“A Quinta faz parte daquilo que nós queremos para o nosso futuro. Os nossos filhos vibraram com ela.” O discurso de Ana Macedo é interrompido pela emoção. Afinal, durante dez anos, a Quinta do Sampayo, em Vale da Pinta, concelho do Cartaxo, o grande sonho do seu pai, José Júlio de Macedo, esteve em suspenso. As vinhas foram mantidas apenas nos mínimos e a produção era vendida a granel, longe da identidade e da marca que um dia deram prestígio à casa. Uma decisão “muito difícil”, tomada pelo patriarca, uma vez que não conseguiam escoar a produção. Foi um período em que a propriedade resistiu, mas sem o fulgor e a ambição que marcaram a sua história.

Ao lado de Ana, o marido, Pedro Emídio, partilha a mesma determinação. Juristas de formação, nenhum dos dois cresceu com o saber técnico da viticultura ou da enologia. Mas foi precisamente isso que reforçou a decisão de recomeçar. “Nós basicamente não percebemos nada disto. Mas temos, como dizem os espanhóis, ganas de pegar numa coisa que tem um valor sentimental muito grande para nós e dar uma volta de 180 graus na nossa vida”, confessa.

Em 2023, o casal recomeçou a gestão da propriedade com o objetivo de produzir vinhos com identidade própria, algo concretizado em 2024 com dois lançamentos: um branco e um tinto. Para 2025, mantém-se a ambição com mais uma colheita de branco.

Na Quinta do Sampayo, a regeneração dita o futuro do vinho
Na Quinta do Sampayo, a regeneração dita o futuro do vinho A equipa da Quinta do Sampayo: Marco Crespo, enólogo, Pedro Emídio e Ana Macedo, e André Domingos, viticultor. créditos: Dora António

O regresso não foi tímido nem prudente e exigiu um investimento superior a dois milhões de euros e uma visão clara de futuro: respeitar o passado, valorizar o presente e preparar a terra, literalmente, para o futuro.

Pedro Emídio partilha que o recomeço não podia ser feito da mesma forma que antes. Para si e para Ana, a recuperação da Quinta do Sampayo tinha de passar por um modelo agrícola diferente, capaz de cuidar do património mais valioso: o solo. “Sem bons solos não temos boas uvas e sem boas uvas não conseguimos produzir bom vinho”, sublinha.

Essa consciência levou o casal a mergulhar em leituras, estudos e contactos que os ajudaram a perceber o caminho a seguir. O objetivo era claro: continuar a produzir vinhos de qualidade, mas também devolver equilíbrio à natureza, regenerar a terra e criar um modelo sustentável que garantisse futuro da quinta.

A revolução tranquila da vinha e da adega

A transição da agricultura tradicional para a regenerativa é um dos pilares desta nova etapa. Mais exigente e mais dispendiosa, mas também mais consciente, esta abordagem exige sobretudo tempo e paciência. O viticultor André Domingos lembra que uma vinha não se renova de um dia para o outro: desde a escolha das plantas até à sua adaptação ao campo, podem passar vários anos até que os resultados se tornem visíveis.

O período em que a quinta esteve em “serviços mínimos” funcionou, nas suas palavras, como um “detox” para o solo. Ainda assim, não foi suficiente para devolver totalmente a vitalidade à terra. Os solos mais pesados, de barro, mantêm-se compactados e precisam agora de ser trabalhados com maior cuidado, de forma a recuperar a estrutura natural que lhes permite respirar e alimentar melhor as plantas.

Para acelerar este processo de regeneração, têm sido aplicados métodos que procuram devolver equilíbrio ao ecossistema: a cobertura do solo com espécies vegetais que fixam azoto e mantêm a humidade, a redução das mobilizações profundas da terra e a substituição progressiva dos adubos químicos por compostos orgânicos. Estes passos, ainda em fase inicial, já permitem observar sinais claros de mudança: o regresso da flora espontânea, de insetos e até de coelhos, que há muito não se viam na propriedade. Mais do que um detalhe pitoresco, são indicadores de que o solo está a recuperar vitalidade.

Na Quinta do Sampayo, a regeneração dita o futuro do vinho
Na Quinta do Sampayo, a regeneração dita o futuro do vinho A aposta na agricultura regenerativa foi o caminho escolhido depois de uma pausa de produção de 10 anos. créditos: Dora António

O resultado começa também a sentir-se na própria vinha, mais resistente e capaz de expressar melhor o terroir da região. Ao mesmo tempo, há desafios inevitáveis, como as doenças da vinha, que obrigam por vezes a começar do zero para garantir cepas saudáveis e resistentes. É um caminho lento e exigente, mas que o viticultor que se juntou à equipa no último ano acredita ser a forma de preparar a Quinta do Sampayo para produzir vinhos, em harmonia com o ambiente.

O compromisso com a terra veio acompanhado de uma reestruturação profunda da própria adega. Depois de uma década em suspenso, a prioridade passou pela recuperação de infraestruturas e pela modernização de equipamentos, garantindo que o vinho que chega ao mercado corresponde à qualidade que querem afirmar.

A reabilitação foi total: desde a atualização da linha de enchimento até à aquisição de novas alfaias agrícolas, tudo foi pensado para assegurar eficiência e precisão em cada etapa da produção. Entre as medidas está a criação de uma ETAR própria. A primeira fase, já concluída e em utilização, garante o tratamento integral da água utilizada na vinificação. A segunda, prevista para estar operacional no próximo ano, permitirá a sua reutilização na rega das vinhas através de um sistema de tubagens em instalação.

A Quinta do Sampayo tem 55 hectares de vinha, com planos de expansão para 58, através de novas plantações. Nas castas cultivadas, a aposta nas brancas faz-se em Arinto, Fernão Pires, Chardonnay, Sauvignon Blanc, Gouveio e Encruzado, enquanto nas tintas há Aragonês, Castelão, Caladoc, Touriga Nacional, Merlot, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet, Trincadeira das Pratas e Pinot Noir.

Apesar de a adega ter uma capacidade instalada para um milhão de litros, a prioridade é investir gradualmente na produção de vinho, focando-se na qualidade em vez da quantidade. O enólogo Marco Crespo explica que esta abordagem permite trabalhar apenas com os lotes que apresentam o melhor potencial: “O grande desafio é só entrar na adega o que é para fazer vinho. Não é apanhar tudo e depois ver o que é melhor. Corremos a vinha e vemos quais são as melhores parcelas.”

Até agora, a Quinta do Sampayo produziu três colheitas próprias: o branco de 2023 (6.500 garrafas, PVP 9,50€), e o branco de 2024 (6.300 garrafas, PVP 9,50€), ambos com Arinto e Fernão Pires, e o tinto de 2023 (13.500 garrafas, PVP 9,50€), elaborado a partir de Castelão, Syrah e Touriga Nacional. Muitas das outras castas plantadas ainda não entram nos vinhos da casa, uma realidade explicada pelo enólogo: “A produção própria é recente, ainda só começámos há um ano. E vendemos muita uva para fora.”

O perfil de vinhos pretendido é claro: complexidade. Marco Crespo reforça que a sua intenção não é criar vinhos monovarietais, mas sim lotes que combinem as castas de forma a obter frescura, mineralidade e estrutura. “Gosto mais de complexidade, gosto mais de misturar. Acho que os vinhos ficam mais cheios, mais ricos, mais volumosos, quer brancos, quer tintos,” explica o enólogo.

Na Quinta do Sampayo, a regeneração dita o futuro do vinho
Na Quinta do Sampayo, a regeneração dita o futuro do vinho O vinho mais recente no mercado é o Quinta do Sampayo Branco 2024. créditos: Dora António

O Quinta da Sampayo  Branco 2024 evidencia esta nova fase do produtor, combinando fermentação em inox com estágio parcial em barricas novas de carvalho francês por seis meses, com batonnage na borra fina. De estrutura equilibrada e perfil gastronómico versátil, pode ser consumido já ou guardado até dois anos, harmonizando com peixe e marisco. A garrafa, de vidro reciclado com 395g — abaixo da média habitual de 450 a 500g —, a rolha de cortiça natural, o lacre de cera e o rótulo em papel reciclado assinado por André Almeida, reforçam o compromisso com a sustentabilidade.

Paralelamente à atividade agrícola, a Quinta do Sampayo tem reforçado a sua vertente de eventos, de casamentos a festas privadas, numa parceria com a chef Justa Nobre.

O próximo grande evento será a segunda edição da Festa das Vindimas, marcada para os dias 4 e 5 de outubro. Durante dois dias, a histórica quinta vai receber visitantes para uma celebração onde o vinho é o protagonista, acompanhando música, gastronomia e tradições locais. O cartaz inclui nomes como Tony Carreira, Toy, David Fonseca e Lena D’Água, assim como Herman José e Fernando Alvim, prometendo entretenimento para todos os gostos.

A Festa das Vindimas destina-se a toda a família, com workshops para crianças, conversas intimistas com figuras públicas, zonas de descanso e uma área de street food com destaque para produtos locais e doces tradicionais, assim como crepes e gelados artesanais. Os bilhetes, já disponíveis online, custam 25€ por dia e incluem estacionamento. “A Festa das Vindimas é uma homenagem à nossa terra. Criamo-la, em 2024, a pensar em quem vive cá, em quem cá volta e em quem descobre a vila de Vale da Pinta pela primeira vez. Queremos que todos se sintam em casa”, afirma Ana Macedo.

Apesar de o principal mercado ser o nacional, o objetivo é apostar gradualmente na internacionalização. Até 2030, a ambição é que cerca de 80% da produção seja destinada à exportação, com especial foco em mercados como o Reino Unido, o Norte e Centro da Europa e o Canadá.

Em 2024, a Quinta do Sampayo expandiu a sua atividade agrícola com a incorporação de um olival de 11 hectares, situado numa das extremidades da propriedade, trazendo consigo oliveiras centenárias da variedade galega, muitas com cerca de 90 anos.

O trabalho inicial de recuperação, incluindo podas e cuidados específicos, permitiu realizar a primeira colheita ainda no mesmo ano, produzindo 18 litros de azeite virgem com 1,8% de acidez. Um sinal, segundo os responsáveis, da vitalidade do olival, apesar de um longo período de abandono.

O azeite ainda não é comercializado, sendo tratado como um projeto em desenvolvimento, que tem a ambição de evoluir para uma produção biológica certificada.

Garrett e a memória da quinta

Conhecemos o presente da Quinta do Sampayo, mas o seu passado carrega séculos de história. Situada na região vitivinícola do Tejo, a quinta, que conta com cerca de 90 hectares, tem o seu batismo ligado ao primeiro Visconde do Cartaxo, Luiz Teixeira de Sampayo, um visionário na área dos vinhos, pioneiro no engarrafamento e na utilização de rótulos em papel.

Os registos mais antigos de produção de vinho datam de 1718, quando havia “765 pés de vinha, mais uma menos uma”. Ao longo dos séculos, a quinta recebeu diversas figuras ilustres da cultura portuguesa, entre elas o escritor Almeida Garrett, que em 1846, durante uma das suas frequentes viagens entre Lisboa e Santarém, registou a visita na obra “Viagens na Minha Terra”: “Encontrei ali os meus companheiros, era tarde, fomos ficar fora da vila à hospedeira Casa do Sr. Luís Sampayo. Rimos e folgámos até alta noite. O resto dormimos a sono solto.”

O excerto encontra-se hoje emoldurado numa das paredes da quinta, preservando a memória deste encontro.