Um dos aspectos mais devastadores dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) e das lesões cerebrais em geral é que os neurónios que perdemos nunca serão substituídos. Isso significa que, dependendo do local da lesão, os doentes podem ficar com deficiências motoras e cognitivas cruciais, tais como a linguagem e a memória.
Mas o cérebro tem, contudo, a capacidade de produzir novos neurónios, porque contém reservas de células especiais, chamadas células estaminais neurais, que parcialmente se activam em resposta aos danos no tecido cerebral. Infelizmente, apesar de muitas das células iniciarem o processo de regeneração, a activação plena só acontece numa pequena parcela das células estaminais. Portanto, são produzidos poucos novos neurónios – e ainda
por cima, nem todos conseguem sobreviver para repovoar o local danificado. Em vez disso, o local enche-se de um tipo comum de células cerebrais chamadas glia, que funciona como a “cola” do sistema nervoso.
Será possível estimular a regeneração neural? Um estudo publicado hoje na revista Developmental Cell poderá permitir avançar nesse sentido. Cientistas da Fundação Champalimaud, em Lisboa, descobriram um mecanismo inédito que faz com que os neurónios e a glia colaborem para estimular esse processo. “Descobrimos como as células estaminais neurais detectam os danos e são recrutadas para reparar o tecido. Estes resultados poderão constituir um primeiro passo no desenvolvimento de fármacos que promovam a formação de novos neurónios na sequência de uma lesão cerebral,” diz a coautora e líder do estudo, Christa Rhiner, citada em comunicado.
Cooperação celular
Para perceber como funciona a regeneração neural, a equipa de Rhiner recorreu aos modelos animais da mosca e do ratinho. “Tal como o nosso, o cérebro destes animais também contém células estaminais neurais”, explica a cientista. “Além disso, muitos sinais químicos (moléculas) e formas de comunicação intercelular são comuns aos humanos, às moscas e aos ratinhos. Portanto, é provável que o que aprendermos com estes modelos animais seja relevante para perceber a fisiologia humana.”
Anabel Simões, estudante de doutoramento no laboratório, começou por determinar quais as moléculas que estão presentes exclusivamente na área cerebral danificada. No meio de dúzias delas, uma em particular chamou a sua atenção.
“Foi a Swim – uma proteína de transporte que literalmente ‘nada’ pelo tecido. Ajuda moléculas que normalmente agem a nível local a espalhar-se pelo tecido. E após uma meticulosa investigação, verificámos que a Swim é crucial para desencadear uma resposta regenerativa aos danos cerebrais”, explica. Segundo Simões, logicamente o próximo passo era identificar a molécula transportada por Swim. Um conjunto adicional de experiências revelou a resposta: tratava-se do Wg/Wnt, um conhecido activador das células estaminais neurais nas moscas e nos mamíferos.
“Encontrámos o Wg nos neurónios da área danificada, o que era fascinante”, diz Simões, “porque significava que os próprios neurónios detectam o ‘sofrimento’ do tecido e respondem tentando enviar um sinal que acorde as células estaminais neurais dormentes.”
Nesse momento, faltava apenas encontrar a última peça do puzzle: quem estava a produzir a Swim? A equipa descobriu que, quando os níveis de oxigénio diminuem na área cerebral que sofreu a lesão, um certo tipo de células gliais entra em acção. Estas células produzem a Swim e libertam-na no espaço extracelular. A seguir, o transportador encapsula o Wg e levao até a célula estaminal mais próxima, induzindo a sua activação.
“Um dos aspectos mais notáveis deste mecanismo é que é colaborativo”, diz Simões. “Na área afectada, os neurónios e a glia trabalham em conjunto para promover a reparação do tecido.”
Estimular a regeneração
Os resultados da equipa revelam um mecanismo cooperativo inédito que permite que os neurónios e a glia “juntem forças” para promover a regeneração neural. Poderão estes resultados ajudar a tornar este processo mais robusto?
“Agora que já sabemos quais são os intervenientes-chave e como comunicam entre si, temos uma oportunidade para tentar estimular a regeneração neural. Primeiro, precisamos de verificar que um mecanismo semelhante também existe no ser humano. Depois, poderemos começar a pensar na transposição destes resultados para terapias”, diz Rhiner.
“Estes resultados também suscitam por sua vez muitas outras perguntas, que planeamos investigar a seguir. Por exemplo, como podemos ajudar os novos neurónios a sobreviver no tecido à medida que este sara? Esta é uma viagem fascinante, e estamos ansiosos por ver o que vamos encontrar a seguir”, conclui.
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