Em 2025, a Rocim celebra 18 anos de percurso e assinala este marco com uma nova identidade. Mais do que uma mudança estética, o rebranding traduz consistência e visão estratégica: todos os vinhos passam a apresentar a marca de forma unificada, numa linguagem visual clara e coesa, que acompanha uma garrafa única, leve e serigrafada. É um gesto que reforça a sustentabilidade, projetando a marca portuguesa para uma presença ainda mais sólida nos mais de 50 mercados onde já está representada.

Para Pedro Ribeiro, enólogo da casa, este caminho é o reflexo de uma filosofia que tem como centro o respeito pela terra, pelas pessoas e pelo tempo. O Alentejo é a sua base, mas a Rocim é hoje um projeto nacional e internacional, que fala várias geografias — do Douro ao Dão, passando por Lisboa, Açores e Algarve — sem nunca perder identidade.

Mas a história de Pedro Ribeiro no vinho começou em 2001, numa vindima no Douro, experiência dura, mas decisiva que lhe mostrou a dimensão do que queria fazer da vida. Desde então, o enólogo tem-se afirmado como uma das vozes mais atentas e inquietas da sua geração: fala das assimetrias do interior, das oportunidades de regiões menos evidentes e do papel que cabe ao Alentejo, um território de tradição, mas também de liberdade e reinvenção.

Nesta conversa, conduz-nos por essa visão, onde os vinhos de talha devolvem charme ao Alentejo, a sustentabilidade já não é bandeira mas requisito mínimo, e o futuro se desenha a partir do passado. Com humor, franqueza e a experiência de quase 25 vindimas, Pedro Ribeiro partilha o que o move, os desafios da enologia contemporânea e a convicção de que os grandes vinhos são sempre os que melhor exprimem o território.

Como começou a sua jornada no mundo do vinho?

Comecei no mundo do vinho com uma experiência de vindima, numa quinta muito emblemática — a Quinta do Noval — em 2001. Foi a minha primeira vindima e uma experiência muito impactante. As vindimas são sempre alturas muito marcantes, difíceis e duras. E, há 24 anos, eram ainda mais difíceis e mais duras. E no Douro, ainda por cima, mais difíceis e mais duras ainda. Foi uma experiência difícil, mas, ao mesmo tempo, muito marcante para mim. E, realmente, senti que “é mesmo isto que quero ser”. É difícil, mas combina uma série de coisas com as quais me identifico. E foi assim que tudo começou, embora o percurso tenha começado antes, quando decidi ir para Enologia, ao terminar o Secundário. Honestamente, não senti uma inclinação para a Enologia. Achava que era algo de que ia gostar. E, de facto, quando fiz essa vindima, senti realmente que era o mundo que queria seguir.

Estudar em Vila Real também foi marcante?

Claro, e eu era um menino da cidade. Ir para Trás-os-Montes também foi um momento marcante. Ou seja, a agricultura não era algo que estivesse diretamente presente na minha família. Se hoje em dia ainda é diferente, há 24 anos, Vila Real e o Douro eram ainda mais diferentes. Havia um afastamento real em relação ao que era a cidade. Não que, há 24 anos, o Porto fosse propriamente Nova Iorque, mas, ainda assim, era muito diferente de Vila Real ou do Douro.

Havia um certo isolamento. Se pensarmos, ainda existe.

Tudo o que é o interior, ainda existe. Mesmo no Alentejo, isso também se sente muito. Há ali uma descontinuidade territorial. Nós vivemos todos uns em cima dos outros no litoral. Não sei porquê isto é assim. Dou sempre o exemplo de Elvas e Badajoz. São ambas cidades do interior, uma de Portugal, outra de Espanha. Elvas é uma cidade pequena, pouco desenvolvida, e Badajoz é uma cidade vibrante, com 150 mil habitantes, é só atravessar uma ponte. De facto, esta clivagem regional ainda existe, e é acentuada. Há 24 anos, era muito maior. Hoje, para se chegar ao Douro, do Porto é uma hora e tal, ou duas horas, já nem sei. No meu tempo eram quatro ou cinco. Hoje, de Vila Real, onde estudei, até ao coração do Douro são 20 ou 30 minutos. Na altura, eram duas horas. As coisas mudaram muito, mas essa diferença, de alguma forma, também me atraiu, um mundo novo, que achei muito interessante. Não vale a pena dizer que me sinto um homem do campo, mas gosto do campo. Hoje, quando estou a chegar ao Alentejo, tenho um sentimento de pertença, algo que, antes não sentia. Durante anos, quando chegava ao Alentejo, sentia-me quase como um imigrante.

São as assimetrias de se viver em Portugal. O próprio país se predispõe a isso?

Eu tenho um apartamento em Beja há uns anos. Beja é uma cidade — é capital de distrito — e, ainda hoje, não há uma autoestrada que ligue esta capital de distrito. Há uns anos, deitaram areia para os olhos dos alentejanos e construíram uns 10 km de autoestrada, que termina bem antes de Ferreira do Alentejo. Acho isto só trágico-cómico. Eu percebo, é uma pescadinha de rabo na boca: é uma cidade que não dá votos porque tem pouca gente. Como tem pouca gente, não dá votos; como não dá votos, não se investe. E, realmente, acho que é trágico o que acontece no interior do nosso país — que tem coisas incríveis, que tem um potencial incrível — e estamos todos uns em cima dos outros. Tudo o que é investimento vai só para o litoral. E, de facto, é mesmo uma pena.

Podemos considerar que o seu quartel-general é a Rocim e o Alentejo. Mas como é que as influências em outras regiões moldam o seu modo de trabalhar?

O Alentejo é a minha casa, é onde o grande volume de negócios acontece, com os vinhos do Alentejo, mas existem regiões em Portugal que acho fabulosas, sobretudo em termos de qualidade e perfil de vinhos. Posso dar como exemplo máximo o Dão, que é talvez das minhas regiões preferidas de Portugal e muitas vezes nem tanto a qualidade, mas o perfil que conseguimos atingir naquelas regiões, é alcançado de uma forma mais fácil. No Alentejo, temos de nos esforçar mais um pouco. Tem de haver um esforço enológico maior.

Nós temos o privilégio de estar na Vidigueira, que por si só é uma região mais fresca do que o resto do Alentejo, mas estamos a falar de regiões bastante diferentes. E, no fundo, é isso. Trabalhares noutras regiões e, ao atingir certos resultados, inspirares-te para fazeres algo parecido — ou do género — no Alentejo, mantendo sempre a identidade territorial e da região.

Sendo que “um homem do Norte”, o que o levou a escolher o Alentejo como lugar para desenvolver este projeto?

Quando estou no Alentejo, sou um homem do Norte e quando estou no Norte, sou um homem do Alentejo. Passa-se um bocadinho isso em todas as realidades da minha vida. Quando vivia no Porto, dizia que era do Boavista, para não ser do Futebol Clube do Porto. Quando estou no Alentejo, é um bocadinho isso, gosto de ser um pouco do contra. Não tenho essa coisa do "homem do Norte", até porque, aos 18 anos, saí de casa e nunca mais voltei. Fui estudar para Vila Real, depois estive na Austrália quase dois anos, depois fui para o Alentejo. Qualquer coisa que pudesse ter dessa ligação ao “homem do Norte” — não quer dizer que não tenha raízes — mas não é algo que tenha. Sinto-me europeu, às vezes até queria ser menos. Mas, se existe alguma identidade europeia — o que tenho algumas dúvidas — sinto-me mais europeu do que outra coisa. Sinto-me português, mais do que outra coisa.

O Alentejo tem alguns defeitos, mas tem uma qualidade muito interessante: o horizonte. É um espaço de liberdade, de profissionalismo.  Digo isto muitas vezes: faço vinhos em muitas regiões, e o Alentejo, no fundo, tem esta aura de novo mundo dentro do velho mundo. Embora seja uma região com muitas tradições, é um espaço de liberdade, de construção. Sobretudo nos vinhos. E nasceu assim, num passado recente — nos anos 1980, 1990 — como uma forma de encarar o mundo do vinho com uma perspetiva de novo mundo. Depois, de alguma forma, deixou-se estar, acolheu o seu sucesso. E agora está, outra vez — tenho esse feeling — a entrar num novo início, num renascimento do charme do Alentejo, também por conta dos vinhos de talha. E pelas qualidades do território. Volto a repetir: trabalho em muitas regiões e o profissionalismo que encontramos no Alentejo — estou a falar do negócio do vinho, naturalmente — dificilmente o encontramos noutras regiões do país. É, de facto, impressionante.

No dia de São Martinho, vá à adega e prove o vinho (da Talha). Amphora Wine Day volta a marcar a época com edição mais internacional de sempre
No dia de São Martinho, vá à adega e prove o vinho (da Talha). Amphora Wine Day volta a marcar a época com edição mais internacional de sempre Amphora Wine Day créditos: Ricardo Bernardo

Falou nos vinhos de talha e a Rocim é também conhecida precisamente pelas técnicas de vinificação em ânforas. O que é que o atraiu nesta técnica?

Muitas vezes temos de sair da nossa terra para perceber as riquezas que temos cá. É engraçado, porque no ano passado, vendemos 1,5 milhões de garrafas. E de vinho de talha fazemos umas 40 mil garrafas, uma percentagem mínima daquilo que fazemos. Mas, de facto, somos conhecidos por isso. É culpa nossa, uma culpa assumida. E “culpa” nem é a palavra certa. É algo que desenvolvemos e explorámos com muito prazer. Até porque sentimos que o vinho de talha, de alguma forma, veio devolver algum charme ao Alentejo. Quem é que ia provar um vinho de nicho, um vinho mais diferenciado? O Alentejo não era a primeira região que se escolheria.  Há 20 anos, quando comecei, se me dissessem “vais ser conhecido pelos vinhos de talha”, eu ria-me, não é? Não era diferente dos outros enólogos. Para mim, o vinho de talha era um vinho artesanal, feito pelo povo. Nós, enólogos, não tínhamos grande respeito pelos vinhos de talha. Na Rocim sempre se fez vinho de talha, quem o fazia era o nosso caseiro, que também se chama Pedro, o Sr. Pedro. Era feito com os restos das uvas que não queríamos para os vinhos convencionais.

Qual o momento em que decidiu apostar a sério nos vinhos de talha?

Numa ida a Nova Iorque, a seguir à crise de 2008, comecei a sentir, junto sobretudo dos sommeliers mais informados e da restauração mais sofisticada, que já não estavam tão interessados nas grandes marcas, nas grandes regiões, naquele “grande Château de Bordéus da vida”. Procuravam vinhos de regiões mais inusitadas, que de alguma forma, tivessem uma história curiosa para contar. Quase como uma pérola descoberta por eles.

E, no regresso a casa, no avião, pensei “nós temos tudo isso na nossa casa!” Só temos, de alguma forma, de desempoeirar esta história. Ainda por cima, é uma história com dois mil anos. Foram os romanos que, há dois mil anos, trouxeram esta técnica para o Alentejo, e sobretudo para esta nossa região, este triângulo dourado: Cuba, Vidigueira, Vila de Frades. E era só desempoeirar e contar a história. Foi isso que fizemos. Ao contarmos a história, foi um processo importante. Hoje vemos toda esta importância que se dá aos vinhos de talha, mas isto foi algo que começou quando começámos a engarrafar os primeiros vinhos de talha, da colheita de 2011-2012. Até lá, o vinho era vendido aos locais, num garrafão. E esta notoriedade dos vinhos de talha é o resultado de quase 15 anos, no fundo, a comunicar algo que é só nosso. Isto tem uma densidade histórica muito importante.

E é isso que o Ânfora Wine Day vem dar ainda mais relevo, um aporte ainda maior. No fundo, trazemos gente do mundo inteiro para mostrar os seus vinhos de ânfora no Rocim. E tem sido um percurso muito interessante.

Como foi a reação quando investiram nos vinhos de talha mais a sério?

No início, muita gente brincava connosco: “Ah, os da talha, ali da talha não sei quê...” E hoje em dia, toda a gente está a fazer vinhos de ânfora, porque, de facto, é uma técnica muito curiosa. E, numa altura em que se fala de preservar o terroir, de evidenciar o terroir nos vinhos, isto é uma ótima alternativa às barricas de madeira, que marcam muito o vinho com sabores estranhos. A ânfora é um recipiente mais neutro e que, de alguma forma, consegue transportar mais o terroir — e o território — para dentro da garrafa. São vinhos mais puros, mais autênticos, que é algo que todos nós, produtores, buscamos. Há 20 anos, não era bem assim.

Do tempo em que o vinho de talha era feito pelo caseiro, até hoje, o que mudou em termos de produção?

Os vinhos de talha eram feitos pelo Sr. Pedro, que fazia à maneira dele, com as ideias dele. Fazia sempre, com sol ou com chuva, fosse um ano quente ou um ano frio, era sempre naquela data. Ele olhava para as nuvens... e fazia o vinho.

A partir do momento em que o enólogo veste a camisola dos vinhos de talha, começa a querer interferir. Aqui, a minha principal interferência no processo teve a ver com a altura da vindima. Se antes as uvas eram colhidas mais ou menos na mesma altura, ou seja, no final da vindima, comecei a colher cada vez mais cedo porque percebi que o mais importante, nestes vinhos de talha, era preservar a energia, a acidez. E quanto mais cedo colhêssemos, mais acidez, mais energia teríamos. E os vinhos evoluíam melhor.

Qual é o grande desafio que neste momento se vive no Alentejo, se pensarmos nas alterações de clima?

Nós brincamos muitas vezes — e as talhas também nos ensinaram, de alguma forma — que o futuro é o passado. E, nas vinhas velhas, aprendemos muito isso. O problema das alterações climáticas no Alentejo — e falo da nossa experiência — não é o calor. O calor, em si, não é o problema. O problema são os picos de calor. Num dia temos 30 graus, no outro, temos 47. Para a planta, causa um stress gigante. O Alentejo sempre teve temperaturas extremas, quentes, mas estes picos de calor, isto, sim, é uma novidade. E em alguns anos foi dramático como 2017, 2018, 2020 ou 2022. Olhamos para as nossas vinhas velhas e percebemos que, apesar de não terem irrigação, conseguiram lidar melhor com este stress do que as outras. Existem várias diferenças numa vinha velha. A principal é que, nas vinhas novas, temos os cachos todos expostos, há uma exposição muito maior. Nas velhas, as folhas são mais densas, mais retumbantes, e de alguma forma protegem os cachos. E estamos a adaptar essas ideias às vinhas novas, ou seja, deixamos mais folhagem a proteger os cachos. Isso é um exemplo.

Outro, que se fazia antigamente, e que fomos aprendendo com os antigos é que quando estavam estes calores extremos, as pessoas iam com os tratores revolver a terra para, no fundo, empoeirar as folhas e protegê-las. Quase como um protetor solar. Hoje em dia, aplicamos uma argila que, de certa forma, imita esse mesmo processo. E é muito isto: olhar para o passado para entender aquilo que temos de fazer.

A Rocim tem investido em práticas agrícolas sustentáveis. Qual é a importância que a sustentabilidade tem para a marca?

Nós estamos num caminho em já não fazemos branding disso. É obsoleto. A sustentabilidade é um requisito mínimo. Lembro-me, no início dos anos 2000, quando comecei a minha atividade como enólogo, ouvia produtores a dizer: “Ah, nós somos produtores de vinho de qualidade.” Na altura achava aquilo ridículo. Porque qualidade é um requisito mínimo. E hoje ainda existem produtores que dizem isso. Acho isso uma coisa extraordinária. Para mim falar de sustentabilidade hoje é isso: um requisito mínimo. Nós fomos os primeiros, no Alentejo, a pertencer ao Plano de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo, que é um plano muito ambicioso, uma certificação muito rigorosa. E, aí sim, tenho orgulho em ser dos primeiros produtores a ostentar essa certificação. E ela engloba tudo: desde a sustentabilidade ambiental, dos recursos hídricos, tudo o que possas imaginar a nível de proteção da natureza e do ambiente, mas também a sustentabilidade social. Muitas famílias dependem da Rocim. A Rocim tem um papel importante naquela região. O Amphora Wine Day, por exemplo, traz milhares de pessoas à região. Durante quatro ou cinco dias, os hotéis, os restaurantes, ficam todos cheios. A nossa é um dos nossos principais ativos. E tudo isso é sustentabilidade.

Festa ao pôr do sol na Herdade do Rocim marca aniversário com vinhos, petiscos e cantares locais
Festa ao pôr do sol na Herdade do Rocim marca aniversário com vinhos, petiscos e cantares locais créditos: Divulgação

Qual considera ser a filosofia enológica da Rocim e como é que se traduz nos vinhos?

Isto também pode parecer um cliché e já não falo muito disto. Nós tentamos ter uma enologia de mínima intervenção. Não quer dizer que deixamos o vinho estragar-se, não é nada disso. Quando temos de intervir, intervimos. Mas, de alguma forma, trata-se de fazer um vinho que expresse o território da melhor forma possível, sem grandes máscaras. Porque acreditamos que os grandes vinhos do mundo são, exatamente, esses vinhos: os que exprimem o território.

Naturalmente, nós somos enólogos e temos intervenção. O vinho é um produto de intervenção. O vinho não se faz sozinho, mas a nossa intervenção está, cada vez mais, próxima da origem, mais próxima da uva. Se me perguntasses onde é que passo mais tempo durante a vindima, é na vinha, a olhar as uvas, provar as uvas, para decidir a data exata da vindima. Para mim, hoje, essa é a intervenção, como enólogo, mais importante.

Fazer vinho hoje obriga que os enólogos saiam cada vez mais das adegas e passem mais tempo na vinha?

Durante alguns anos, os enólogos eram os rockstars, eram as estrelas. Hoje em dia, já não é tanto assim. Os enólogos perceberam que agora, com os desafios das alterações climáticas, a presença no campo é fundamental para termos vinhos diferenciadores.

Em termos de castas, quais é que considera fundamentais para o estilo de vinho da Rocim?

As castas é um tema interessante e importante. Não tenho verdades absolutas sobre as castas. Se me perguntasses há 10, 15 anos, para mim o Alicante Bouschet era a casta do Alentejo. Hoje, já não acredito tanto, o que não quer dizer que não volte a acreditar daqui a uns anos. Atualmente, não tem tido a performance que imagino para os meus vinhos, nem em termos de perfil, nem de resiliência face às alterações climáticas. Mas estes 20 e tal anos a trabalhar como enólogo deram-me isso: não ter verdades absolutas sobre nada.

Agora gosto muito de trabalhar, no caso dos tintos, com Moreto, Trincadeira e Tinta Grossa, que são castas antigas do Alentejo, que produzem vinhos muito diferenciadores. Claro que ainda gosto de Alicante Bouschet e de Trincadeira, em conjunto. Estas, para mim, são, nos tintos, as castas mais interessantes. Não me peçam é para fazer coisas interessantes com Syrah ou Cabernet Sauvignon. Acho que há países e regiões do mundo fabulosas para se fazerem vinhos com essas castas. Não acho que o mundo precise de mais um Alicante ou de mais um Syrah feito no Alentejo. Vende-se, faz-se, as pessoas gostam, mas eu recuso-me a fazer. Acho que não faz sentido.

E nos brancos?

Para mim, o Arinto é incontornável. É a grande casta do Alentejo, talvez de Portugal também. É uma casta transversal. Digo muitas vezes que os enólogos ainda não vestiram completamente a camisola do Arinto. Todos dizem que o Arinto é uma grande casta, mas depois ainda há poucos a apostarem nele como monovarietal. O Antão Vaz, na Vidigueira, tem uma expressão completamente diferenciadora, consegue produzir vinhos de altíssima qualidade. Para mim, estes são os pilares nos brancos. Depois há coisas interessantes como Perrum, Rabo de Ovelha, Manteúdo, mas que são coisas mais “exóticas”. Quer dizer, não são exóticas, são castas antigas do Alentejo, mas com as quais eu ainda estou a aprender, ano após ano, a trabalhar, sobretudo nos vinhos de talha.

Mas não começa a haver espaço também para elas?

Sim, o mundo do vinho, e os consumidores de vinho, também estão mais abertos a provar um tinto do Alentejo com 12,5 graus e com uma cor muito aberta. Há 15 anos, era bem mais complicado. As pessoas não estavam tão disponíveis para isso, mas isso também mudou. Hoje estão mais disponíveis para provar um vinho que não cheira a maracujá e a provar um vinho com um perfil mais mineral, mais pedra. Ou seja, o consumidor também está mais disponível para estes perfis mais autênticos.

Faz sentido falar-se de identidade do Alentejo, quando há vários Alentejos dentro dele?

Essa é a principal injustiça que se faz ao Alentejo, pelos entendidos. Há muitos Alentejos. Há o da Vidigueira, de Portalegre, da Costa Alentejana, de Borba. É uma região enorme, com territórios muito distintos, com proximidades ao mar distintas, com altitudes distintas. Mas também, se calhar, é culpa da própria região, que, de alguma forma, ainda não conseguiu comunicar bem as suas sub-regiões. Sub-regiões que, se calhar, nem deviam ser sub-regiões,deviam ser DOPs. Isto é uma discussão longa, mas penso que o caminho é esse: ir, cada vez mais, afunilando.

Focando no Amphora Wine Day, é um evento que de ano para ano tem atraído cada vez mais visitantes. Como vê a evolução deste projeto?

Tem sido surpreendente. Lembro-me quando fizemos a primeira edição, em 2018, que a minha ideia era que aparecessem umas 200 ou 300 pessoas. Tivemos logo 800 pessoas. Correu bastante bem desde o início. Tem sido um grande privilégio e uma alegria ver o crescimento deste projeto, da notoriedade do evento em Portugal e além-fronteiras. Tem sido realmente incrível ver a adesão dos produtores de vinho, que são muito importantes, dos patrocinadores, que também são cada vez mais importantes, e do público em geral. Temos um dia em que vão lá milhares de pessoas para sentirem aquele momento, e vejo o Amphora Wine Day com muitos bons anos pela frente. Já tivemos, inclusive, alguns convites para organizar o evento noutras geografias, o que poderá ser um desafio bem interessante. Por isso, existem aqui muitas oportunidades ainda com os vinhos de ânfora.

Mas em Portugal ou fora?

Outras geografias fora de Portugal.

Era um objetivo?

Sim, a ideia deste evento sempre foi essa. Desempoeirar esta tradição milenar e mostrá-la ao mundo. E com o Amphora Wine Day, temos conseguido isso. Existem vários eventos locais, que têm um papel importantíssimo, não me interpretem mal, mas a ideia do evento é, realmente, ser um projeto e um evento de carácter internacional.

Quais são os principais desafios e oportunidades em promover este tipo de vinificação em ânforas a nível internacional?

Acho que os desafios são também as oportunidades. Muita gente me dizia: “Pedro, vê lá, tem cuidado, podes acabar por ser conhecido só pelos vinhos de talha, e tu fazes muito mais do que vinhos de talha.” E é verdade: do universo de 1,5 milhões de garrafas, 40 ou 50 mil são vinhos de talha. Ou seja, a Rocim, se dependesse só dos vinhos de talha para viver, seria complicado. Mas, de facto, os vinhos de talha têm ajudado todo o resto do negócio. Os vinhos de ânfora dão a conhecer a região, o território, a Rocim, naturalmente, e têm ajudado todo o negócio de forma global.

A Rocim é também conhecida pelas parcerias que faz. Como é que surgiu a ideia de começar a desenvolver estas parcerias? Porque falamos de parcerias muito distintas como o vinho com o Bruno Aleixo, a série de “Vinhos do outro mundo”, ou a Sommelier Edition.

Isto, no fundo, vem do resultado daquilo que eu sou, das viagens que faço. Como disse, sinto-me muito bem no campo, mas não o sou. Sou mais alguém da cidade. E fazer crescer o negócio sozinho, achando que a nossa vinha é a melhor do mundo, que o nosso vinho é o melhor do mundo, sempre foi redutor. E rapidamente entendi que estas colaborações me despertam muita curiosidade, dão-me um gozo particular, descobrir novas regiões, trabalhar com outros produtores, outros enólogos, o que for. E tem corrido muito bem.  Naturalmente, são sempre produtos mais de nicho, mas que funcionam muito bem.

O Bruno Aleixo funciona lindamente. A colaboração com a Quinta de Santiago, na região de Monção, que talvez tenha sido a primeira, já existe há bastante tempo, todos os anos fazemos uma edição nova. Um vinho que eu adoro — dos vinhos que mais gosto no portefólio do Rocim — é um que fazemos em colaboração com a Barbeito, na Ilha da Madeira. E há os Nat’Cool, com o Niepoort, também no Alentejo. Com os sommeliers, foi talvez a minha primeira colaboração, em 2013, fiz o primeiro Sommelier Edition. Entretanto, já fiz vários, em vários países, com sommeliers de várias partes do mundo, muitos portugueses, naturalmente. O último que saiu para o mercado foi com o Filipe Wang. Mas já está outro na calha, com um sommelier luso-francês, mas que vive no Dubai. E não vamos parar por aqui.

Como vê o futuro da enologia e da viticultura no Alentejo?

O Alentejo tem muitas subdivisões que não são propriamente enaltecidas. Domina o mercado de vendas, continua a ser líder, mas o Alentejo, não estava no top of mind quando alguém queria provar um vinho de nicho, mais diferenciado. Hoje, também por conta dos vinhos de talha, esse charme tem sido devolvido à região, acredito nisso. E acredito que passa muito por desenvolver cada sub-região. Não há um Alentejo, existem muitos.

Como vê no futuro aquilo que as pessoas consideram um “vinho tradicional alentejano”, mais encorpado e mais alcoólico, quando a tendência de mercado começa a ir noutro sentido?

Acho que isso não tem de ser necessariamente assim. Na Rocim temos vários vinhos tintos com 12,5º, uns com 13º, alguns com 11, 5º. No fundo, a única coisa que fazemos é colher mais cedo, usando castas tradicionais. Ou seja, o Alentejo tem todas as ferramentas para fazer este perfil de vinhos. Em termos comerciais, ainda são esses vinhos mais quentes, mais frutados, mais generosos, mais ricos, que vendem mais. Mas o Alentejo consegue fazer as duas coisas: vinhos que agradam rapidamente ao mercado e vinhos que agradam mais a este nicho. Temos esta polivalência. E os produtores do Alentejo são muito atentos ao mercado e conseguem reagir rapidamente. Vejo o futuro do Alentejo com cuidado, mas também com muita esperança.

Em termos de inovação, como se imagina a explorar o mundo dos vinhos nos próximos anos?

A minha ideia é explorar cada vez menos, porque já faço tantas coisas que as minhas equipas já não me conseguem aturar. A ideia é fazer cada vez menos coisas.

O que gosta mais: criar vinhos ou partilhar conhecimento?

Criar vinhos. Infelizmente — ou felizmente — é uma coisa que adoro fazer. Adoro o ato da prova, de misturar vinhos. É algo que me dá muito prazer. Para mim, ser enólogo é muito isso: imaginar alguma coisa, tendo em conta vários pilares — mercado, gosto pessoal, tendências, identidade — e criar um produto.

E qual a visão para a Rocim nos próximos anos?

A Rocim, já não é "Herdade do Rocim", é apenas Rocim, porque trabalhamos em várias regiões. Temos agora um trabalho importante: deixar de ser este produtor irreverente, sem nunca o deixar de ser, que faz produtos novos e parcerias, para ser também um produtor clássico. É esse o trabalho que vamos fazer, sem nunca perder a nossa identidade criativa, porque isso faz parte de nós o que somos, mas imprimir esse classicismo e transformar-nos numa marca incontornável na região e no país.

Quando não está a trabalhar na vinha, como é que passa o tempo?

Viajo muito, e cada vez adoro mais viajar. Tenho a sorte de ter um filho que também adora viajar, e a minha mulher também gosta. Viajar é algo importante. Descobri, há uns anos — não há muitos — o prazer do exercício físico e do desporto. Foi algo que eu deixei de fazer mais ou menos aos 15 ou 16 anos, e retomei aos 35. Portanto, tive um intervalo de 20 anos, mas descobri isso. E depois arte, leitura. É assim que ocupo o meu tempo. Mas não sobra muito.

E há algum vinho, que não seja da Rocim, que o tenha marcado de forma especial?

Muitos vinhos. Não te vou dar um exemplo, porque muitos vinhos, em épocas diferentes, marcaram-me. Lembro-me que, há muitos anos, bebi um vinho de uma região que gosto muito, que é a Borgonha, e que na altura me marcou muito. Mas que depois, de alguma forma, ficou adormecido. E, nos últimos anos, voltou a despertar. Ou seja, existem muitos vinhos que me marcaram em alturas diferentes, por motivos diferentes. Porque um enólogo não tem sempre o mesmo gosto, vamos evoluindo ao longo dos anos. E isso tem acontecido comigo também.

Para terminar, se pudesses escolher uma pessoa, viva ou morta, para partilhar uma garrafa de vinho, qual seria? E que vinho seria?

O vinho seria um vinho meu, de certeza. Provavelmente um vinho tinto, talvez o Vinha da Micaela, que é um vinho que só tem duas edições, mas que se tornou um clássico instantâneo. E escolheria um morto. Escolheria um morto, até porque viveram numa altura em que o mundo tinha mais charme e era menos complexo. Por isso, escolhia um morto, só não sei qual.