As luzes apagaram-se. Os ecrãs ficaram negros. As redes silenciaram-se. Num ápice, Portugal e Espanha mergulharam num vácuo que não era só elétrico: era existencial. Um silêncio que nos expôs. Um silêncio que nos ensinou.

Sem pré-aviso, o país descobriu que a sua normalidade depende de fios invisíveis que tomamos por garantidos — até deixarem de funcionar. Nesse vazio, como sempre, germinou o medo. Mas também, para quem soube escutar, nasceu uma lição.

Comecemos pelo que não caiu. As rádios resistiram. Foram farol na noite escura, firmes enquanto tudo falhava. Ao contrário de apps e redes sociais, foram voz contínua, espinha dorsal de uma comunicação de crise. E, no entanto, nem isso bastou. Porque faltou o essencial: um rosto, uma voz no Governo que dissesse com clareza — “estamos aqui”. Sem essa figura de autoridade, cada um falou por si, cada um agiu por instinto. E, quando o Estado cala, o pânico grita e a desinformação cresce e assusta.

O preço deste silêncio? Prateleiras vazias. Corrida aos supermercados. O fantasma de 2020, outra vez. Não devemos julgar quem correu atrás de pão, água e velas. Quando não há informação, a imaginação ocupa o vazio — e raramente o faz com doçura. É por isso que urge rever o plano de comunicação nacional, coordenado, claro e sem hesitações, com uma única fonte, fidedigna e próxima da população.

Importa também reconhecer o que correu bem. Houve serenidade de quase todos os partidos políticos e as equipas no terreno foram rápidas. Profissionais de saúde, forças de segurança, técnicos, jornalistas, muitos permaneceram ao serviço, com entrega e competência. Isso deve ser celebrado. Porque a crítica sem o reconhecimento é injusta.

Na saúde, a sombra do apagão foi longa. Frigoríficos clínicos desligados da corrente elétrica, podem ter colocado em risco milhares de vacinas e fármacos sensíveis ao frio. Estamos a falar de património clínico e económico de alto valor. Vacinas pediátricas, insulinas, medicamentos cuja conservação depende de temperaturas controladas. Perder estas reservas significa atrasar tratamentos, comprometer campanhas de vacinação e, em última análise, colocar vidas em risco. E tudo isto com custos: cada dose de vacina pode valer entre 10€ e 150€, multiplicando-se rapidamente em milhares de euros por unidade de saúde.

Ora se os hospitais públicos já estão preparados com geradores, em muitos centros de saúde este tipo de solução ainda não existe. Mas há alternativas e são simples. Em primeiro lugar, nenhuma unidade de saúde deveria funcionar sem um sistema de energia de emergência dedicado à rede de frio, seja através de geradores automáticos, seja por UPS (sistemas de alimentação ininterrupta), capazes de garantir o mínimo funcionamento durante horas críticas. Torna-se assim urgente investir em fontes de energia renovável com armazenamento local. Baterias como as Powerwall, desenvolvidas pela Tesla, já alimentam casas inteiras na Austrália durante apagões.

Se isto aconteceu no Serviço Nacional de Saúde, pergunto: como estarão os privados? Estarão todas as farmácias comunitárias, sobretudo as pequenas, de aldeia preparadas para um apagão prolongado? Terão geradores? Terão um plano de contingência? Temos alguma forma de garantir que os medicamentos essenciais não se perderam? Há algum tipo de supervisão pelo Estado?

Há coisas que nos habituámos a aceitar como se fossem normais mas não são. Uma delas é vermos escolas, serviços municipais e edifícios públicos essenciais a funcionarem como se o século XXI ainda não tivesse chegado. É inaceitável que continuem sem painéis solares, sem baterias de armazenamento, sem qualquer sistema energético alternativo que permita responder a falhas na rede elétrica. Como se a eletricidade fosse eterna e infalível. Porque um país verdadeiramente desenvolvido não pode depender apenas da rede elétrica convencional. Porque a resiliência constrói-se antes da crise — nunca durante a emergência.

Mas, curiosamente, foi no escuro que se acendeu outra luz. Houve tempo fora do digital. Houve miúdos a jogar cartas, a conversar, a verem os seus pais a cozinhar com brasas. Muitos entenderam, finalmente, por que razão os avós jantavam cedo: porque depois já não havia luz. Esse regresso forçado ao essencial, ao tempo presente, foi talvez a maior metáfora do dia. Quando a tecnologia falha, o humano reaparece.

Que este dia nos sirva não só para identificar o que correu mal, mas para garantir que, na próxima vez, estaremos preparados. Porque haverá uma próxima vez. E, quando ela chegar, teremos de estar um pouco mais prontos e um pouco mais unidos.