A Fibrose quística é uma doença rara, genética e degenerativa, que afeta cerca de 80.000 pessoas em todo o mundo e cerca de 400 em Portugal.
A patologia era desconhecida de grande parte dos portugueses até ao caso de Constança Braddell, que lutou pela administração de um fármaco inovador, cuja utilização não estava até então aprovada dentro do SNS.
Embora já existam fármacos que atuam na causa da doença e prometem revolucionar o tratamento desta doença, o caminho para os pacientes ainda é longo.
Falámos com a médica pediatra Celeste Barreto sobre esta patologia.
O que é a Fibrose Quística (FQ) e quais são os sintomas?
A FQ é uma doença genética transmitida de pais para filhos, em que tanto o pai como a mãe são portadores de uma mutação da doença FQ. Essa doença genética vai levar a que estes doentes tenham problemas logo quase desde o nascimento. São doentes que têm infeções respiratórias recorrentes, sendo que as crianças podem ter infeções que, por vezes, são confundidas com outras doenças, como bronquiolites agudas, ou até asma. Face à recorrência das infeções e ao tipo de tosse, que é sempre muito produtiva, com muitas secreções, é colocada a suspeita de FQ, associada a outra manifestação comum que é diarreia de fezes abundantes e fétidas por má absorção dos alimentos e consequentemente má progressão estato-ponderal. Outra manifestação clínica comum nestes doentes é a infertilidade nos doentes do sexo masculino. Estas três manifestações fazem parte da chamada tríade clássica da doença.
No entanto, pode haver doentes que não apresentam estas três manifestações. Inicialmente, podem aparecer com quadro de má progressão ponderal e, apenas mais tarde, surgem as situações respiratórias. Sempre que se verifica alguma das manifestações clínicas tem de se colocar a hipótese do diagnóstico da doença e fazer o estudo, nomeadamente a prova de suor, que é a prova standard do diagnóstico.
A suspeita do diagnóstico pode ser colocada pelo rastreio neonatal da doença sem que o recém-nascido apresente qualquer sintoma.
Quais os grupos de risco?
Por se tratar de uma doença genética não há grupos de risco. O que dizemos é que a prevalência da doença é maior em caucasianos, ou seja, é uma mutação que surge mais nesta população. No entanto, a prevalência é variável de país para país. Por exemplo, no Norte da Europa, nos Estados Unidos e no Canadá a prevalência é de 1 para 2000 a 6000 recém-nascidos. Enquanto que em Portugal, a prevalência, de acordo com os dados que temos do diagnóstico precoce dos últimos 8 anos, é de 1 para 7000/8000. Temos uma prevalência muito mais baixa do que muitos países da Europa, sobretudo em comparação com países do Norte da Europa, ou Estados Unidos.
Como se previne?
A prevenção pode ser feita através da identificação dos doentes e das famílias. Se uma família é portadora da mutação do gene é estudada e é feito um aconselhamento genético. Pode fazer-se a prevenção neste sentido. Quando há um filho já com a doença essa família também é orientadas para consulta de genética para avaliação do risco de ter uma nova criança com a doença.
Como se trata?
Temos de tratar as infeções respiratórias e a má absorção dos alimentos. É essencial o controlo das infeções respiratórias recorrentes, muitas vezes provocadas por bactérias muito específicas destes doentes (como a Pseudomonas aeruginosa) e que põem o clínico alerta para o diagnóstico da FQ. Essas bactérias têm uma patogenicidade grande e vão provocando uma deterioração pulmonar progressiva, pelo que têm de ser tratadas agressivamente. E por agressivamente entenda-se fazer ciclos de antibióticos endovenosos quando há exacerbações pulmonares e, diariamente, antibióticos inalados para controlo da colonização crónica pulmonar. Em relação à má absorção intestinal, sobretudo das gorduras, uma vez que é causada pela insuficiência pancreática, a todas as refeições são dados os suplementos de enzimas pancreáticas para absorção de nutrientes essenciais. O controlo da má absorção é essencial para que o crescimento destes doentes seja adequado. A progressão ponderal é um dos problemas que tentamos controlar, não só com os enzimas pancreáticos mas também com uma alimentação mais hipercalórica para compensar o consumo energético destes doentes que é superior e as perdas através das fezes.
Tem cura?
É uma doença genética que ainda não tem a cura através da terapia génica, apesar de estar a ser em fase de grande investigação. Até recentemente, só tínhamos os tratamentos dirigidos aos sintomas respiratórios, gastrointestinais e complicações da doença. Neste momento temos acesso aos chamados moduladores (potenciadores e corretores) da proteína de transporte cystic fibrosis transmembrane conductance regulator (CFTR). São mais de 2000 as mutações já identificadas no gene da fibrose quística que levam à síntese da proteína CFTR deficiente. A sua disfunção vai alterar a secreção de cloreto a nível da célula epitelial e consequentemente a quantidade de sódio e água o que causa produção de muco espesso nos órgãos onde há a expressão de gene, como o pulmão, o pâncreas, o intestino, a vesícula, o fígado, canais deferentes e as glândulas sudoríparas, de onde advém a alteração do cloreto na prova de suor.
O tratamento com estas novas terapêuticas “personalizadas”, de acordo com as mutações, deve ser indicado com base não apenas no diagnóstico genético, mas também numa avaliação clínica cuidada.
É possível ter esperança?
Estas novas terapêuticas com os moduladores da CFTR vieram trazer uma nova esperança para o tratamento destes doentes, cuja resposta tem sido muito boa, sobretudo com a chamada terapêutica tripla que controla o quadro respiratório e o quadro intestinal e melhora, sem dúvida, a qualidade de vida dos doentes. É uma melhoria significativa, sem dúvida, mão podendo os doentes deixar de fazer as outras terapêuticas como antibióticos, enzimas pancreáticos, cinesioterapia respiratória diária... Ou seja, todas estas terapêuticas devem manter-se.
Uma entrevista à médica pediatra Celeste Barreto, diretora do Serviço de Pediatria Médica do Departamento de Pediatria do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), adjunta da Direção Clínica do CHULN, coordenadora do Centro de Referência de Fibrose Quística pediátrico e adultos do CHULN, presidente da Comissão Coordenadora do Tratamento da Doença Fibrose Quística (CCTDFQ), investigadora do Clinical Trial Network da European Cystic Fibrosis Society e colaboradora do Programa Nacional para as Doenças Respiratórias (PNDR) da DGS, como coordenadora científica do PNDR para a Fibrose Quística.
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