O LES afeta maioritariamente mulheres (mas também pode afligir homens) até à meia idade. Estima-se que, em todo o mundo, esta doença possa atingir 5 a 7 milhões de pessoas, sendo reportado um aumento contínuo de novos casos todos os anos. Há, parece-me, uma nota positiva relativamente a pelo menos uma das possíveis explicações para este aumento: cada vez mais, médicos e doentes conhecem o LES e estão capacitados para fazerem o seu diagnóstico.

O diagnóstico pode demorar, ainda assim, demasiado tempo – anos, em muitos casos. Frequentemente, os primeiros sintomas surgem insidiosamente, quase permitindo a acomodação e facilitando que paciente e médico (sim, ambos) os ignorem ou desculpem. Na maioria das vezes, ocorre um despertar antecipado devido a uma dor que teimou em não desaparecer; uma “queimadura solar” que se prolongou mais do que devia e se repete inexplicavelmente; o cansaço, que é sempre associado ao “stress” até se perceber que este não se deve ao trabalho ou à vida em casa. Muitos outros doentes terão queixas completamente diferentes. O LES tem muitas faces e muitas mais máscaras. Neste Dia Mundial do Lúpus, esta é uma das mais importantes missões de quem se dedica a esta doença: trabalharmos todos, em conjunto, para que o diagnóstico de LES se faça sempre mais cedo.

A causa do LES, na grande maioria dos doentes, não está esclarecida. Quase todos têm certos autoanticorpos (anticorpos que, em vez de nos protegerem das infeções, “atacam” o próprio organismo) que nos ajudam no diagnóstico e no seguimento. Ainda não é claro, no entanto, a razão pela qual aparecem ou qual o seu papel específico, se algum, nas várias manifestações clínicas possíveis.

Tudo isto significa que ter LES - ou qualquer outra doença autoimune - não é uma escolha. Não são causadas por nenhuma atitude ou comportamento, antigo ou recente, de quem vem a descobrir que delas sofre. Nem são transmissíveis. Ninguém pode “apanhar” uma doença autoimune, da mesma forma que ninguém a “dá” ou “perde”. São doenças verdadeiramente pessoais e intransmissíveis, no sentido em que se expressam de forma diferente em cada doente e até no mesmo doente ao longo do tempo.

Destas particularidades resulta o possível isolamento de quem sofre de uma destas doenças raras, devido aos sinais e sintomas que são só seus e a influência destes na sua vida. O Dia Mundial do Lúpus serve também este propósito – sinalizar que há esperança para quem se sente só com a sua doença. Esperança através de todos os doentes que hoje vivem as suas vidas quase sem pensarem no LES ou que constroem em cima do diagnóstico, contribuindo através das associações de doentes e outras organizações, nacionais e internacionais.

Num inquérito recente, a grande maioria dos doentes elegeu a fadiga como o sintoma de que mais gostariam de se ver livres. É um dos principais contribuidores, a par das dores articulares, para o impacto da doença no dia-a-dia, interferindo com o trabalho, os estudos, a socialização... E tão mais difícil de aferir quanto de ver ou tocar. Por ser uma das formas mais invisíveis da doença, e uma das mais debilitantes, merece ser evidenciada hoje, tal como a mensagem de que podemos todos, em conjunto, melhorá-la. Controlar a doença é essencial, sim, mas demora tempo e nem sempre é perfeito. É, por isso, igualmente importante que toda a sociedade (família, amigos, empregadores, Estado) saiba compreender e apoiar quem sofre assim desta doença crónica. Se conhece alguém com LES e acha que não estão bem, pergunte. Não assuma nada.

Não há (ainda) uma cura para o LES, mas há várias formas de o controlar

Temos, hoje, mais e melhores armas terapêuticas do que alguma vez em toda a história do Lúpus. E esperança em muitas mais que estão a caminho. O tratamento não deixa de ser complexo, tal como a doença, mas há algumas medidas que pode adotar por si e para si (não tem de o fazer sozinha. Nós, médicos, podemos ajudar com todas elas – peça-nos, exija-nos).

Adote um estilo de vida saudável. Bem sei que é sempre mais fácil dizer do que fazer, mas deixar de fumar, fazer exercício regularmente, dormir o suficiente e ter uma alimentação equilibrada são pontos-chave. A exposição solar (mesmo dentro de casa) pode agravar os sintomas de Lúpus. Use roupas compridas, chapéu e protetor solar todo o ano. E tome a hidroxicloroquina (ou equivalente), conforme prescrito pelo seu médico. Os antimaláricos (sim, inicialmente eram usados para prevenir a malária) melhoram todos os domínios da doença, sem piorar nenhum e com raríssimos efeitos laterais. Estas medidas estão indicadas em (quase) todos os doentes com LES. São suficientes? Podem não ser. São essenciais? Absolutamente!

Sei também que é difícil gerir toda a medicação, os propósitos de cada uma e os seus efeitos e que pode ser assustador fazer medicação que se diz imunossupressora. Fique segura que os clínicos que seguem doentes com LES sabem manter-se atentos às doses e gerir a carga dos fármacos ao longo do tempo, extraindo o maior benefício enquanto evitam os efeitos adversos, que monitorizam de forma contínua. Isto inclui os corticoides. Não se esqueça que dúvidas e receios devem combater-se às claras, sob a luz da informação fidedigna que o seu médico terá todo o gosto em fornecer-lhe. Não deixe de tomar, nem comece a tomar, nenhuma medicação sem o consultar. Este é um caminho que não foi feito para se percorrer sozinho.

A confiança na relação médico-doente e o investimento na consulta enquanto espaço para se discutirem estas e outras questões, são essenciais para o tratamento holístico do doente com LES. Não pense (por favor!) que deve discutir e partilhar apenas coisas negativas. Partilhe também as melhorias e os seus planos de vida.

Como a doença afeta maioritariamente mulheres, particularmente em idades em que podem desejar ter filhos, são frequentes as dúvidas e os receios sobre este tema. Saiba que, nos dias de hoje, é perfeitamente possível, na maioria dos casos, engravidar, dar à luz e criar uma criança. É essencial, no entanto, conversar desde muito cedo com o seu médico e planear tudo, sempre que possível, para uma altura em que a doença esteja controlada.

O LES é uma doença crónica que beneficia de uma abordagem multidisciplinar, envolvendo especialistas de diferentes áreas, dentro e fora dos hospitais. É importante, no entanto, que o seu médico coordene os esforços de todos estes profissionais, garantindo a via mais útil para a otimização dos cuidados. O doente tem aqui um papel essencial, mantendo o seu médico informado sobre o que acontece entre visitas e exigindo a partilha de opiniões entre profissionais.

Temos feito avanços importantes na descodificação do LES e do seu funcionamento, mas há muito mais para descobrir até conquistarmos a doença. Participar na investigação e nas iniciativas de divulgação e financiamento é essencial. Os doentes podem assim fazer ouvir a sua voz e ajudar a direcionar os esforços de todos para resultados que lhes sejam úteis. Fazemos bem em recordar que estamos todos empenhados em melhorar a doença, mas nem todos sabemos como é sofrer dela.

Hoje, 10 de Maio, é o Dia Mundial do Lúpus. Divulgue a mensagem e ajude-nos a dar visibilidade a esta doença rara e complexa para que possamos, em conjunto, continuar a melhorar o seu diagnóstico e garantir um tratamento atempado e eficaz a todos os doentes.

Um artigo do médico Daniel Guimarães de Oliveira, especialista em Medicina Interna.

Daniel Guimarães colabora na Unidade de Imunologia Clínica do Centro Hospitalar Universitário do Porto, uma unidade dedicada ao diagnóstico e acompanhamento de doentes com doença auto-imune, autoinflamatória e imunodeficiência. Doutorando em Ciências Médicas, na área do Lúpus Eritematoso Sistémico, desenvolve investigação clínica e translacional integrado na Unidade Multidisciplinar de Investigação Biomédica do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e i3S – Instituto de Investigação e Inovação para a Saúde, ambos da Universidade do Porto. As opiniões expressas são pessoais e não reflectem as posições das instituições mencionadas. Pode ser seguido no Twitter em @G_O_Daniel