Os tumores do rim são uma doença relativamente pouco frequente: 3 a 4% de todos os casos de cancro. Dos novos casos diagnosticados de doença oncológica, é a sexta causa nos homens e a oitava nas mulheres nos Estados Unidos e Europa. Tal como as demais doenças oncológicas, pode ser fatal se não tratada. Mas, identificada a tempo, pode ser perfeitamente erradicada, curada.
A boa notícia é: nos últimos cerca de 20 anos, este tipo de tumor tem sido diagnosticado numa fase mais precoce e, portanto, com melhor prognóstico! Porquê? Porque hoje em dia temos mais e melhores exames de diagnóstico e, principalmente, uma muito maior generalização destes (TAC e ecografia, principalmente). Por isso, o diagnóstico deste tumor acaba por ser um achado, ou seja, muitas vezes há um exame de imagem que é pedido por outra razão médica e, por mero acaso, acaba por se identificar este tumor.
Isto quer dizer que todos devíamos fazer uma TAC ou ecografia regularmente? Seguramente que não, pelo menos por este motivo: os exames de rastreio (despistagem) em oncologia, e para a população em geral, são determinados pela frequência (incidência) de uma determinada doença na população e pela capacidade diagnóstica do exame respetivo. Não nos podemos esquecer dos custos de aplicar um exame de forma massiva à população em geral, sendo que estes se referem não apenas à carga económica, mas também a eventuais efeitos secundários (por assim dizer) decorrentes dos próprios exames - uma TAC tem radiações e a dose acumulada em, por exemplo, 20 anos de um exame anual destes não é desprezível.
Fruto desta maior capacidade de diagnóstico, verifica-se um ligeiro e progressivo aumento dos novos casos de cancro do rim, mas também uma redução da mortalidade por esta doença, uma vez que passou a ser, de forma geral, diagnosticada mais cedo.
Se o diagnóstico de tumor do rim, na maior parte das vezes, é, portanto, o resultado de um acaso, noutras circunstância pode ser estabelecido na sequência de exames pedidos para esclarecimento de queixas relacionadas com esta doença: tipicamente sangue na urina e dor ou tumefação na região do rim.
Por que surgem estes tumores?
Na maior parte das vezes, são um acaso. Outras vezes (menos vezes), pode haver uma predisposição familiar/genética que pode conduzir a isso. Hoje em dia, reconhecem-se algumas situações em que a sua ocorrência parece facilitar/aumentar a probabilidade de aparecimento destes tumores – são os chamados fatores de risco. Não quer dizer que quem os tenha venha a desenvolver esta doença, mas potencia o seu aparecimento. Para os tumores do rim, consideram-se como fatores de risco o tabagismo, a obesidade e a hipertensão arterial.
Como já referido, os tumores do rim são atualmente diagnosticados em fase mais precoce do que o eram há 20 ou mais anos e este é um dado de máxima importância, porque a eficácia de qualquer tratamento em oncologia é sempre maior se a doença for menos extensa. Algumas variáveis reconhecem-se como muito importantes na definição do prognóstico, bem como na escolha dos tratamentos mais adequados. Entre estas, a mais importante é o estadio da doença.
O que se entende por estadio?
O estadio de uma doença oncológica é, por assim dizer, a fase de desenvolvimento/crescimento em que o tumor se encontra. O cancro (mesmo sentido de tumor) é uma doença em que, por definição, as células que o constituem crescem e se multiplicam de forma descontrolada, tendo o potencial de crescerem indefinidamente no órgão onde nascem e, ao fim de algum tempo, poderem também espalhar-se para outras partes do corpo, outros órgãos. Quando falamos em estadio da doença oncológica, procuramos definir qual a extensão da doença no órgão, neste caso, no rim, bem como se existe ou não doença noutros órgãos, em particular nos gânglios próximos do rim ou noutras localizações mais distantes, que se designam de metástases. Compreensivelmente, ter menos doença significa ter melhor expetativa de cura, especialmente na ausência de metástases.
Como se trata o tumor do rim?
Antes de mais, é bom lembrar que nos tempos atuais qualquer tratamento oncológico é / deve ser sempre fruto de uma avaliação por vários especialistas. As chamadas reuniões multidisciplinares ou reuniões de grupo deverão ser o centro da decisão terapêutica. Como diz o nome, estas reuniões juntam os vários especialistas que tratam ou diagnosticam estas doenças, como por exemplo, urologistas, oncologistas, radiooncologistas, radiologistas ou anátomo-patologistas.
Porquê “tantos” especialistas?
Pelo menos por duas ou três razões: uma, porque a doença oncológica é uma doença não estática, que evolui, e em cada fase da doença há um especialista que estará mais qualificado para a tratar; outra razão é porque a medicina tem hoje um grau de especialização tal que não é possível um só especialista dominar todas as áreas; e uma terceira razão, porque é da conjugação da experiência e perspetiva de cada um dos especialistas envolvidos que poderá resultar uma melhor decisão.
Que armas dispomos para tratar o cancro do rim?
Em primeiro lugar temos a cirurgia, realizada pelo urologista. É o tratamento que, sendo tecnicamente possível e adequado à circunstância (estadio), melhor perspetiva de cura pode apresentar. De modo geral, são candidatos à cirurgia os doentes em que a doença está limitada ao rim e não passou para outros órgãos. Exceções a esta regra só as que resultam de avaliação muito individual e sempre com base no parecer de um conjunto de especialistas. Classicamente, a cirurgia destes tumores consiste em tirar o rim (nefrectomia), mas, hoje em dia, nalgumas circunstâncias é possível retirar apenas uma parte do rim.
Quando a doença passou para outros órgãos, isto é, metastizou, então o controle da doença passa pela utilização de medicamentos. Em oncologia, tradicionalmente, a estes medicamentos dava-se o nome genérico de quimioterapia, mas, na realidade e salvaguardando tipos de tumor muito, muito raros, no cancro do rim a quimioterapia nunca teve grande utilidade e há mais de 20 anos que, de todo, não é usada. Hoje em dia, a base do tratamento da doença metastizada no cancro do rim é um conjunto de medicamentos globalmente designados como terapêuticas-alvo e a imunoterapia. Individualmente ou em conjunto, na última dezena de anos, este tipo de medicamentos veio alterar e muito a eficácia do controle da doença em muitos doentes. A radioterapia é, também, um recurso que pode ser utilizado, de uma forma mais pontual, isto é, localizada, no controle da doença metastizada.
No cancro do rim, como em todos os outros tipos de cancro, percebe-se, hoje em dia, por análises mais finas (de anatomia patológica ou por caracterização molecular), que não existe um único tipo de tumor do rim, mas sim vários. É igualmente possível perceber que os tumores apresentam determinadas características que modificam o prognóstico e/ou definem antecipadamente que certos medicamentos serão mais ou menos eficazes
Por fim, uma palavra para um aspeto já referido: embora sejam minoritárias, existem, de facto, situações em que se pode verificar uma predisposição genética para desenvolver este tipo de cancro. Em particular, a ocorrência de outros tumores (do rim, mas não só) em familiares próximos, de determinados tipos de tumor (em anatomia patológica) ou de alterações moleculares podem levantar a suspeita de se estar perante um caso desses e justificar a orientação do doente a consulta de Genética, no sentido de se verificar a necessidade de se realizarem determinados exames que possam (ou não) confirmar essa suspeita.
Um artigo do médico António Quintela, especialista em Oncologia no CHULN - Hospital de Santa Maria e no Hospital CUF Descobertas.
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