A funcionar no Hospital dos Capuchos, a consulta de Esclerose Múltipla (EM), uma das maiores do país, recebe cada vez mais doentes em resultado de um diagnóstico mais célere, da sensibilização dos médicos de outras especialidades e do trabalho com as associações de doentes, disse o coordenador da consulta, Carlos Capela, que falava à Lusa a propósito do Dia Mundial da Esclerose Múltipla, assinalado hoje.

O número de doentes em tratamento modificador da doença tem vindo a aumentar, passando de 578 em 2015, para 911 no final de 2020, um crescimento também observado nas primeiras consultas e de seguimento que em 2016 totalizavam 1.867 e no ano passado 4.426.

Este crescimento foi acompanhado na atividade do Hospital de Dia que em 2016 acompanhava 310 doentes e, em 2020, 443, tendo sido recentemente submetido a um processo de melhoria dos seus processos internos pela Lean Health Portugal.

Todo este trabalho é realizado por “uma equipa jovem, motivada” que está sempre a tentar melhorar a sua organização e o atendimento em prol dos doentes, com os “poucos recursos” que tem, disse Carlos Capela.

Para melhorar a resposta, o neurologista defendeu a criação de centros de referência de tratamento desta patologia porque, às vezes, é preciso “uma grande familiarização” com os medicamentos mais eficazes.

“Tem que se ter uma estrutura hospitalar muito robusta para se monitorizar alguns efeitos secundários que estes medicamentos podem dar e geralmente essa robustez encontra-se mais em hospitais centrais, que têm mais acesso às especialidades que são necessárias no apoio a estes doentes, como infecciologia, dermatologia, neuroftalmologia, hepatologia, etc”, salientou.

Ao concentrarem-se serviços, disse, “há mais vigilância, há mais experiência, há mais segurança para o doente porque determinados medicamentos exigem programas de mitigação dos riscos que às vezes só se consegue com um determinado nível de organização dentro do serviço nacional de saúde”.

Defendeu também a importância da telemedicina para facilitar o acesso a doentes que estão mais distantes dos hospitais.

“Estamos a falar de uma população, regra geral, jovem, digitalmente culta e, portanto, a telemedicina pode em alguns casos minimizar esta distância, esta assimetria do interior em relação ao litoral etc”, vincou.

Outra questão também defendida por Carlos Capela é a possibilidade de os neurologistas especialistas em EM poderem deslocar-se a um hospital do interior.

“Por exemplo no Alentejo, concentrávamos todos os doentes em Évora e podíamos ir lá uma vez por semana dar consultas, fazer a triagem dos doentes que têm mesmo que ser seguidos em Lisboa por causa dos medicamentos mais complexos e os que podem lá ficar e ser lá observados e avaliados, estando muito atentos à atividade da doença, e quando é preciso fazer a mudança”, explicou.

No dia que assinala a EM, a segunda causa de incapacidade neurológica nos adultos jovens, afetando em Portugal 6.000 a 8.000 pessoas, Carlos Capela recordou o “marco histórico” que mudou a vida de muitos doentes: a aprovação no início deste século (2006) do Natalizumab, “um medicamento revolucionário em termos de eficácia”.

Até então, os medicamentos tinham uma eficácia ligeira e os médicos “pouco tinham” para oferecer aos doentes com EM, uma doença neurológica crónica, inflamatória e degenerativa que afeta múltiplos locais do Sistema Nervoso Central.

“O Natalizumab mudou o paradigma de como nós tratamos o doente porque passamos a ter um medicamento que quase, quase, para esta doença”, realçou.

“Tenho colegas mais velhos que quando iniciaram a sua atividade clínica nesta área não tinham medicamentos nenhuns e que diziam que a consulta era cheia de doentes em cadeira de rodas, acamados, ou apoiados em canadianas/andarilhos e hoje já são raros esses doentes”, contou.

O médico sublinhou que hoje com “as armas” que têm “é muito provável que o doente com esclerose múltipla consiga seguir em frente, ter uma vida produtiva, reprodutiva igual à população em geral”.

Apesar das muitas alternativas terapêuticas, que não são curativas, mas atrasam “a história natural da doença” ou impedem a inflamação, não há medicamentos muito eficazes para a componente degenerativa da doença que pode afetar alguns doentes.

“Estão em investigação alguns medicamentos com capacidade de remielinização, esperemos que deem frutos a curto, médio-prazo para os utilizarmos nesta doença”, salientou.