Não tenhamos dúvidas: agora que a decisão política de encerrar as escolas foi efetivamente tomada, as perguntas vão ser mais do que muitas.
Talvez o centro da questão não seja, propriamente, porque é que se fecham as escolas ou por quanto tempo, mas antes o que podemos fazer do ponto de vista familiar para preparar as nossas crianças para as próximas semanas?
Porque não, não são férias! Durante as próximas 2 a 4 semanas não vamos poder passear, nem ir à praia, nem a casa de amigos, nem ao parque, nem ao cinema, nem ao trampolim. E isso precisa de ser explicado.
Temos este hábito terrível de achar que como adultos, vamos conseguir filtrar, controlar, e interpretar a informação que chega às nossas crianças. Mas lamento informar-vos: a informação chega de todos os lados, inadvertidamente, e tudo aquilo que conseguirmos veicular será interpretado de forma completamente inesperada dentro das suas pequenas cabeças. Daí a importância de explicar factos verdadeiros e simples. Sem arabescos. E responder exatamente ao que nos estão a perguntar, sem ter medo de responder "não sei".
Ficar em casa, descansar, vigiar sintomas e brincar com os nossos filhos em casa é travar ATIVAMENTE a transmissão viral
Tenho duas sugestões para o fazer:
- Partir do exemplo da gripe, que mesmo os miúdos mais pequenos conhecem, para explicar os sintomas – a febre, a dor de cabeça, o ranho, a tosse e os espirros – e para explicar a forma de contacto: abraços, beijinhos, falta de lavagem frequente e bem executada das mãos, falta de etiqueta respiratória como tossir e espirrar para um lenço descartável ou para a dobra do cotovelo.
Os miúdos reconhecem estas recomendações, não são nada de novo. E aceitam-nas. Só não vão entender porque é que, se na gripe comum, as escolas não fecham nem ficam de quarentena, porque é que agora isto tudo está a acontecer.
- Explicar que o vírus SARS-CoV-2/COVID-19 provoca uma doença totalmente nova, muito parecida com a gripe, mas sem tratamento específico e eficaz, nem vacina protetora. Isto é mesmo muito relevante! Explicar que vai afetar quase toda a gente e que, se para algumas pessoas será uma gripe simples (80% dos casos), para outras será uma infeção grave, que vai motivar idas ao hospital e internamento. E que ninguém conseguirá prever quem vai ter doença grave e quem não vai.
Precisamente porque todos podemos contrair a doença e não existe um meio rápido e eficaz (como a vacina) para a prevenir, nem um tratamento dirigido ao problema, é que é preciso controlar a transmissão. E para isso o que devemos fazer? NADA, rigorosamente nada: ficar em casa, descansar, vigiar sintomas e brincar com os nossos filhos em casa é travar ATIVAMENTE a transmissão viral.
Explicar que durante este processo não vai haver festas de aniversário, idas ao centro comercial, passeios de comboio, exposições, teatros ou concertos infantis é só reforçar a ideia geral de proteção.
Esta situação é muito premente, porque o que temos visto é que em Portugal existem 6 cadeias de transmissão confirmadas e que maioritariamente envolvem alunos de diferentes escolas, com diferentes idades. As crianças são veículos da doença. Mesmo quando não têm sintomas nenhuns!
Citando livremente o exemplo dado pela Diretora-Geral de Saúde, Graça Freitas, a propósito do encerramento de uma escola na capital: não se pode encerrar uma escola por motivos de quarentena e os alunos atravessarem a estrada e irem para o centro comercial.
É preciso informar que quarentena não são férias da Páscoa antecipadas!
Por outro lado, tendo em mente que os adultos são acima de tudo exemplos para os seus filhos, os nossos comportamentos devem espelhar aquilo que queremos que os nossos filhos cumpram. Nós temos que agir em conformidade com aquilo que as autoridades recomendam e respeitar o espaço que é de todos. As regras de etiqueta respiratória e a lavagem frequente das mãos só serão eficazes e reproduzidas pelos nossos filhos, se nós, os adultos, efetivamente as cumprirmos.
Por outro lado, porque as crianças gerem a ansiedade de forma muito diferente dos adultos, é muito importante explicar-lhes que há hospitais, médicos, enfermeiros e técnicos dedicados, todos os dias, a todas as horas, para garantir apoio a todas as crianças e a todos os adultos que precisam. Esta é uma mensagem de esperança naquilo que nós, como sociedade, conseguimos organizar para defender quem precisa, numa inversão digna da lei da sobrevivência do mais forte. E creio que todos nós queremos que os nossos filhos cresçam a acreditar num mundo melhor, ao invés de um mundo cheio de chico-espertismo ignorante.
Isto é simples de dizer e tem que ser dito de forma simples e direta.
O alarmismo excessivo dos adultos, a forma como simultaneamente se vai à praia num dia de calor e se esvaziam prateleiras de supermercado, num contra-senso desmedido, tem que ser explicado. As crianças conseguem perceber quando os adultos não agem com serenidade e merecem uma resposta direta e verdadeira. Vamos explicar que, neste momento, é mais importante ficar em casa, resguardados, do que ir à praia; que é mais importante usar o que temos na nossa despensa, fazer compras online e comprar o que precisamos, em vez de nos abastecermos a pensar numa quebra da logística, porque estas atitutes não protegem NINGUÉM individualmente e prejudicam TODOS.
Isto é tudo muito difícil de explicar, mas a dificuldade não reside no coronavírus em si, mas sim na explicação daquilo que nós, os adultos, face a esta nova doença, temos decidido fazer. O difícil de explicar é o nosso comportamento. Explicar o COVID-19 às crianças, garanto-vos, é fácil.
As recomendações são da médica pediatra Joana Martins.
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