Healthnews (HN) – O Hospital de Cascais é atualmente a única parceria público-privada na área da saúde em Portugal. Como tem sido esta experiência?
José Bento (JB) – A experiência tem sido positiva, mas o facto de sermos a única PPP atualmente encerra alguns desafios. Por um lado, os resultados históricos das PPP na saúde em Portugal foram bons, com ganhos reconhecidos por entidades independentes como o Tribunal de Contas e a UTAP. Houve poupanças para o Estado na ordem dos 25-30% em comparação com a gestão pública. No caso específico de Cascais, no primeiro contrato de 14 anos, a poupança foi de 27%.
No entanto, ser a única PPP não é totalmente saudável, nem para o sistema nem para nós. Faltam elementos comparativos com outras PPP, o que seria importante para a melhoria contínua do modelo. Além disso, as realidades regionais e os perfis dos hospitais são diferentes, pelo que o modelo de PPP pode ser mais adequado em certos contextos do que noutros.
O facto de sermos a única PPP permite, por um lado, uma comparação direta com o modelo público, o que é positivo. Todavia, não nos dá a possibilidade de comparação com outras experiências de PPP em contextos diferentes.
HN – Como foi o processo de transição da gestão anterior para a gestão do Grupo Ribera? Quais foram os principais desafios e como foram superados?
JB – A transição para a gestão do Grupo Ribera Salud trouxe a vantagem de contar com a experiência de uma organização com 25 anos na gestão de cuidados integrados de saúde. O Grupo Ribera tem uma vasta experiência, incluindo o caso Alzira em Espanha, que é um modelo de referência com 25 anos de trabalho publicado.
Esta experiência permitiu trazer inovações, aprendizagens e melhores práticas que foram inclusive partilhadas com outros países, como a Inglaterra. No processo de transição, procurámos aplicar essa experiência à realidade portuguesa e ao contexto específico de Cascais.
Um dos principais desafios foi adaptarmo-nos ao novo contexto de transformação do SNS, com a criação das Unidades Locais de Saúde (ULS) e a integração de cuidados. Embora o nosso modelo de financiamento ainda seja diferente do das ULS, que é baseado num valor per capita ajustado ao risco, temos procurado alinhar a nossa gestão com esta lógica de cuidados integrados.
HN – O Hospital de Cascais tem conseguido manter-se aberto e operacional em períodos críticos, como durante a crise nas urgências de obstetrícia em que esteve sempre aberto. Como conseguiram gerir esta situação quando todos os demais encerraram?
JB – O Hospital de Cascais tem conseguido manter as suas urgências abertas, incluindo a de obstetrícia, adultos e pediátrica, mesmo durante períodos críticos. Isso deve-se principalmente a três fatores:
Organização e liderança da equipe: O hospital tem mecanismos de referenciação eficientes e uma equipe bem liderada.
Planeamento proactivo: A instituição tem-se preparado para crises, contratando e formando recursos humanos, além de criar mecanismos de atratividade para os profissionais.
Uso eficiente do tempo dos profissionais: O hospital implementou ferramentas tecnológicas para libertar os profissionais de saúde para o atendimento direto aos pacientes.
Além disso, o Hospital de Cascais faz parte de uma estratégia regional que inclui um sistema de urgências rotativas, onde ele e a Maternidade Alfredo da Costa (MAC) deveriam permanecer sempre abertos.
HN – Pode-nos falar sobre o plano de emergência recentemente lançado pelo governo e como o Hospital de Cascais está envolvido?
JB – O plano de emergência lançado pelo governo atual possui cinco linhas principais de ação, nas quais o Hospital de Cascais está envolvido:
Combate às cirurgias oncológicas urgentes: o hospital não só eliminou a sua própria lista de espera, mas também estendeu a sua oferta a outros hospitais.
Atendimento urgente: Manteve as suas urgências abertas, especialmente na área da saúde da mulher.
Saúde mental comunitária: Está expandindo os seus serviços para os centros de saúde locais, como o de Carcavelos e Cascais.
Resposta aos utentes sem médico de família: O hospital disponibilizará recursos aos centros de saúde para atender cerca de 75.000 utentes (25.000 de Cascais e 50.000 de Sintra).
Ampliação da cobertura populacional: Com a expansão prevista do hospital de 277 para 401 camas, a cobertura populacional aumentará de 320.000 para 450.000 habitantes.
Além disso, está prevista a criação de uma Unidade Local de Saúde (ULS) em Cascais, o que permitirá uma melhor integração dos cuidados primários e hospitalares na região.
HN – Para quando está prevista a expansão do Hospital de Cascais e a criação da ULS?
JB – A expansão do Hospital de Cascais estava inicialmente prevista para 2024. No entanto, devido às recentes mudanças no governo, espera-se que ocorra em 2025. A criação da ULS de Cascais também está prevista, mas ainda não há uma data específica confirmada. Essas mudanças fazem parte do programa do atual governo e visam melhorar a integração e a eficiência dos serviços de saúde na região.
HN – Que vantagens concretas trouxeram as ferramentas de gestão privada para o Hospital de Cascais em termos de eficiência e qualidade de serviço?
JB – As ferramentas de gestão privada trouxeram várias vantagens concretas para o Hospital de Cascais:
Maior eficiência financeira: Como mencionado anteriormente, conseguimos gerar poupanças significativas para o Estado, na ordem dos 27% no primeiro contrato.
Flexibilidade na gestão de recursos humanos: Temos maior capacidade de adaptar a nossa força de trabalho às necessidades reais, o que nos permite responder melhor a picos de procura e a situações de crise.
Processos de decisão mais ágeis: A estrutura de gestão privada permite-nos tomar decisões de forma mais rápida e implementar mudanças quando necessário.
Foco em indicadores de desempenho: O nosso contrato inclui metas claras de qualidade e eficiência, o que nos incentiva a melhorar constantemente.
Inovação: Temos maior facilidade em implementar novas tecnologias e processos inovadores que melhoram a qualidade do serviço.
Gestão integrada da informação: Embora ainda existam desafios a nível nacional, conseguimos internamente uma melhor integração dos dados dos pacientes, reduzindo duplicações e melhorando a continuidade dos cuidados.
Cultura de responsabilização: Há uma clara atribuição de responsabilidades e consequências pelo desempenho, o que promove uma cultura de excelência.
Benchmarking: Sendo uma PPP, somos constantemente comparados com o setor público, o que nos incentiva a manter altos padrões de desempenho.
É importante salientar que estas vantagens são sempre orientadas para melhorar os resultados clínicos e a qualidade do serviço prestado aos utentes, que é o nosso objetivo principal.
HN – Como vê o papel das PPP no contexto da atual transformação do Serviço Nacional de Saúde?
JB – Desde logo, as PPP podem servir como um modelo de referência e benchmark para as novas ULS. A nossa experiência em gestão integrada de cuidados, embora num contexto diferente, pode fornecer insights valiosos para a implementação deste novo modelo.
Em segundo lugar, acredito que seria benéfico ter pelo menos uma PPP no modelo ULS. Isto permitiria uma comparação direta entre a gestão pública e privada neste novo contexto, fornecendo dados importantes para a avaliação e eventual melhoria do sistema.
As PPP podem também trazer inovação e eficiência ao sistema. A nossa capacidade de implementar rapidamente novas soluções e processos pode ser particularmente útil numa fase de transição e transformação do SNS.
Além disso, as PPP podem atrair investimento e conhecimento, incluindo de organizações internacionais com experiência em modelos semelhantes noutros países.
No entanto, é importante sublinhar que não defendo a aplicação generalizada do modelo PPP. Cada caso deve ser estudado individualmente, considerando as especificidades regionais e o tipo de unidade de saúde em questão. As PPP devem ser vistas como uma ferramenta adicional à disposição dos decisores políticos e dos cidadãos, não como uma solução universal.
Por fim, acredito que é fundamental que haja uma discussão pública aberta e transparente sobre o papel
das PPP no futuro do SNS, baseada em evidências e resultados concretos.
HN – Quais são os principais desafios que o Hospital de Cascais enfrenta atualmente e como estão a abordá-los?
JB – O Hospital de Cascais, como única PPP atualmente em funcionamento no setor da saúde em Portugal, enfrenta vários desafios:
Adaptação ao novo contexto do SNS: com a criação das ULS, estamos a trabalhar para alinhar a nossa gestão com esta nova realidade, mesmo que o nosso modelo de financiamento seja diferente.
Integração de cuidados: Embora não sejamos uma ULS, estamos a focar-nos na melhoria da integração entre os diferentes níveis de cuidados, trabalhando em estreita colaboração com os cuidados primários da nossa área de influência.
Gestão de recursos humanos: Num contexto de escassez de profissionais de saúde, estamos a implementar estratégias inovadoras de recrutamento, retenção e desenvolvimento profissional.
Inovação tecnológica: Continuamos a investir em novas tecnologias e soluções digitais para melhorar a eficiência e a qualidade dos cuidados.
Sustentabilidade financeira: Mantemos um foco constante na eficiência operacional para garantir a sustentabilidade financeira do hospital, sem comprometer a qualidade dos cuidados.
Pressão sobre os serviços de urgência: Estamos a trabalhar em estratégias para gerir melhor a procura nos serviços de urgência, incluindo a melhoria da articulação com os cuidados primários.
Gestão de expectativas: Sendo a única PPP, há uma pressão adicional para demonstrar constantemente o valor deste modelo, o que requer uma comunicação clara e transparente dos nossos resultados.
Adaptação contínua: O setor da saúde está em constante evolução e estamos sempre a adaptar-nos a novas regulamentações, diretrizes clínicas e expectativas dos utentes.
Para abordar estes desafios, estamos a apostar fortemente na formação contínua dos nossos profissionais, na implementação de sistemas de informação mais eficientes, na melhoria dos processos internos e na colaboração estreita com outras entidades do SNS e da comunidade.
HN – Na sua opinião, como pode o modelo de PPP contribuir para a melhoria do sistema de saúde português, tanto em termos de poupança como de qualidade de serviço?
JB – O modelo de PPP pode contribuir significativamente para a melhoria do sistema de saúde português de várias formas:
Eficiência financeira: As PPP têm demonstrado capacidade de gerar poupanças significativas para o Estado, na ordem dos 25-30%, mantendo ou melhorando a qualidade dos serviços. Isto liberta recursos que podem ser reinvestidos no sistema de saúde.
Inovação: As PPP têm geralmente maior flexibilidade para implementar soluções inovadoras, seja em termos de tecnologia, processos ou modelos de cuidados. Isto pode servir como um “laboratório” para testar novas abordagens que, se bem-sucedidas, podem ser replicadas no resto do sistema.
Qualidade do serviço: O modelo de PPP inclui, geralmente, indicadores de desempenho rigorosos e penalizações por incumprimento, o que incentiva um foco constante na qualidade dos cuidados e na satisfação dos utentes.
Gestão integrada: Embora atualmente as PPP estejam limitadas a hospitais, a experiência de gestão integrada de cuidados de grupos como o Ribera Salud pode ser valiosa para a implementação bem- sucedida das ULS.
Atração de talento: As PPP podem oferecer condições de trabalho atrativas, ajudando a reter profissionais de saúde qualificados em Portugal.
Resposta a desafios específicos: Em certas regiões ou tipos de unidades de saúde, o modelo de PPP pode ser particularmente eficaz em responder a desafios específicos que o modelo tradicional tem dificuldade em resolver.
Investimento: As PPP podem atrair investimento privado para o setor da saúde, complementando os recursos públicos.
No entanto, é crucial sublinhar que o modelo de PPP não é uma solução universal. Deve ser aplicado de forma criteriosa, após uma análise cuidadosa de cada situação específica. Além disso, é fundamental manter uma monitorização rigorosa e transparente do desempenho das PPP para garantir que estão efetivamente a contribuir para a melhoria do sistema de saúde.
HN – Considerando a sua experiência, que recomendações faria para outras unidades de saúde que possam vir a adotar um modelo semelhante?
JB – Com base na nossa experiência no Hospital de Cascais, faria as seguintes recomendações:
Definição clara de objetivos: É crucial estabelecer metas claras e mensuráveis em termos de qualidade, eficiência e resultados clínicos. Estes objetivos devem ser alinhados com as necessidades específicas da população servida.
Contrato bem estruturado: O contrato de gestão deve ser cuidadosamente elaborado, com uma clara definição de responsabilidades, indicadores de desempenho e mecanismos de monitorização e avaliação.
Foco na integração de cuidados: Mesmo que a PPP seja apenas para um hospital, é importante trabalhar na integração com os cuidados primários e continuados da região.
Investimento em sistemas de informação: Uma gestão eficiente requer bons sistemas de informação. É fundamental investir em tecnologia que permita uma gestão integrada da informação clínica e administrativa.
Gestão eficiente de recursos humanos: É crucial desenvolver estratégias eficazes de recrutamento, retenção e desenvolvimento profissional para o sucesso da PPP.
Cultura de melhoria contínua: Implementar processos de avaliação e melhoria contínua, incentivando a inovação e a resolução proactiva de problemas.
Transparência: Manter uma comunicação aberta e transparente com todas as partes interessadas, incluindo utentes, profissionais, entidades reguladoras e a comunidade em geral.
Flexibilidade e adaptabilidade: Estar preparado para se adaptar a mudanças no contexto do sistema de saúde e às necessidades em evolução da população.
Envolvimento da comunidade: Estabelecer parcerias fortes com a comunidade local, incluindo autarquias e organizações da sociedade civil.
Gestão do conhecimento: Implementar sistemas eficazes de gestão do conhecimento para capitalizar a experiência acumulada e facilitar a aprendizagem organizacional.
Ética e responsabilidade social: Manter um forte compromisso com a ética e a responsabilidade social, lembrando sempre que o objetivo final é servir a população e contribuir para a melhoria do sistema de saúde como um todo.
Preparação para escrutínio: As PPP estão sujeitas a um elevado nível de escrutínio público e político. É importante estar preparado para isso e ver nisto uma oportunidade de demonstrar o valor do modelo.
Equilíbrio entre eficiência e qualidade: Embora a eficiência financeira seja importante, nunca deve ser alcançada à custa da qualidade dos cuidados. O foco deve estar sempre nos resultados clínicos e na satisfação dos utentes.
Implementar um modelo de PPP é um processo complexo que requer um planeamento cuidadoso e uma execução diligente. No entanto, se bem implementado, pode trazer benefícios significativos tanto para os utentes como para o sistema de saúde como um todo.
Entrevista: Miguel Múrias Mauritti
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