No meio da avalanche de novos conceitos e restaurantes de autor que Lisboa tem visto nascer, o Pica-Pau, aberto em 2022 no Príncipe Real, distingue-se pela escolha de um caminho diferente: uma cozinha portuguesa fiel às origens, feita com bons produtos, técnica cuidada e respeito absoluto pelo receituário. Aqui não há invenções forçadas nem adornos desnecessários. Há, sim, pratos de memória que chegam à mesa tal como os portugueses os reconhecem.

“Tudo o que fazemos é simples, sem invenções nem falsas interpretações”, sublinha o chef. Luís Gaspar, que já passou pelo Pestana Palace, pelo Grande Villa Itália e foi braço direito de Henrique Sá Pessoa antes de se destacar na Sala de Corte, define o Pica-Pau como um regresso às base gastronómicass ou não fossem as suas referências, as “bíblias” de Maria de Lourdes Modesto e Virgílio Gomes.

Quando a ousadia é não inventar. É assim que continua a ser no Pica-Pau em Lisboa
Quando a ousadia é não inventar. É assim que continua a ser no Pica-Pau em Lisboa Salsichas com couve-lombarda com o prato do dia à sexta-feira. créditos: Nuno Correia

No Pica-Pau não há empratamentos artísticos, até porque a imperfeição faz parte da autenticidade. O importante aqui é, acima de tudo, o sabor. “Continuamos com este ADN de respeitar o património e trazer novidades sazonais”, acrescenta o chef. A carta atual entrou em maio e, segundo Luís Gaspar, pode permanecer até ao outono.

No entanto, três anos depois da abertura, o Pica-Pau já tem os seus clássicos. O bacalhau à Brás (20€) nunca saiu da carta desde o primeiro dia. O mesmo acontece com o cabrito assado com arroz de forno de domingo (22€), o arroz de cabidela (16€) — que o chef admite ser “menos democrático” por causa do sangue, mas que surpreendentemente é um dos mais pedidos — ou os rojões de leitão (16€).

“A cabidela foi uma surpresa. Achei que seria rejeitada por muitos clientes, mas acabou por se tornar um fenómeno. Temos procura o ano inteiro”, afirma.

Quando a ousadia é não inventar. É assim que continua a ser no Pica-Pau em Lisboa
Quando a ousadia é não inventar. É assim que continua a ser no Pica-Pau em Lisboa O Chef Luís Gaspar é responsável pelo Pica-Pau. créditos: Nuno Correia

Ao lado destes intocáveis, surgem novidades sazonais que já conquistaram público próprio. A conserva de sardinha com escabeche (8€), por exemplo, atrai sobretudo turistas, pela curiosidade. Já a sopa fria de melão com poejo e presunto (6€) conquistou os clientes portugueses pelo lado fresco e menos óbvio. O arroz de pato (16€), mais consensual, também passou a ser um dos pratos fortes da casa.

Nos petiscos, há muito por onde começar: presunto de porco alentejano (8€), saladinha de polvo com pimentos assados (12€), camarão da costa (9€), gambas ao alho (10€) ou os indispensáveis rissóis de leitão (2 unidades, 6€). E claro, o prato que dá nome à casa: o pica-pau do lombo (19€), que pode ser servido com o indispensável couvert. Pão de Mafra, manteiga dos Açores e molho Pica-Pau (3,5€), do mais simples que pode haver: molho no ponto e pão para molhar.

O restaurante mantém também a tradição dos pratos do dia fixos, que dão conforto à rotina. À segunda servem-se filetes de pescada com arroz de tomate (16€), à terça, entrecosto com ervilhas e ovo escalfado (16€), à quarta, a feijoada de chocos (16€), à quinta, salsichas com couve-lombarda (16€), à sexta, o célebre arroz de cabidela, ao sábado, arroz de polvo (22€) e ao domingo, o cabrito assado com arroz de forno.

De sobremesas, o Pica-Pau oferece clássicos portugueses como o leite creme queimado (5€), farófias com leite creme (5€), mousse de chocolate (5€), pão de ló (5€), morgado do Bussaco (5€), pudim Abade de Priscos (5€) ou fruta da época (4€). Estes doces podem ser harmonizados com um copinho de licorosos ou aguardentes portuguesas, desde moscatéis e vinhos do Porto, bagaceiras e medronhos, numa seleção pensada para completar a experiência à portuguesa.

Quando a ousadia é não inventar. É assim que continua a ser no Pica-Pau em Lisboa
Quando a ousadia é não inventar. É assim que continua a ser no Pica-Pau em Lisboa A loiça deixou de ser de barro, mas continua a ser portuguesa. créditos: Nuno Correia

Cada prato é preparado com respeito pelo receituário português e pela sazonalidade dos produtos, refletindo a filosofia do chef Luís Gaspar de simplicidade, autenticidade e memória gastronómica. São pratos que poderiam sair da cozinha de qualquer casa portuguesa, mas que aqui chegam com técnica afinada e matéria-prima cuidada.

A loiça que já não é de barro e a esplanada que mudou

Ao contrário do que escrevíamos em 2023, a loiça de barro já não chega à mesa. Aquela que ajudou a dar identidade à casa acabou por se revelar uma logística impraticável. “Foi importante para o restaurante, trouxe identidade. Mas, em termos de logística e de operação, era um problema", começa por explicar. “Ou tínhamos uma olaria ao lado, ou era impossível. A loiça ia lascando, e a logística não funcionava. Foi incompatível”, evidencia o chef. Hoje, o Pica-Pau mantém-se fiel à loiça portuguesa, mas fornecida pela Costa Nova.

Quando a ousadia é não inventar. É assim que continua a ser no Pica-Pau em Lisboa
Quando a ousadia é não inventar. É assim que continua a ser no Pica-Pau em Lisboa A esplanada é agora fechada e climatizada, funcionando o ano inteiro. créditos: Nuno Correia

Outro ponto transformado foi a esplanada. No início, era um terraço exposto ao vento e ao calor. “No inverno era desconfortável, com chuva e vento. No verão, o calor afastava os clientes. Assim, isolámos e climatizámos o espaço, e hoje temos esplanada todo o ano”, conclui.

O restaurante ocupa um edifício do século XIX na Rua da Escola Politécnica. Entre bar, sala interior e esplanada coberta, soma cerca de 60 lugares, a que se junta uma cave com adega e sala privada para grupos.

Integrado no grupo Plateform, de Rui Sanches, que conta já com 25 marcas e mais de 150 restaurantes (entre eles Alma, Tapisco ou Brilhante), o Pica-Pau tem a singularidade de ser, dentro de um império da restauração, o restaurante que aposta tudo na não-invenção.

Pica-Pau

Rua da Escola Politécnica, n.º27, Lisboa

Contactos: tel. 212 698 509; e-mail  picapau@restaurantepicapau.pt

No meio de um bairro repleto de espaços modernos e internacionais, o Pica-Pau afirma-se pela diferença: recusa a criatividade e, paradoxalmente, é isso que o torna único.

Três anos depois da abertura, o restaurante prova que a tradição continua a ter lugar em Lisboa. E que às vezes a maior ousadia é não inventar nada.

O SAPO Lifestyle esteve no Pica-Pau a convite.