O que é um Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM)?
O EAM resulta da oclusão de uma artéria coronária (vaso cardíaco), condicionando numa fase inicial isquemia (sofrimento) reversível, que rapidamente evolui para necrose (morte) das células do músculo cardíaco irrigado por essa artéria. Neste contexto, o diagnóstico precoce e o tratamento imediato do doente com EAM são determinantes para salvar o músculo cardíaco e evitar a morte das suas células, reduzindo de forma significativa a taxa de mortalidade e complicações.
Em Portugal, os doentes tendem a reconhecer os sintomas de alerta do EAM e a procurar os cuidados médicos demasiado tarde, comprometendo de forma definitiva o seu prognóstico.
Quais os principais sintomas?
A manifestação clínica mais frequente do EAM inclui a dor no peito de intensidade e duração variável, habitualmente descrita como um aperto, constrição ou peso, que em alguns casos pode estender-se para os braços, costas e pescoço e pode surgir acompanhada de suores, náuseas e vómitos. Existem formas de apresentação menos típicas, como o desmaio ou a falta de ar súbita, mais frequentes em doentes diabéticos, idosos e mulheres.
O que fazer?
Perante a suspeita de um EAM, é crucial ligar imediatamente para o número de emergência médica 112, por dois motivos essenciais: rapidez no diagnóstico e transporte em segurança para um hospital com capacidade de tratamento do EAM.
A atuação rápida do INEM, com profissionais treinados e equipados para fazer o diagnóstico de EAM em ambiente pré-hospitalar, permite o transporte direto do doente para um hospital com capacidade para realizar angioplastia primária (reabertura da artéria ocluída), o tratamento de eleição do EAM, evitando a admissão em hospitais sem condições para fazer este tratamento e reduzindo drasticamente os tempos de atraso relacionados com o transporte inter-hospitalar.
Por outro lado, o transporte feito pelo INEM é mais seguro, uma vez que os profissionais estão treinados para identificar e tratar de imediato as principais complicações do EAM, nomeadamente a paragem cardiorrespiratória e a insuficiência cardíaca aguda, mais frequentes nas primeiras horas após o início dos sintomas e quase sempre fatais na ausência de um tratamento emergente.
Qual o risco de recorrência de eventos cardiovasculares após-EAM?
Os inúmeros avanços no diagnóstico e tratamento do EAM têm contribuído para uma melhoria significativa do prognóstico destes doentes na fase intra-hospitalar. Contudo, o risco de repetição de eventos cardiovasculares permanece elevado após a alta hospitalar, mesmo para além do primeiro ano após EAM.
De acordo com a evidência científica disponível, 1 em cada 5 doentes que sobrevivem ao internamento hospitalar apresenta um novo evento (morte cardiovascular, EAM ou acidente vascular cerebral) durante o primeiro ano após EAM e 20% dos doentes sem evidência de complicações cardiovasculares no primeiro ano, sofrem um novo evento nos 3 anos seguintes.
Quais os fatores de risco associados a um novo evento cardiovascular?
A probabilidade de recorrência de EAM varia de doente para doente e está associada ao risco de progressão da doença aterosclerótica inerente ao próprio doente, mas depende sobretudo da qualidade do controlo dos fatores de risco cardiovascular presentes e da adesão e persistência terapêutica.
Felizmente, a recorrência de eventos cardiovasculares não é uma inevitabilidade para todos os doentes pós-EAM, particularmente para aqueles que conseguem adotar um estilo de vida saudável e cumprir rigorosamente a medicação prescrita ao longo do tempo.
Como se pode prevenir a recorrência de EAM?
Na minha opinião, a definição e implementação de uma abordagem estruturada e integrada de prevenção secundária, com uma colaboração estreita de seguimento do doente pós-EAM entre os cuidados de saúdes hospitalares e a Medicina Geral e Familiar, são determinantes para a melhoria do prognóstico destes doentes.
O controlo agressivo de todos os fatores de risco, com o atingimento dos alvos terapêuticos recomendados em prevenção secundária, recorrendo sempre que possível a fármacos com benefício demonstrado em termos de redução de eventos cardiovasculares, constitui uma prioridade no seguimento destes doentes.
A adoção de um estilo de vida saudável e a adesão à terapêutica instituída constituem os cuidados primordiais num doente pós-EAM.
O doente deverá conhecer todos os fatores de risco cardiovascular e empenhar-se no seu controlo rigoroso tendo como objetivos:
- Deixar de fumar
- Dieta saudável (semelhante à Mediterrânica)
- Pobre em gorduras saturadas e açucares
- Rica em vegetais, peixe e fruta
- Redução de sal (<5g/dia)
- Ingestão limitada de álcool: máximo de 20g/dia (2 copos) no homem e 10g/dia na mulher. Abstinência alcoólica se insuficiência cardíaca.
- Manutenção de um peso saudável (IMC entre 20-25 Kg/m2) e redução de peso nos doentes com excesso de peso ou obesidade
- Promoção de atividade física tendo em conta a idade, o nível de atividade prévia e as limitações físicas – pelo menos 150 min/semana de exercício aeróbico moderado (30 min, 5 dias/semana) ou 75 min/semana de exercício aeróbico vigoroso (15 min, 5 dia/semana)
- Dupla antiagregação plaquetar durante pelo menos 12 meses após EAM (exceto quando o risco hemorrágico é proibitivo)
- Pressão arterial sistólica entre 120-130 mmHg (130-140 mmHg nos idosos)
- Otimização do controlo glicémico (açúcar no sangue) em todos os doentes diabéticos, sempre que possível, optando por fármacos com benefícios demonstrados na redução de eventos cardiovasculares (inibidores da SGLT-2 e/ou análogos GLP-1)
- Níveis de colesterol LDL <55 mg/dL e redução de pelo menos 50% em relação ao nível basal, com administração de terapêuticas combinadas e de alta intensidade (estatina, ezetimibe e inibidor da PCSK9)
- Cumprimento rigoroso da medicação prescrita, durante os períodos definidos pelo Médico Assistente, de forma a evitar a descontinuação ou suspensão prematura.
Devemos acreditar na diminuição da incidência do EAM?
Derrotar o inimigo público número um é difícil, mas não é impossível. Requer a educação dos doentes e dos seus cuidadores, o empenho continuado dos profissionais de saúde que deles cuidam e a colaboração da sociedade em geral e dos media em particular na divulgação dos sinais de alerta e fatores de risco, bem como na sensibilização da importância do diagnóstico precoce e do cumprimento rigoroso das estratégias de prevenção secundária.
Sílvia Monteiro é médica cardiologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e Coordenadora da área dos Cuidados Intensivos Cardíacos da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.
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