Num jardim dos Olivais, em Lisboa, perto da casa onde mora com Pedro, também ele duplo transplantado (rim e pâncreas), Liliana caminha com determinação, com os olhos do cão-guia “Madrid” a abrir-lhes o caminho.
“É os nossos olhos e dá-nos confiança para andar na rua com mais destreza, mais liberdade e correr menos riscos, como cair em buracos ou bater em carros estacionados no passeio”, explica Pedro, de 33 anos, fazendo um afago ao cão que, após três anos em lista de espera, conseguiu ter.
Pedro e Liliana formam um casal único. Ambos com duplo transplante há seis anos (em agosto de 2013 e maio de 2014, respetivamente), caminham com a confiança que a companhia de “Madrid” lhes oferece, com a consciência de que o mais difícil já passou.
“A maior dificuldade é ter sede e não poder beber”, conta Pedro, lembrando que é de Castelo Branco e que os verões de mais de 40 graus celsius são insuportáveis de aguentar sem poder beber líquidos.
Diabéticos desde criança, cedo se habituaram às regras da doença. Mas se Liliana contava com um “grande suporte familiar” para ajudar nos “doces sem açúcar” nas festas, Pedro confessa que, apesar da diabetes, “esticava a corda”.
Depois de anos a fazer hemodiálise, foi aos 23 anos que a prova de fogo chegou: “Ia a sair de casa e senti um clique, um estalinho na cabeça, como se fosse o rebentar de um elástico. Quando abri os olhos estava tudo branco. Consegui orientar-me, voltei para casa. Fui ao hospital e ainda fui operado, mas não havia nada a fazer.”
Pedro explica que “o nervo ótico tinha rebentado e que isso não tem regressão”.
Hoje, ambos concordam que o duplo transplante lhes ofereceu uma vida normal. “É passar da noite para o dia, voltar a ter uma vida normal, com as restrições que uma pessoa normal deve ter”, explica Pedro, lembrando que agora pode beber água sempre que lhe apetece.
“A sensação de liberdade é indescritível… há um sentimento de gratidão por todas as pessoas envolvidas, desde médicos, a família e amigos, mas o principal foi parar a diálise. Eu já não me lembrava de como era não ser diabética”, conta Liliana, que vê o transplante como “um renascer”.
“Dou ainda mais valor à vida”, acrescenta Liliana, que falou com a Lusa nas vésperas do Dia Mundial do Rim, que se assinala na quinta-feira.
A quem sofre de insuficiência renal, aconselha a “cumprir o que o médico assistente diz e acreditar sempre”.
“A vida exige-nos coragem e nós temos de ser corajosos. Vale a pena. Apesar do que passámos, foi graças a este processo que nos apaixonámos”, conta Liliana, brincando: “Não deixa de ser irónico que duas pessoas que não veem acabaram por se conhecer enquanto assistiam a um jogo de futebol.”
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