De acordo com dados do Instituto de Segurança Social (ISS), entre março (quando foi decretado o estado de emergência por causa da pandemia provocada pela covid-19) e setembro, 32.036 pessoas pediram à segurança social para receber o Rendimento Social de Inserção (RSI), uma prestação social para quem está em situação de pobreza extrema.
Significa isso que neste período de oito meses, o ISS recebeu, em média, cerca de 152 pedidos por dia, mais de 4.500 por mês, de pessoas ou famílias em situação de carência socioeconómica.
Já em relação ao número de pessoas que efetivamente passou a receber esta prestação social, os dados do ISS mostram que nestes oito meses entraram mais 11.554 novos beneficiários, enquanto no ano passado, entre março e setembro de 2019, houve um decréscimo de 11.026 pessoas.
Na opinião de Carlos Farinha Rodrigues, investigador nas áreas da distribuição do rendimento ou da desigualdade e pobreza, trata-se de “uma situação que é expectável”.
“Não tenho dúvidas nenhumas que estamos a assistir, desde o inicio da pandemia, a um agravamento das condições de pobreza e a resposta natural deste conjunto de instrumentos de política pública é que eles reagem aumentando o número de beneficiários e a sua abrangência”, apontou o professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), da Universidade de Lisboa.
Outra prestação que também registou um aumento no número de pedidos foi o Complemento Solidário para Idosos (CSI), um apoio social para pessoas com mais de 66 anos e baixos recursos, que entre março e setembro teve mais 10.292 idosos a requerê-la.
Significa isto que, em média, a segurança social recebeu todos os meses 1.470 pedidos de idosos para receber o CSI, ou seja, 49 pedidos a cada dia. De salientar que mais de metade (58,1%) dos pedidos foram feitos por mulheres idosas, com idades entre os 65 e os 74 anos (36,36%). Esta faixa etária é, aliás, a que está mais representada, com um peso de mais de 61%.
Olhando para a Prestação Social para a Inclusão, a tendência é igual, tendo em conta que se trata de uma prestação social pensada para as pessoas com uma deficiência da qual resulte uma incapacidade igual ou superior a 60%, que, além da componente base, tem um complemento pensado para combater a pobreza destas pessoas.
Neste caso, houve 10.855 pessoas a irem junto da segurança social pedir este apoio, entre março e setembro, apesar de para esses meses haver apenas registo de mais 1.230 beneficiários.
Para Carlos Farinha Rodrigues o aumento não só no número de pedidos, mas também no número de beneficiários está diretamente ligado com o facto de o Governo ter alargado a abrangência de algumas destas medidas, sublinhando que isso “era o expectável”, ou seja, que “reagissem como formas de ajustamento e estabilizadores automáticos a uma situação de agravamento da crise”.
O professor apontou que, por comparação, no anterior período de crise económica (entre 2010 e 2014) isso não aconteceu porque o país teve “uma política bizarra”, em que “grande parte dos instrumentos que havia foram neutralizados, foram reduzidos na sua abrangência exatamente perante a crise”.
“Quando pensamos nas alterações que houve, por exemplo, no RSI, em 2012, claramente quando esses instrumentos eram mais necessários, houve uma política deliberada, traduzida em alterações nas regras de funcionamento dessas medidas que as tornaram menos eficazes”, lembrou o investigador.
Acrescentou que como consequência dessa política, apesar de a pobreza estar a aumentar, os beneficiários das prestações sociais estavam a diminuir.
O facto de agora acontecer exatamente o oposto não surpreende, por isso, o investigador, destacando que o que se verifica atualmente é que “as políticas públicas de combate à pobreza estão a reagir como era expectável”, aliadas ao facto de o próprio Governo ter aumentado a sua abrangência.
Por outro lado, destacou que a atual crise tem especificidades próprias, desde logo pelo facto de “um conjunto largo de setores da população” terem ficado “de um momento para o outro privados de qualquer tipo de rendimento”.
Em causa pessoas “com uma relação muito ténue com o mercado de trabalho” ou mesmo nenhuma, como por exemplo na economia informal, o que faz com que estas pessoas estejam não só à margem do mercado de trabalho, mas também da proteção social, uma vez que não fazem descontos, e tenham sido, por isso, “duramente atingidas”.
“Uma medida como o RSI, que é uma medida de último grau para a pobreza mais extrema, não compensa o que foi a perda de rendimentos desses setores, e eu acho que é uma lição que tiramos desta crise”, defendeu.
Carlos Farinha Rodrigues disse ainda que um dos desafios para o futuro está em conseguir garantir que estas pessoas não ficam sem qualquer tipo de proteção, o que significa trazê-las para a economia formal, “para as relações de trabalho protegidas.
“Isso é um desafio que muito claramente surgiu muito nitidamente nesta situação e que eu acho que se deverá dar atenção”, rematou.
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