso caldo verde no seu servir, a malga de barro e, no acompanhamento, a robusta broa de milho, de centeio ou mesmo a broa de Avintes.
Um caldo que terá nascido em meados dos idos do século XV, ou mesmo anteriormente (embora levante a questão se esta sopa seria anterior à introdução da batata proveniente do Novo Mundo), devendo a sua origem aos territórios agrícolas e a singeleza dos ingredientes disponíveis. Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Júlio Dinis, Ramalho Ortigão, louvaram o caldo verde através da escrita. Amália Rodrigues cantou-o ao embalo do poema de Arnaldo Ferreira: "Basta pouco, poucochinho p´ra alegrar, uma existência singela (...) É só amor, pão e vinho, e um Caldo Verde, verdinho a fumegar na tigela".
Nele lhe encontramos os enchidos, eficaz fórmula para preservar carnes por longos períodos de tempo, numa época em que a conveniência do frio em formato de frigorífico ainda vinha longe. Batata, couve-galega, cebola e alho eram alimentos que a terra oferecia generosamente. Um caldo de alguma robustez onde o salpicão nadava no creme como apontamento de proteína animal, sendo pretexto para mitigar a fome e saciar comensais.
Não o saberiam com base científica os nossos antepassados dos idos de seiscentos, mas nas couves há muita riqueza em fibras, em vitamina A e complexo B, assim como cálcio, ferro, fósforo e potássio. Além disso, tem poucas calorias.
Por seu turno, a água quente faz funcionar melhor os sucos digestivos e os fermentos ou enzimas do aparelho digestivo.
A receita
A gastrónoma Maria de Lourdes Modesto, falecida em 2022, apresentou-nos no inventário que fez da cozinha portuguesa receitas de caldo verde provenientes do Minho e Alto Douro e da Beira Alta.
No caso concreto socorremo-nos do acervo online da obra “Cozinha Tradicional Portuguesa”, de Maria de Lourdes Modesto (publicado na página da Associação de Cozinheiros Profissionais de Portugal), mais concretamente da seção “Entre Douro e Minho”.
Couve-Galega (folhas)
Azeite: 1 dl
Água: 2 l
Cebola: 1
Batatas: 3, médias
Sal
Numa panela deitam-se a água, o sal necessário, azeite e as batatas descascadas e uma cebola. Depois de cozidas, passam-se as batatas por um passador e juntam-se novamente ao caldo. Este não deve ficar muito grosso.
A cebola é também passada pelo passador e deitada depois no caldo. A couve é cortada à mão, muito fina o mais que possa ser (em cabelo).
Quando o caldo estiver a ferver e faltarem apenas cinco minutos para ser servido, deita-se a couve naquele caldo, fervendo apenas cinco minutos.
Serve-se em tigelas, deitando-se em cada uma um fio de azeite cru.
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