O Natal é uma das alturas mais bonitas do ano, certo? As luzes, as decorações e as árvores de Natal. Os presentes embrulhados, os que estão ainda por comprar e as músicas que ecoam repetidamente por todo o lado. A magia do Natal no seu melhor, correto?
Sim... mas Natal não é apenas isto. Natal é, também, para muitas pessoas, uma contagem frenética em modo decrescente e uma corrida contra o tempo que (nos) desgasta e que (nos) corrói e, sejamos honestos em dizê-lo, que pode facilmente exacerbar as dificuldades emocionais e os quadros clínicos já instalados... e esquecemos de dizer também que esse é um presente indesejado.
De repente chegou dezembro e o Natal aproxima-se a passos largos novamente. O ano aproxima-se do fim e entre a fadiga da pandemia e as rotinas do dia a dia, vemo-nos perante uma multiplicidade de solicitações que muitas vezes nos parecem avassaladoras.
Ora são os convívios sociais que proliferam numa agenda cada vez mais preenchida, ora são as listas de presentes que nos empurram para o consumo mais desenfreado, não esquecendo também as expetativas e a idealização de que os presentes têm que ser perfeitos e originais e a pressão adicional que isso traz.
“You better watch out” e “ouvem-se os sinos tocar” sim, mas para assinalar que à mesa da Consoada estão presentes muito mais do que a figura dos convivas. Estão presentes todos mas também as suas dificuldades, as incompreensões e às vezes o que fica subentendido.
Estão presentes as dificuldades que já existiam antes daquele momento (e que podem ser tão mais amplificadas perante todos), os diálogos mais ou menos calorosos e os silêncios que remetem para o que fica por dizer (e esconder também).
E se é assumido que há sempre um lugar a mais à mesa, então que seja para a pessoa e não para a demência do avô, a depressão da mãe ou a adição ao jogo do pai. Que não seja apenas para o luto da tia, ou a perturbação de pânico do filho ou a ansiedade social da prima.
Que não seja ainda para o autismo do filho mais velho ou a hiperatividade do mais novo. Que não seja para o distúrbio alimentar da neta ou tão pouco para a perturbação obsessivo-compulsiva do marido dela. Que não seja para a esquizofrenia do neto nem para a dislexia do irmão dele. Que não seja, por fim, só para o stresse pós-traumático do tio.
Façamos da validação emocional e da empatia a nossa tradição de Natal
Deixemos os rótulos e as etiquetas para os presentes e não para a saúde mental. As pessoas são muito mais do que os rótulos que lhes querem atribuir e não se definem por um quadro clínico e isso deveria ser ponto assente.
O rótulo traz muitas vezes associados o estigma e a vergonha, o que pode conduzir a um aumento do isolamento e da ostracização, o que parece ser francamente incompatível com o espírito natalício.
Por vezes é difícil conviver com alguém que pode ser portador de perturbação psiquiátrica. Partilhar o quotidiano com alguém cuja vivência é distinta da nossa poderá gerar dificuldades em nos colocarmos no lugar do outro e, consequentemente, em saber como agir perante ele.
Agir poderá passar tão somente por se mostrar disponível para o outro, aceitar as suas dificuldades e diferenças e evitar o discurso crítico que em nada contribui para o estabelecimento de pontes. Façamos da validação emocional e da empatia a nossa tradição de Natal.
Num país onde as perturbações mentais, especialmente as de ansiedade e do humor, apresentam uma prevalência elevada, estejamos atentos aos sinais e não descuremos o papel que o auto cuidado tem na prevenção do aparecimento ou agravamento das dificuldades de cada um.
Quando estas assumem um carácter persistente e causam um impacto significativo nas esferas pessoal, profissional e relacional e também no quotidiano da pessoa, é altura de recorrer a ajuda especializada. Ou de sinalizar a alguém que dela necessite.
Isto é para quem ainda tem presentes por tratar mas também para quem já os embrulhou a todos. O melhor presente é estar presente. Para si mesmo e para o outro. E isso não tem preço... tal como a sua saúde mental.
PS: este é o nosso presente para si e esquecemo-nos de juntar o talão de troca!
Texto: Mário Veloso, Psicólogo clínico – Pin Porto
Comentários