Identificamo-nos com a paixão, muito provavelmente pela sua inapta veracidade. A paixão não é pensada, acontece. Não temos tempo para reagir nem sequer para a questionar. Simpatizarmos ou não com alguém, relaciona-se com a paixão que essa pessoa incute naquilo que faz.
Jorge Jesus transmite essa paixão a um nível que nos faz desculpar qualquer gaffe ou tentativa de alterar o rumo da história. Sim, porque Jesus passou a ser o criador. Além de ter criado toda uma nova forma de encarar o futebol no Brasil, criou todo um novo léxico que, quanto a mim, é uma forma mordaz de satirizar o novo acordo ortográfico com o país irmão. Jorge Jesus tornou-se no Saramago do pelado. Reinventa expressões, palavras e tem uma oralidade sem pontuação nenhuma. Já para não falar na matemática, visto que foi o único a afirmar que “em 16 finais esta foi a 17ª final que eu tive na minha carreira. Ganhei 17 e perdi 10”. A brincar, a brincar, foi o único que em 16 finais esteve em mais uma e conseguiu a proeza de permanecer invicto, com a pequena agravante de ter perdido 10. Só é difícil perceber para quem quiser complicar. Eu espero é que não seja o Jesus a ir as compras lá em casa porque, quem se engana assim nas contas, facilmente acaba na penúria ao sair de casa só com o intuito de comprar batatas.
Jesus teve frases durante a sua carreira que demonstram o quão árduo trabalha em condições precárias: «venham para junto dos pinos “efervescentes”», mostrando que o treino tem de ser muito intenso, sob pena de chover e desfazer os benditos pinos. Também já referiu que «isso dos estrangeiros não é um problema. Nós já estamos a tratar do processo de “neutralização” dos jogadores». Se jogar com a equipa completa já é um desafio, imaginem vencer jogos com os atletas inactivos.
É o único treinador que tem técnicas pioneiras para incentivar a equipa. Já referiu que «[Os adeptos] “empulgam” os jogadores, eles puxam pela equipa». No fundo, revelou o truque de que há adeptos que lançam pulgas da bancada com o intuito destas fazerem comichão aos jogadores mais parados em campo e, consequentemente, obrigá-los a jogar. Quem sabe se, ao abrigo daquele prurido incomodativo, os jogadores desatam a correr e, sem querer, se isolam, ficando em posição privilegiada para marcar golo. Nada é feito ao acaso, tudo está pensado em terreno de jogo. Jesus, como bom líder que é, sai sempre em defesa do plantel. Ainda há uns tempos defendeu um jogador, usando a metáfora como táctica de discurso: «Querem fazer do rapaz o bode “respiratório”». Ora bem, toda a gente sabe como é que cheira um bode. Jesus tentou demonstrar que, junto do animal, todos ventilamos pela boca de forma a tolerarmos a convivência com aquele cheiro nauseabundo. O Mister percebeu que queriam que aquele jogador em específico, respirasse pelo nariz com o intuito de sentir o cheiro a bedum, tornando-se no único desportista a abandonar o espaço, ficando com as culpas alheias. No fundo, Jesus explica, de forma sucinta, que o “bode respiratório” é aquele jogador que, perante a adversidade, é forçado a desistir em prol da equipa. Um acto nobre de um honrado chibo.
O Mister é uma pessoa que sabe, acima de tudo, respeitar: «não respondo a essa pergunta, porque isso é um assunto do “forno” interno do clube». Poder-se-á pensar que Jesus achou que o “forno interno do clube” seria a genitália do grupo e aí, meus amigos, ninguém é digno de tocar - nem no assunto, nem na genitália – mostrando a hombridade do senhor.
Toda a gente sabe que só não foi arquitecto porque, na altura, teve treinos e há prioridades. Mas o bichinho ficou lá, por frases que se ouvem no campo: «vocês os quatro formem aí um triângulo». Jesus permite-se reinventar da mesma forma que respeita o erro quando, há dias, três dos seus jogadores se enganaram e formaram um paralelepípedo. Acontece e uma das coisas que o torna vencedor é esse seu lado permissivo ao erro de terceiros, porque sabe que, no fundo, não nascemos todos com o gado virado para a lua.
Esta semana apanhei-o a cantar Mariza dizendo, e passo a citar, «sei que o melhor de mim “tápáchigá”. E “chigô”, Mister. O bonito nas conquistas dos nossos, lá fora, é que as torna também um bocadinho nossas e o desporto é isto: é festa, é união. Ao reboque da paixão, talvez, tornamo-nos frágeis, complacentes e com necessidade de agradecer. Porque a paixão, essa, não é pensada: acontece.
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