Com a chegada da internet, do mundo hiperconectado e da era da hiper informação, a sociedade passou a sentir o peso e as consequências de um excesso de estímulos, notícias e informações. Este consumo excessivo de estímulos pode prejudicar a qualidade do sono, a concentração e, em geral, a qualidade de vida de muitas pessoas.

Em 2023, a CNN Portugal publicou uma notícia sobre a diminuição da capacidade de concentração. Segundo a entrevistada, Gloria Mark, professora de informática na Universidade da Califórnia, “Em 2004, a atenção média num ecrã durava cerca de 2 minutos e meio. Alguns anos mais tarde, a duração da atenção era de cerca de 75 segundos. Agora, encontramos pessoas que só conseguem prestar atenção a um ecrã durante uma média de 47 segundos”.

A Perturbação de Défice de Atenção existe e afeta milhares de pessoas. Mesmo que o fenómeno da desatenção esteja a ser amplamente falado em plataformas digitais, a Perturbação de Défice de Atenção existe e prejudica a vida de milhares de pessoas, e muitas delas não são acompanhadas ou devidamente tratadas.

O Défice de Atenção é caracterizado pela dificuldade de concentração, distração e dificuldade em manter o foco numa atividade ou função. Este transtorno afeta e atrapalha a capacidade de finalizar projetos e tarefas, acompanhar reuniões e também aumenta a probabilidade de envolvimento em acidentes domésticos e de trânsito. Além disso, este transtorno causa esquecimentos frequentes, impactando a vida pessoal, laboral e social.

Diferente da falta de atenção causada pelo uso excessivo das redes sociais ou ecrãs, o Défice de Atenção é uma condição neurológica que pode, ou não, estar acompanhada de hiperatividade.

Muito se fala que o Défice de Atenção afeta entre 5% a 10% das crianças em idade escolar, e os dados revelam que é mais frequente em rapazes do que em raparigas. Mas também é importante mencionar que, na idade adulta, esta perturbação geralmente continua a fazer parte da rotina dessas pessoas e gera prejuízos para a vida no trabalho, nos relacionamentos interpessoais, nos estudos e na realização de tarefas simples do dia-a-dia.

Os sintomas do Défice de Atenção persistem em 30% a 50% dos indivíduos na adolescência e na idade adulta. Percebeu-se que, com o avançar da idade, as queixas das pessoas diagnosticadas com o transtorno alteram-se, diminuindo de maneira progressiva a hiperatividade (quando presente, dando lugar à inquietação e à impulsividade), enquanto as dificuldades relacionadas com a capacidade de foco e atenção permanecem constantes ou expandem-se para outras áreas da vida.

Mesmo que a maioria dos diagnósticos sejam realizados durante a infância, existe uma percentagem de pessoas que são diagnosticadas tardiamente na vida adulta ou que não são diagnosticadas, sendo ainda mais afetadas pelo atraso e falta de tratamento.

Os motivos para os diagnósticos tardios podem estar relacionados com várias causas, entre elas: género, geralmente as raparigas apresentam mais sintomas de falta de atenção e menos de hiperatividade; nível de escolaridade dos pais e familiares, o que afeta a perceção dos sintomas na criança; professores sobrecarregados ou salas de aulas com muitas crianças, onde os professores dificilmente conseguem ter a atenção necessária e os sintomas passam muitas vezes despercebidos.

A Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) é uma condição médica que vai muito além de uma dificuldade ou diferença de aprendizagem. É uma perturbação do neuro desenvolvimento que pode perturbar este processo, as emoções e o comportamento da pessoa afetada pela doença. Os sintomas vão além da hiperatividade e do défice de atenção, incluindo prejuízo no planeamento e execução de tarefas, dificuldade na gestão do tempo, dificuldades na organização financeira, desregulação emocional, impulsividade e maior risco, quando não tratados, de desenvolver dependência de álcool e outras substâncias psicoativas.

Antigamente, achava-se que o PHDA era apenas associado às etapas da infância e da adolescência e também era erradamente entendido que o transtorno se solucionava na vida adulta por ser uma questão ligada a uma “criança mal-educada ou com problemas de comportamento”. Além disso, o PHDA é uma condição muito subdiagnosticada. Estima-se que aproximadamente 3% da população portuguesa, ou seja, aproximadamente 314.000 pessoas, têm esta perturbação e não possuem diagnóstico e tratamento adequado.

Independentemente deste prejuízo da atenção estar ou não relacionado à PHDA, é importante que exista uma avaliação feita por um profissional de saúde qualificado (psiquiatra ou psicólogo). Também é bastante conveniente que o tema seja repetidamente abordado e comentado na sociedade para evitar o auto diagnóstico, muitas vezes feito através de vídeos do YouTube, TikTok e outros conteúdos nas redes sociais.

Desta forma, muitos indivíduos afetados por este transtorno poderão identificar-se com os sintomas e procurar a ajuda necessária para viverem com mais qualidade e alcançarem um maior bem-estar.

Um artigo do médico Ricardo Kühni, psiquiatra e autor do workshop “PHDA em Adultos” da plataforma da Mastercare.