Healthnews (HN) – O CardioGAP+ surge num contexto em que as doenças cardiovasculares continuam a ser a principal causa de morte em Portugal. Como nasceu este projeto e por que foi escolhida a comunidade fabril de São João da Madeira para a sua implementação?

Professor Rui Batista (RB) – São João da Madeira é reconhecidamente uma das localidades da região de Entre o Douro e Vouga com maior pendor industrial, sendo caracterizada por um tecido empresarial dinâmico e de referência em muitas áreas tecnológicas. As relações privilegiadas entre a Câmara Municipal, a Associação Industrial e Comercial e a ULS Entre o Douro e Vouga proporcionaram esta implementação local em São João da Madeira.

HN – Qual é o processo específico de avaliação e triagem dos trabalhadores durante as consultas de Medicina do Trabalho, e que critérios são utilizados para identificar os indivíduos de alto risco cardiovascular?

RB – O projeto CARDIOGAP+ baseia-se na implementação de uma estratégia de base populacional, isto é, aplicar-se-á a todos os trabalhadores que assim desejem. Os trabalhadores que tenham um score de risco cardiovascular muito alto, de acordo com o SCORE2, ou que tenham fatores de risco isoladamente muito elevados, como por exemplo um LDL³190 mg/dL, serão encaminhados para uma consulta de risco cardiovascular a nível hospitalar, para rápida implementação de medidas de estilo de vida, e provavelmente, farmacológicas.

HN – Em que medida a articulação entre hospital, autarquia e setor empresarial está a funcionar na prática, e quais são os principais desafios desta cooperação tripartida?

RB – Um dos pontos mais interessantes do CARDIOGAP+ é justamente o consórcio formado entre a ULS, a Câmara e a Associação Industrial e Comercial. Cada parceiro tem forças e recursos específicos na sua área de atuação, que permitem uma atuação com uma capilaridade que seria impossível fazer apenas com a ULS. Além disso, a Câmara Municipal, nomeadamente o Pelouro da Saúde, tem tido um papel fundamental no auxílio à gestão do projeto e interação com os Conselhos de Administração das empresas. Tem sido uma ótima experiência trabalhar com a autarquia neste projeto.

HN – Das cerca de 1000 pessoas que constituem a amostra atual do projeto, já existem dados preliminares sobre a percentagem de casos identificados como alto risco e posteriormente encaminhados para consulta especializada?

RB – Da avaliação preliminar de duas empresas foram referenciados dois trabalhadores de muito alto risco.

HN – Que tipo de acompanhamento e tratamento específico é oferecido aos pacientes identificados como sendo de alto risco, e como é monitorizada a sua evolução ao longo do tempo?

RB – Aos doentes referenciados para o hospital são prestados os cuidados necessários ao controlo dos fatores de risco, sejam eles não-farmacológicos e/ou farmacológicos, estando prevista uma avaliação ao final de 1 ano focada na variação dos parâmetros biológicos, bem como uma avaliação da adesão terapêutica.

HN – Considerando a possível replicação futura deste modelo noutras comunidades, que adaptações ou melhorias já foram identificadas durante esta fase inicial do projeto?

RB – O projeto CARDIOGAP+ é um projeto de ciência de implementação que visa utilizar os dados atualmente disponíveis de risco cardiovascular colhidos nas consultas de Medicina do Trabalho para identificar precocemente indivíduos de muito alto risco, anos antes de poderem vir a sofrer um evento cardiovascular. Por um lado, a sua sustentabilidade impede que seja, para já, alargado a estratos de menor risco, mas por outro, este desenho de estudo permite que possa ser implementado em muitas mais empresas do concelho, dando oportunidade à identificação de outros indivíduos de muito alto risco que certamente beneficiarão das intervenções terapêuticas altamente eficazes disponíveis para estas condições clínicas.