Há frases que nos marcam para a vida, pela sua simplicidade e autenticidade e, no meu caso, uma dessas frases foi dita pelo médico oftalmologista que me operou: “Fiz como se fosse para a minha mãe”. Aquelas palavras foram ditas com serenidade, mas tiveram um impacto profundo porque, ali, naquela frase breve e sincera, estava concentrada toda a competência e humanitude que, como pessoa, ansiamos num momento de fragilidade.
Nesta frase reside, de facto, a essência de dois pilares fundamentais do exercício profissional em saúde: a competência e a humanitude e garanto que, no início de maio, quando entrei num hospital com um problema de saúde sério e preocupante – uma condição ocular grave que me obrigou a procurar ajuda especializada e, muito rapidamente, a submeter-me a uma cirurgia, que poderia ditar não apenas o futuro da minha visão, mas a minha qualidade de vida em geral –, me confrontei com este tempo em que o sistema de saúde enfrenta desafios estruturais, escassez de recursos e sobrecarga de trabalho.
Por isso, quando se fala de competência, fala-se da evidência indubitável de que ser competente é, antes de mais, conhecer profundamente a ciência que suporta a ação e quando esta é feita como se fosse para a própria mãe, então, a competência ganha outra dimensão: deixa de ser apenas técnica e torna-se ética, relacional e afetiva sendo, em boa verdade, o instrumento através do qual se presta um cuidado eficaz, seguro e com sentido.
E quando se fala de humanitude, esta manifesta-se em gestos simples, mas poderosos: olhar nos olhos, escutar com atenção, respeitar o silêncio, acolher a dor, manter a presença. Dizer “fiz como se fosse para a minha mãe” é humanizar o cuidado, é reconhecer que, por trás de cada diagnóstico, há uma pessoa com uma vida, com afetos, com medos e esperanças o que, comigo, foi uma constante porque fui, efetivamente, cuidada por pessoas que demonstraram o melhor que o sistema de saúde tem para oferecer: rigor técnico, cuidado atento e, sobretudo, humanitude.
É na interseção entre a competência e a humanitude que nasce o cuidado eficaz, mas também terno; científico, mas também humano; que salva-vidas, mas respeita a morte; que cura quando possível, mas conforta sempre. Na realidade, quando um profissional diz “fiz como se fosse para a minha mãe”, ele não está apenas a declarar a sua dedicação, está a afirmar que reconhece, no outro, alguém que merece o melhor de si – não apenas o melhor do seu conhecimento, mas também o melhor da sua presença –, e esse tipo de atitude contribui para um sistema de saúde mais justo, mais humano e mais próximo das pessoas.
Num tempo em que o sistema muitas vezes obriga os profissionais a ritmos desumanos, a burocracias extenuantes e a contextos de subvalorização, essa capacidade de manter viva a humanitude é quase um ato de resistência. É uma forma de dizer: “Aqui, ainda cuidamos como deve ser, aqui, ainda tratamos as pessoas como gostaríamos que tratassem os nossos, respeitando a sua história de vida e a sua pessoalidade.”
À medida que recupero, bem e com muito êxito, transporto comigo um sentimento profundo de gratidão e por isso este artigo é uma reflexão pessoal, mas, também, um tributo sentido a estes profissionais de saúde dos dias 11 e 13 de maio e também a todos os que, dia após dia, cuidam, profissionalmente.
Por tudo isto termino com uma palavra que, sendo singela, contém o peso do reconhecimento e da gratidão: obrigada. Obrigada a todos os profissionais de saúde que enfrentam desafios imensos com coragem, competência e humanitude. Obrigada a quem cuida como se fosse para um familiar. Obrigada a quem não esquece que, por trás de cada pessoa doente existe uma história que merece respeito e por isso fazer como se fosse para a nossa mãe não é apenas um gesto de amor – é o mais alto grau de excelência no cuidado ao outro.
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