Desde a criação do Programa Nacional de Vacinação (PNV) em Portugal, em 1965, a enfermagem tem desempenhado um papel estrutural e continuado na sua operacionalização, expansão e sustentabilidade. O PNV é amplamente reconhecido como uma das mais bem-sucedidas políticas de saúde pública implementadas no país, com impacto direto na erradicação de doenças infecciosas, na redução da mortalidade infantil e na melhoria dos indicadores epidemiológicos nacionais. O sucesso deste programa, contudo, não se explica apenas pelo calendário vacinal ou pela disponibilidade das vacinas e produtos imunizantes, que por si só representam um dos maiores sucessos científicos da medicina moderna, resultantes de décadas de investigação biomédica, desenvolvimento tecnológico e rigor na avaliação da segurança e eficácia, assenta, de forma inequívoca, no compromisso profissional, ético e técnico-científico dos profissionais de Enfermagem.

A prática da vacinação, exige competências específicas na avaliação, planeamento, administração e vigilância pós-vacinal. Os enfermeiros, por inerência das suas competências legalmente reconhecidas no domínio da saúde comunitária e saúde pública, foram desde o início os principais executores da estratégia vacinal nacional. Esta responsabilidade vai além da administração das vacinas, uma vez que é necessário compreender a avaliação da elegibilidade, a leitura do contexto familiar e comunitário, o esclarecimento individualizado, a deteção de sinais de hesitação vacinal, a atuação em situações de contraindicação, e a notificação de eventos adversos.

O modelo de vacinação baseia-se num sistema descentralizado, próximo da comunidade e de acesso universal. Os centros de saúde, onde os enfermeiros constituem o corpo técnico mais numeroso, foram e continuam a ser a base logística da vacinação em Portugal. O planeamento e a execução de campanhas regulares, os programas de recuperação vacinal e as respostas a situações epidémicas têm sido assegurados, de forma estável, por equipas de enfermagem com elevada autonomia técnico-científica. A manutenção da cobertura vacinal acima de 95% durante mais de duas décadas em praticamente todas as faixas etárias e regiões do país é, em larga medida, mérito da ação persistente e sistemática dos enfermeiros nos cuidados de saúde primários.

A atuação da Enfermagem em contextos escolares, serviços de apoio à infância, unidades de saúde familiar e em campanhas móveis contribuiu para eliminar desigualdades no acesso, alcançar grupos populacionais vulneráveis e assegurar a equidade na aplicação do direito à proteção da saúde.

Importa ainda reconhecer o papel silencioso, mas vital, dos enfermeiros na gestão da confiança da população. O esclarecimento próximo, fundamentado e empático, promovido em cada contacto, tem sido essencial para sustentar a elevada aceitação vacinal no país. Num tempo marcado pela propagação de desinformação e conteúdos falsos nas plataformas digitais e pela hesitação vacinal emergente, os enfermeiros continuam a ser a face visível e confiável do sistema de saúde, capazes de humanizar a informação técnica e de traduzir evidência científica em práticas compreensíveis e seguras.

Apesar deste contributo inegável e sistemático, causa perplexidade e justa indignação a omissão do papel dos enfermeiros no relatório anual do Programa Nacional de Vacinação. Ignorar, ou minimizar, a centralidade da Enfermagem neste percurso histórico de sucesso, representa não apenas uma injustiça profissional, mas uma falha na representação fiel da realidade do sistema de saúde. O reconhecimento institucional deve refletir a evidência empírica e o mérito das profissões que, de forma concreta e mensurável, sustentam os indicadores de excelência.

O futuro da vacinação em Portugal exigirá reforço da vigilância epidemiológica, integração de novas vacinas no calendário, resposta a fenómenos migratórios e adaptação a novos perfis de risco. A resposta a estes desafios passa inevitavelmente pela valorização da Enfermagem, pela consolidação das suas competências especializadas e pelo investimento sustentado em formação, investigação e liderança.

A história da vacinação em Portugal é, em grande parte, a história da Enfermagem. Reconhecer esse legado é, não apenas um ato de justiça histórica, mas uma premissa indispensável para garantir a continuidade da excelência em saúde pública no país.