De acordo com os dados disponibilizados pelo European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), (https://atlas.ecdc.europa.eu/public/index.aspx), publicado recentemente, depois de ter atingido um pico em 2019 e de uma queda durante a pandemia de Covid-19, as taxas de notificação das infeções por Chlamydia trachomatis, conhecidas como clamídia genital, bateram novos recordes em 2022, tanto em mulheres como em homens. Por cá, de acordo com os mesmos dados, pode observar-se uma tendência de crescimento semelhante: de 613 casos notificados em 2018, passamos para 1501 em 2022, com taxas que começaram por ser, em 2018, de 6 por 100 mil habitantes para chegarem, quatro anos depois, a 14,5.
No caso das infeções por Neisseria gonorrhoeae, responsável pela gonorreia, o ECDC confirma a notificação de 70.881 casos, em 2022, em 28 países da União Europeia/Espaço Económico Europeu, o que representa um aumento de 48% na taxa bruta de notificação face a 2021 e um aumento de 59% quando comparado com 2018. Falamos da taxa mais elevada desde que se começou a fazer a vigilância europeia das infeções sexualmente transmissíveis, em 2009. Em Portugal, passamos do registo de 846 casos em 2018 para 2253 em 2022, e de uma taxa de 8,2 casos por 100 mil habitantes para 21,8.
Os dados de Portugal, contudo, poderão não expressar a real dimensão do número de casos de clamídea e de gonorreia no nosso país, já que apenas recentemente ocorreu a inclusão dos códigos de prescrição para o diagnóstico laboratorial destas infeções sexualmente transmissíveis (IST), nos cuidados de saúde primários. Considerando que as referidas IST curáveis são frequentemente assintomáticas, o seu rastreio é fundamental para que se possa avançar para o tratamento, evitando o desenvolvimento de potenciais sequelas clínicas graves e tornando ainda possível a quebra de cadeias de transmissão. Emitida em março, a Circular Normativa N.º 10/2024/ACSS tornou finalmente possível a realização destas análises clínicas em utentes dos centros de saúde, que passam a poder fazer o rastreio e diagnóstico das duas IST mais prevalentes na Europa. Assim, mais do que uma simples atualização burocrática, a disponibilização da prescrição da pesquisa laboratorial de C. trachomatis e N. gonorrhoeae terá, certamente, implicações essenciais para diversas áreas da saúde pública e individual.
A Circular Normativa N.º 10/2024/ACSS torna possível o diagnóstico em qualquer local anatómico de contacto sexual (genital, oral ou anal), ou de eventual auto-inoculação, como é o caso da infeção ocular.
Para as mulheres, sobretudo as adolescentes, a importância é ainda mais evidente. Clamídea e gonorreia podem comprometer a fertilidade se não forem diagnosticadas e tratadas precocemente, ou seja antes da ocorrência de complicações graves. Acresce ainda que o diagnóstico e o tratamento são essenciais durante a gravidez, de forma a evitar a transmissão ao recém-nascido que pode desenvolver conjuntivite ou pneumonia.
Outro aspeto que importa ter em conta é que, a mesma circular normativa disponibiliza a identificação específica de estirpes de clamídea responsáveis pelo linfogranuloma venéreo (LGV), o que se reveste de especial importância em populações de alto risco, como homens que têm sexo com homens, sendo que quando a pesquisa de clamídea a nível anal seja positiva, possibilita a rápida identificação dos casos de infeção por estirpes LGV. A proctite, uma inflamação da mucosa retal, associada às estirpes LGV, representa um desafio global, motivando uma preocupação crescente a nível europeu e mundial, pelo que a atual medida permitirá um diagnóstico mais rápido e preciso e um tratamento mais direcionado. Em termos de saúde pública, contribuirá para o conhecimento sobre o LGV em Portugal e para a implementação de medidas preventivas visando a redução da disseminação dessas estirpes de clamídea.
Diagnóstico de clamídia e gonorreia nos centros de saúde: um passo essencial para a saúde pública
Maria José Borrego, PhD, Coordenadora do Laboratório Nacional de Referência das Infeções Sexualmente Transmissíveis do Departamento de Doenças Infeciosas do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge
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