Em declarações à agência Lusa, Isaura Tavares, docente da FMUP, revelou hoje que o estudo, distinguido com o Prémio Grunenthal Dor 2020, pretendeu avaliar a questão da neuropatia, isto é, a dor induzida pelo tratamento oncológico com agentes citostáticos.

A neuropatia caracteriza-se por um aumento da sensibilidade a estímulos dolorosos, mas também aos que não deveriam causar dor. Esta complicação é comum no tratamento do cancro e afeta significativamente a qualidade de vida dos doentes.

“Este é um assunto por vezes esquecido, porque, quando uma pessoa está a lutar contra um problema oncológico, o foco é o cancro e muitas vezes esquecemo-nos que as pessoas deixam de poder ser tratadas porque os citostáticos têm muitos efeitos colaterais, sendo um deles destruir os nervos periféricos”, afirmou.

Os agentes citostáticos, usados em função do tipo de cancro e de acordo com ‘deadlines’ estabelecidas, impedem que as células cancerígenas se repliquem. No entanto, ao mesmo tempo, estes agentes “vão destruir os componentes das células do sistema nervoso periférico, acabando por produzir sensações de dor” no doente oncológico.

“As pessoas ficam desesperadas, não conseguem por a mão debaixo de água porque é doloroso, é um aspeto que afeta a qualidade de vida do doente quando ele está a ser tratado e muitas vezes isto persiste nos sobreviventes de cancro”, salientou Isaura Tavares.

Com o intuito de perceber como é que o “cérebro controla a dor”, os investigadores têm vindo, desde há cinco anos, a estudar a questão em vários modelos animais, nos quais mimetizam um ciclo de quimioterapia.

“Ao fim de algum tempo, estudamos os nervos dos animais, como é que é o seu comportamento em relação aos estímulos e analisamos partes do cérebro para perceber como é que estão os sistemas que controlam a dor”, observou a investigadora.

O estudo, que lança uma “nova luz” sobre os mecanismos neurológicos subjacentes à dor e aos sintomas da neuropatia induzida pela quimioterapia, concluiu que o sistema nervoso central é “indiretamente afetado pela lesão dos nervos periféricos”.

“Entre as áreas do cérebro afetadas estão áreas envolvidas no controlo da dor”, explicou.

Por esse motivo, Isaura Tavares sugeriu o desenvolvimento de novos fármacos que, ao combinar mecanismos de ação diversos, “aumentem a eficácia do tratamento da neuropatia”.

À Lusa, a investigadora revelou ainda que outra parte do estudo, que ainda não foi publicada, mostra que a ansiedade é ativada nos modelos animais como consequência do comportamento do cérebro.

“É muito interessante porque quando pensamos no doente oncológico, pensamos que ele pode estar com uma enorme ansiedade e todas as comorbidades associadas por causa do cancro, mas pode acontecer, os próprios citostáticos por si, pelas alterações que induzem, podem contribuir para este fenótipo da ansiedade”, esclareceu.

O objetivo dos investigadores é agora perceber se as pessoas que são expostas aos agentes citostáticos podem, mais tarde, vir a alterar a sua perceção à dor e como é que o sistema nervoso se adapta a longo prazo.

“Queremos estudar estes animais a longo prazo para ver como é que o sistema nervoso se adaptou, se se readaptou, se voltou ao normal ou se simplesmente fica afetado para sempre”, acrescentou.

A investigação básica desenvolvida por Isaura Tavares foi distinguida com o Prémio Grunenthal Dor no valor de 7.500 euros.