"Era bom sinal se tivesse de tirar esta da gaveta, mas não. Nunca é dia de pôr bandeira vermelha", diz à agência Lusa Adriano Gaiteiro, que aluga barracas na praia da Meia Laranja, em Leça da Palmeira, Matosinhos, enquanto aponta para os panos cujas cores, em jeito de semáforo, indicam se a praia está perto ou não de lotar, segundo as regras impostas devido à covid-19.
Não estava sol, nem uma tarde tórrida quando Adriano falava à Lusa, mas, "em outros anos", conta Gaiteiro, "até com ameaça de chuva as pessoas passavam pela praia para jogar umas cartadas dentro da barraca".
"A covid-19 afastou muita gente. Por exemplo, não tive 98% dos colégios [que costumam fazer colónias de férias]. Vieram dois e os educadores, coitados, sempre de máscara. Tinha uma fila de barracas só para a excursão diária que vinha de Paços de Ferreira e este ano nada. Nunca vi um ano assim. Quem dera que o resto do mês nos salve", lamenta.
Gaiteiro, que antes alugava 90 barracas e este ano apenas tem montadas 34, até baixou os preços, e se no ano passado o aluguer de um mês era 185 euros, agora é 175. Já ao dia o custo passou de nove para oito euros. A quinzena custava 110 e agora é 95 euros.
No ramo há 48 anos, culpa a covid-19, que já provocou 1.788 mortos em Portugal, e a meteorologia: "Se para o ano continuar assim, não vale a pena manter o negócio porque nem para lavar e secar os panos dá, quanto mais para pagar a um funcionário".
Do mesmo se queixa Francisco Santos, que há 60 anos vende gelados na marginal de Leça: "Antes, à saída da praia, as crianças faziam fila. Agora a minha sorte é isto ser um passatempo, um complemento de reforma, porque nem para manutenção da arca dá".
José Armando, gerente do Bar Amarelo da Praia do Homem do Leme, no Porto, concorda: "As pessoas procuraram destinos para o interior e fugiram de cá. Sobretudo os mais velhos. O tempo é que manda, mas o medo do vírus também tem peso. Tinha clientela fixa, casais mais idosos que vinham aqui passar a tarde na esplanada ou na praia. Agora não. Ainda aparecem alguns jovens para uns finos de fim de tarde, mas nada como nos outros anos”.
“Quem sabe nesta segunda quinzena melhora", deseja, acrescentando que, face às regras impostas, "nem há gente para distanciar" e só tem registado algumas "birras passageiras e fáceis de gerir" com o uso da máscara dentro do café.
Em frente, o sol põe-se numa praia que tem capacidade para 800 pessoas, de acordo com as regras atuais. "Se chegar às 400 é uma sorte", comenta José Armando, que também baixou o preço das bebidas, numa redução que não lhe vale para encher as seis mesas distribuídas por um salão que, em 2019, tinha 17.
Mais a norte, na Póvoa de Varzim e em Vila do Conde, duas das mais concorridas estâncias balneares do litoral, que tradicionalmente recebem milhares de visitantes dos concelhos do interior, a procura também tem sido menor.
No entanto, quem trabalha no setor considera que não está em causa uma transferência para outros destinos turísticos, mas sim uma questão económica, dadas as contingências da pandemia.
"Há uma quebra muito significativa na Póvoa de Varzim. Vemos as esplanadas vazias e muitas barracas por alugar. Esperávamos menos gente, mas não uma redução tão significativa", descreve Fátima Cunha, presidente da Associações de Concessionários das Praias da Póvoa de Varzim.
A responsável diz ser cedo para quantificar as perdas no volume de negócios e partilha da esperança na segunda quinzena de agosto, mas não esconde "a preocupação".
"Pensávamos que as pessoas não procurariam tanto o Algarve e que este ano escolhessem mais o Norte, mas temos percebido que quem vem fica apenas uma semana e o resto das férias passa em casa", analisa Fátima Cunha.
Recorda que as "excursões com idosos e as colónias de férias de crianças também não se têm realizado", e aponta a quem vem do estrangeiro muita desinformação sobre as regras em Portugal.
"Preparámos as nossas concessões com todas as normas de higiene e segurança exigidas pela DGS, mas noto, por exemplo, em muitos emigrantes que não têm ideia das regras a cumprir. Temos de os alertar que não podem juntar mesas ou que têm de usar máscara, por exemplo, quando vão à casa de banho", lamenta.
Na vizinha Vila do Conde, a quebra no número de visitantes também tem sido sentida, com os estabelecimentos de restauração e bebidas a registarem menos procura.
"Temos recebido relatos de associados sobre uma quebra nos hábitos de consumo. Em anos anteriores, os clientes vinham, passavam o dia na praia e acabavam por almoçar e jantar nos restaurantes de Vila do Conde. Agora isso não acontece com tanta frequência", afirma o presidente da Associação Comercial e Industrial local, Ricardo Santos.
O dirigente nota que essa quebra é mais evidente nos estabelecimentos da cidade e não tanto junto às praias, mas, apesar de reconhecer que este "é um ano atípico", também acredita que a situação pode melhorar.
"Essa quebra foi mais sentida em junho e julho. Em agosto estava a melhorar, mas o clima não tem ajudado. Acreditamos que se o verão quente se prolongar em setembro as coisas podem melhorar. Mas será sempre um ano atípico", perfectiva.
Ricardo Santos garante que grande parte dos estabelecimentos de restauração vila-condenses "fizeram um grande esforço para cumprir com as novas regras de segurança e higiene", e que a associação tem prestado todo o apoio para manter o concelho "como um destino seguro".
"Temos estabelecimentos seguros, uma longa faixa litoral com lotação sempre disponível, estacionamento e apoios de praia de qualidade. O litoral norte, e mais concretamente Vila do Conde, continua a ser um ótimo destino", conclui.
A alusão a regras da DGS também é uma constante junto aos areais de Vila Nova de Gaia. À entrada do passadiço de acesso ao areal da praia Estrela do Mar, em Canidelo, a sinalética no chão e os cartazes dão conta de como é permitido ir a banhos na chamada "nova realidade", que Fernando Jesus, que foi nadador-salvador e agora se autointitula “barraqueiro", dispensava conhecer.
"É muito triste. O negócio está fraco e a vida difícil. Mas lá se vai fazendo o pé-de-meia dia-a-dia. As pessoas cumprem, respeitam, ninguém se põe muito colado a ninguém. E quando não respeitam, avisamos e, se for preciso falar em outra língua, falamos ou apontamos para os cartazes [que também têm informações em inglês] e é isto. Uma tristeza... e a bandeira verde [de ocupação da praia] a desbotar", diz Fernando Jesus, que nota a presença de poucos emigrantes e a falta de muitas das famílias do costume.
O novo coronavírus foi detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
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