Luísa Amorim já geria duas propriedades a norte do país quando decidiu fazer renascer a Herdade da Aldeia de Cima, na Serra do Mendro, junto à Vidigueira, no Alentejo. Efetivamente, Luísa é a responsável máxima pela Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, propriedade duriense que não só produz fantásticos vinhos, como ainda alberga um dos mais bonitos hotéis da região. Por sua vez, desde 2018, passou a tomar conta da Quinta da Taboadella no Dão, mais propriamente em Silvã de Cima. Não satisfeita… e após ter recuperado as ruínas das casas e edifícios agrícolas da Herdade da Aldeia de Cima (com origem em 1758), plantou este ano uma vinha de 14 ha na Serra do Mendro. Por isso, quando conversámos com Luísa, ela queixou-se do muito trabalho pela frente. Não duvidamos!
A verdade é que Luísa Amorim conhecia muito bem estas terras do Alentejo, já que nelas costumava inclusivamente passar férias. O que não admira… pois para o seu pai, Américo Amorim, a propriedade de enormes dimensões era muito relevante no que respeita à produção de cortiça, dada a grande plantação de sobreiros. Certamente por isso, este projecto não é apenas de Luísa, mas de toda a sua família, com o marido Francisco Rêgo a entregar-se igualmente à gestão. A ajudar o casal está José Falé, que tem vasta experiência na gestão de herdades e, a completar a equipa, encontramos Jorge Alves (que colabora nos restantes projetos) e António Cavaleiro na enologia, e Joaquim Faia na viticultura.
Com a vontade de aproveitar os microclimas das terras altas da Vidigueira, e a grande diversidade de solos da região, plantaram-se na Vinha dos Alfaiates (nome da ribeira que a atravessa) as tradicionais Trincadeira, Antão Vaz e Aragonez, bem como a casta estrela Alicante Bouschet.
Não foi esquecida a casta Alfrocheiro, também presente em alguns encepamentos clássicos alentejanos, e juntou-se ainda um pouco de Baga a pensar na frescura que esta casta pode proporcionar aos lotes finais.
É uma vinha muito pouco comum no Alentejo, plantada em patamares de um bardo só e cultivada em função das curvas de nível do solo, com declive máximo de 40%. Escusado será dizer que é de uma beleza incrível, fazendo lembrar paisagens durienses. Estão ainda projetados mais 6 ha de castas só brancas como Roupeiro e Perrum, entre outras. Ao todo serão 20 ha a produzir, mais 1 ha mesmo junto à adega que irá procurar reproduzir a agricultura antiga, em vaso, e com as videiras não aramadas.
Por falar da adega, esta está concluída e à espera da uva já nesta vindima. Também aqui se optou por inovar na tradição, e seguir o que a modernidade eclética dita. Para o estágio, e a par de barricas (que também existem), encontramos ânforas de cimento de 1000 litros e de terracota mais pequenas (chamadas ‘Tinajas’ em Espanha). Para a vinificação, existem balseiros de carvalho e as habituais cubas de inox, pretendendo-se ainda a instalação de cubas de cimento.
Com a vinha recém-plantada, a escolha recaiu na compra das melhores uvas da região, e apresentar, desde já, quatro vinhos ambiciosos da colheita de 2017 cujas notas de prova seguem abaixo. Uma referência final também para a imagem e grafismo de todo o projeto, com destaque para os rótulos dos vinhos que representam uma fachada de uma casa caída de branco. A cor verde pardacenta da folha do Sobreiro e o tom terracota da argila presente na terra não podiam enquadrar-se melhor neste cometimento familiar do qual se augura muitos sucessos.
EM PROVA
Herdade da Aldeia de Cima, Regional Alentejano, Reserva Branco, 2017
PVP médio indicado pelo produtor: 15€
Nota de prova: 16,5
Antão Vaz, sobretudo, com Arinto e Alvarinho, oriundos da Vidigueira. A barrica nova deixa um evidente traço fumado no aroma, surgindo depois a fruta em bonitas sugestões de citrinos maduros e flores brancas. Na boca, larga e untuosa, a laranja doce revela-se ao lado de leves amargos de casca, resultando num vinho envolvente, amplo, cheio de sabor. Saiba mais aqui.
Herdade da Aldeia de Cima, Regional Alentejano, Reserva Tinto, 2017
PVP médio indicado pelo produtor: 15€
Nota de prova: 17,5
Feito com Trincadeira, Aragonez e Alfrocheiro (uvas de Vidigueira, Castelo de Vide e Estremoz), estagiou em tinajas de barro e balseiros de madeira. Muita profundidade e complexidade aromáticas, especiarias, bastantes vegetais secos, sentindo-se o perfil da Trincadeira, mas também um leve floral que lhe confere finura. Enorme frescura de boca, num perfil ao mesmo tempo seco, sério e leve, pleno de presença e carácter alentejano. Saiba mais aqui.
Alyantiju, Regional Alentejano, Branco, 2017
PVP médio indicado pelo produtor: 32€
Nota de prova: 18
Um 100% Antão Vaz, fermentado em barrica de 500 litros. Ainda fechado e austero, muito focado nas notas de pederneira, pimenta branca, gengibre, flores secas, laranja e tangerina maduras. Excelente presença de boca, com impressionante frescura ácida a trazer muito equilíbrio e elegância, complexo e distinto, cheio de classe. Perfeito exemplo daquilo que casta é capaz no terroir da Vidigueira. Saiba mais aqui.
Alyantiju, Regional Alentejano, Tinto, 2017
PVP médio indicado pelo produtor: 32€
Nota de prova: 18
Feito exclusivamente de Alicante Bouschet, estagiado em barricas de carvalho francês. Mostra a típica cor carregada, mas não tem a rusticidade tantas vezes associada à casta, antes um perfil orientado para as bagas silvestres, à mistura com muita especiaria (pimenta preta, sobretudo), taninos presentes mas perfeitamente envolvidos pelo corpo cheio, muita frescura e surpreendente finura e elegância no longo final. Um Alicante tão sofisticado é coisa rara… Saiba mais aqui.
Notas de prova: Luís Lopes
Artigo publicado na revista Grandes Escolhas, Edição nº28, agosto de 2019.
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