Como vivem os idosos em Portugal?
Para responder a esta pergunta sirvo-me de um estudo da população residente na União Europeia (UE), feito pelo Eurostat a propósito do dia Internacional do Idoso de 2021. O estudo tem dados curiosos (quase todos relativos a 2020) e que permitem tirar algumas conclusões, relativamente à forma como vivem os idosos em Portugal, tanto em termos absolutos como comparando com a média dos outros países.
Por exemplo esse estudo revela que Portugal é o país da UE com menor percentagem de idosos a viverem sós, o que é um facto positivo.
Outros dados, menos interessantes para Portugal, permitem concluir que, no nosso país, cerca de 29% da população idosa passa frio no Inverno. Este valor contrasta negativamente com o da União Europeia, que é de cerca de 9% e mostra uma triste realidade. Como Portugal tem um clima relativamente temperado, mas com o termómetro a baixar dos 0ºC em várias regiões do país, nunca foi uma prioridade investir no aquecimento das casas, com consequências muito negativa para a saúde e a qualidade de vida da população em geral, e dos idosos em particular.
Também é interessante verificar que, comparando com a média dos países da UE, a população idosa portuguesa pratica pouca atividade física e utiliza bastante a internet, mas tem poucos conhecimentos informáticos.
A partir destes e de outros dados, atrevo-me a dizer que, em média, os idosos residentes em Portugal vivem relativamente acompanhados, em casas com conforto insuficiente, dispõem de cuidados de saúde que lhes permitem ter uma expectativa de vida, aos 65 anos, superior à média do países da UE e que deviam praticar mais exercício físico e ter mais apetência por aprofundar o conhecimento.
Como é encarado o envelhecimento pela sociedade?
Embora não consiga responder a esta pergunta com a mesma profundidade de um sociólogo, arrisco-me a dizer que os idosos nem sempre são tratados pela nossa sociedade com o respeito que merecem. Um problema central é o baixo valor das pensões de velhice e de sobrevivência, que não permitem que uma pessoa idosa sobreviva com as condições económicas mínimas para ter uma velhice digna.
Muitos dos nossos idosos têm pensões “de miséria” e, em vários casos, essa magra pensão tem que ser partilhada com outros membros da família: filhos, netos ...
As dificuldades materiais, muitas vezes associadas a uma fragilidade física e a um certo isolamento familiar, fazem com que muitos idosos tenham os últimos anos de vida sem a dignidade que merecem.
Em situação de doença, o frágil equilíbrio que possa existir quebra-se e tudo se complica. O idoso é internado, melhora um pouco mas, muitas vezes, tem alta hospitalar em situação de dependência.
O grande problema é que uma grande percentagem de famílias não está preparada para receber em casa um idoso dependente, não existe vaga para o colocar numa unidade de cuidados continuados, nem têm dinheiro para suportar os custos de um lar de idosos.
Por outro lado, tenho assistido a pequenas alterações na sociedade, que indiciam uma progressiva falta de consideração pelos mais velhos. Um exemplo desta “evolução” é o cada vez mais utilizado tratamento “por tu” utilizado pelos mais novos, no seu relacionamento com idosos que não conhecem.
Como última nota, não posso deixar de salientar o meu receio de, com o constante envelhecimento da população, comece a haver uma maior competição entre gerações e as sociedades comecem a considerar os idosos como um “fardo” e a retirar-lhes direitos.
Em contraponto com este aspeto tão importante e tão negativo, existe o facto da sociedade reconhecer, aos idosos, o direito de terem primazia em algumas situações, como em transportes públicos e em filas de espera.
A velhice é uma fase boa ou má da vida?
As pessoas envelhecem de uma maneira tão distinta, que não é possível encontrar uma resposta que seja reprodutível para o conjunto da população portuguesa. Uma pessoa idosa que viva numa família alargada, rodeada de filhos e netos, que mantenha o contacto com amigos de infância e de juventude, que não tenha problemas económicos que limitem demasiado as suas escolhas, nem problemas de saúde que lhe afetem a qualidade de vida, tem toda a probabilidade de gozar a sua velhice com prazer. Por outro lado, uma outra pessoa que vive só ou com familiares que a desconsideram, que tem dores frequentes, que tem dificuldade em “esticar” o dinheiro da pensão de reforma até ao fim do mês, não se pode considerar numa fase boa da vida.
Vou enumerar 3 fatores fundamentais para impedir que a velhice seja considerada uma boa fase da vida: a solidão e o isolamento, e a sensação de insegurança que lhe está associada; a perda de dignidade, decorrente de relações familiares ou de problemas económicos; o sofrimento causado por problemas de saúde que provoquem sintomatologia dolorosa mais ou menos intensa.
Com cada vez mais portugueses mais velhos, na sua opinião, sabemos viver com qualidade a terceira idade? Ou é-nos permitido ter qualidade de vida na terceira idade?
O primeiro aspeto a ter em conta é que não podemos confundir qualidade de vida com felicidade. Uma pessoa pode não ter uma boa qualidade de vida mas ser feliz, por viver de acordo com as suas (baixas) expectativas.
Mais uma vez, as condições económicas, não sendo a única condição, são determinantes para que um idoso saiba e possa viver com qualidade.
Para além deste aspeto, os idosos que não tenham a infelicidade de tropeçarem numa doença que lhes cause sofrimento, que não se sintam sós e abandonados, que gostem e possam ter atividades como ler, escrever ou pintar, e que tenham literacia suficiente para usufruírem de algumas coisas positivas que as novas tecnologias nos oferecem, podem passar os últimos anos de vida com um certo grau de conforto e bem-estar.
Dando um exemplo da medicina, uma maneira de melhorar a qualidade de vida dos idosos que se cruzam com doenças oncológicas, ou com qualquer outra patologia que cause sofrimento, é a do Estado fornecer cuidados paliativos competentes e com uma distribuição homogénea em todo o país.
A terceira idade prepara-se?
Costumo dizer: Planear é preparar o futuro, adiar é negar esse mesmo futuro.
Tendo esta frase em mente, considero fundamental que essa preparação se vá fazendo ao longo da vida, não só para salvaguardar o melhor possível as questões económicas mas, também, para se começar a pensar sobre o que gostaríamos de fazer depois de estamos reformados. No início do capítulo dedicado à reforma, a que chamei Finalmente Domingo, refiro a importância de se procurar economizar uma percentagem do vencimento, assim que se chega ao mercado de trabalho, para fazer face a necessidades futuras, nomeadamente aquelas que surgem após já estarmos aposentados. Se é verdade que esta faceta económica deve começar a ser planeada relativamente cedo, não é menos verdade que a resposta à pergunta: “o que queremos fazer após chegar o dia da reforma?” poderá começar a ser equacionada mais tarde, na maioria dos casos a partir dos 50 anos de idade.
No seu livro ‘Saber Envelhecer’ dedica um capítulo inteiro à reforma. Estando nós a viver numa sociedade em que parar não é uma prioridade, é difícil para os portugueses tirarem partido da sua reforma?
Como quase tudo na vida, podemos tirar maior ou menor partido da reforma de acordo com os nossos interesses e expectativas. No livro que escrevi, foco dois exemplos que considero importantes: o caso do Japão, onde é relativamente frequente verem-se idosos a tratar de jardins públicos (atividade que é ótima para o corpo e para a mente); o artesanato, que é uma boa atividade para ser exercida por pessoas já aposentadas e que tem o benefício adicional que preservar a herança cultural regional.
Outras atividades possíveis, depois da reforma, são exercer voluntariado e voltar a estudar, possivelmente numa área diferente daquela que foi exercida ao longo da vida profissional. Para que seja possível regressar aos estudos, é muito importante reinvestir na dinamização das universidades seniores, que viram a sua atividade suspensa durante a pandemia Covid-19.
Como vemos, há um mundo de possibilidades que se abrem depois de nos aposentarmos, cujo limite é a nossa imaginação.
Qual a maior dificuldade que os idosos enfrentam atualmente em Portugal?
O reduzido valor das pensões de reforma constituem uma das principais dificuldades que os idosos enfrentam atualmente. Na área da saúde, identifico como principal problema a progressiva saída de profissionais (em especial enfermeiros e médicos) do SNS, que já estão a condicionar dificuldades de atendimento, que se podem agravar no futuro próximo. Nesta situação, a grande maioria dos idosos não tem possibilidade de implementar um “Plano B” , que seria contratar um seguro privado, não só por problemas de custo desse seguro mas, também, por dificuldades em encontrar planos de seguro que abranjam pessoas em idade sénior, em especial se já tiverem problemas de saúde.
Em termos de alimentação, que cuidados é que devemos ter conforme vamos envelhecendo?
A primeira noção que os idosos devem ter é a de que é muito importante beberem água, mesmo que não tenham sede, porque a hidratação do nosso corpo é um primeiro passo para uma vida saudável.
Embora seja verdade que existem componentes da alimentação que devem ser consumidos com moderação, como os doces, o sal, as gorduras e as bebidas alcoólicas (por serem fatores de risco para diversas patologias, como a diabetes, e as doenças cardiovasculares), não nos podemos esquecer que, por vezes, a alimentação é um dos poucos prazeres que ainda resta a uma pessoa idosa. Esta realidade não deve ser esquecida pelos profissionais de saúde – nomeadamente, médicos, nutricionistas, dietistas e enfermeiros – quando aconselham uma dieta alimentar, em especial quando estamos perante uma pessoa com uma esperança de vida relativamente curta.
Um outro aspeto que não deve ser descurado é o de termos a preocupação de olhar para a boca do idoso antes de aconselhar uma dieta, para nos podermos aperceber de alguma dificuldade na mastigação que possa ter, decorrente, por exemplo, da redução do número de dentes ou de uma placa dentária mal adaptada. Nestes casos, temos que propor uma dieta mais mole, que não necessite grande esforço de mastigação.
A saúde mental na terceira idade é um tema com pertinência que aborda no seu livro. Este é um fator negligenciado pelos médicos que acompanham doentes seniores? Ou acredita que o paradigma está a mudar?
Salvo raras exceções, a generalidade dos médicos que trabalham no SNS, tanto a nível hospitalar, como nos centros de saúde, têm formação especializada. No caso dos médicos de família, que são os profissionais que diagnosticam e tratam a grande maioria das doenças do foro mental, nomeadamente a depressão e as demências, esses conhecimentos são aprofundados durante os estágios nos serviços de Psiquiatria e de Neurologia e sedimentados na pratica clínica.
Por vezes, a dificuldade maior prende-se com a referenciação hospitalar dos casos mais graves, que precisam de ser encaminhados para consultas de Psiquiatria. Alguns destes serviços hospitalares têm tempos de espera demasiado longos, que são difíceis de gerir pelo médico de família e, sobretudo, pelos familiares e restantes cuidadores.
Neste momento, não vejo com apreensão o aparecimento de novas doenças do foro mental, mas não excluo a hipótese destes períodos de confinamento que tivemos nos últimos 2 anos tenham levado a um maior número de casos de depressão e a um agravamento de situações de demência.
Pode explicar aos nossos leitores o conceito de polifarmácia que apresenta no seu livro? Este é conceito muito pouco explorado no nosso país. Quais as vantagens e desvantagens?
Falamos em “polifarmácia” quando um idoso toma 5 ou mais fármacos diferentes, para chamar a atenção que essa pessoa está em maior risco de vir a ter efeitos adversos de algum desses medicamentos que está a tomar ou de uma interação entre eles que seja prejudicial ao organismo.
Um princípio ético da medicina é o de primum non nocere, isto é, o primeiro cuidado que devemos ter em atenção é o de não tomar nenhuma atitude terapêutica que seja prejudicial ao doente. É de acordo com este princípio básico que devemos receitar o menos número de medicamentos possível, e sempre na dose mínima que seja eficaz, possivelmente porque vivemos numa sociedade de consumo, onde se valoriza mais o profissional que consome muitos recursos do que aquele que é mais ponderado na sua atividade clínica.
Conta-se de uma maneira mais ou menos anedótica, situações de pessoas que saem desgostosas de uma consulta médica, comentando: - Não gostei deste médico, não me receitou nada.
O que o levou a escrever este livro dedicado aos desafios da terceira idade?
O livro nasceu como resposta à pergunta: o que quero fazer depois de me reformar? Uma das hipóteses que coloquei foi a de escrever um livro que, para além de ajudar a satisfazer o meu gosto pela escrita, possibilitasse partilhar com pessoas sem formação médica saberes que fui adquirindo ao longo de 40 anos de prática clínica e que considerei merecerem ser transmitidos. O objetivo inicial era o de restringir o projeto a uma edição de autor, para oferecer a familiares e amigos, mas o facto da leitura do texto ter despoletado comentários tão elogiosos, levou-me a propor a sua edição comercial junto da editora Lidel, que prontamente aceitou o desafio.
Em traços gerais, o que é urgente e o que falta fazer para dar mais qualidade de vida aos idosos em Portugal?
Respondo a esta questão através de 3 exemplos:
- Maior promoção da atividade física na 3ª idade, através de sinergias entre as câmaras municipais (com a colaboração de profissionais de educação física que possam existir a nível concelhio), as juntas de freguesia e a sociedade civil.
- Promoção da leitura na 3ª idade, com uma maior dinamização da rede de bibliotecas públicas, mais uma vez através de sinergias entre as câmaras municipais, as juntas de freguesia e a sociedade civil.
- Implementação de uma rede nacional de centros de dia, eventualmente em interação com ONGs, em que idosos pudessem passar as manhãs e as tardes em centros específicos, acompanhados por outros idosos e orientados por pessoal qualificado, e fossem pernoitar a suas casas. Claro que estes centros deveriam ser submetidos a avaliações regulares, numa atitude proactiva que procurasse evitar situações graves de maus tratos, como aquelas que surgem ocasionalmente na comunicação social.
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