“Este é um modelo onde as pessoas têm a sua casinha, liberdade, autonomia e toda a assistência de que necessitam. Têm qualidade de vida. Por isso, só encontro no excesso de burocracia a razão para a inexistência de outras estruturas semelhantes em Portugal”, disse à reportagem da agência Lusa o padre jesuíta Domingos Costa, que iniciou o projeto na década de 80 do século passado.
Concluída em 1990, a aldeia social com 115 residentes foi edificada de raiz na freguesia da Mexilhoeira Grande, nos arredores de Portimão, numa área com mais de dois hectares [equivalente a dois campos de futebol] sendo composta por 52 apartamentos de tipologia T1, T2 e T3.
As moradias geminadas estão inseridas em dois blocos circulares, num complexo criado para “dar uma alternativa digna aos mais velhos” com serviços de apoio, entre os quais lavandaria, refeitório, salas de convívio, serviços médicos e de enfermagem e espaços ajardinados.
O exemplo de Águeda
Projeto financiado por alemães e portugueses
A construção da aldeia de São José de Alcalar foi financiada com doações das sociedades portuguesa e alemã, este último país onde o pároco da Mexilhoeira Grande estudou quatro anos e prestou serviços religiosos durante mais de 40 anos.
Domingos Costa disse à Lusa que “o sonho e a razão” que o levou a construir uma aldeia para idosos, foi para apoiar os mais pobres e de ver “famílias de pessoas em idade avançada com filhos deficientes e de viverem angustiados com medo de morrerem e de os deixarem abandonados”.
“Temos casos de pessoas deficientes que vieram para aqui com os pais e que ficaram depois da morte do pai e da mãe”, indicou.
Para o padre jesuíta, o que distingue este modelo para acolhimento de idosos, é o facto de ser uma aldeia com casas, jardins, passeios, liberdade, sem limitações de horários para os residentes receberem visitas, sem portões, onde cada um está na sua casinha, “ao contrário dos lares onde está tudo estabelecido e tudo regulado”.
Segundo Domingos Costa, a vida na aldeia é diferente da de um lar, porque os utentes têm toda a liberdade de movimentos: “Quem tem autonomia, pode fazer uma vida normal. Pode cozinhar e comer em casa ou ir buscar a comida e utilizar o refeitório. Para quem está acamado, as refeições são levadas a casa”.
“Não fica ninguém ao abandono apesar de cada um ter a sua casinha, a sua chave”, frisou o pároco, acrescentando que “votadas ao abandono estavam elas [pessoas] em casa se não tivessem vindo para aqui”.
De acordo com o padre jesuíta, a prioridade na admissão à aldeia não é pela ordem de inscrição, mas sim pela necessidade e pela sua condição social, “sendo a prioridade dada a quem esteja mais abandonada, sem família ou que, por exemplo, sofreu um AVC [acidente vascular cerebral]”.
“Das mais de cem pessoas que estão em lista de espera, só da freguesia da Mexilhoeira Grande, algumas aguardam há cerca de dez anos, porque as outras passam à frente de todas elas, uma situação que não é bem vista pelos serviços da Segurança Social”, apontou.
Domingos Costa critica o Estado, considerando que o sistema da Segurança Social “está todo formatado, porque segundo eles, os critérios de admissão teriam de ser por ordem”.
“Está tudo formatado, mas nós atendemos ao bem das pessoas, porque as normas e as leis são feitas para as pessoas e não as pessoas para as leis”, apontou.
Para Domingos Costa, as exigências “algumas sem sentido” das entidades do Estado, nomeadamente da Segurança Social que têm sido feitas na aldeia, “leva a pensar que existe uma perseguição organizada às instituições de solidariedade social”.
Uma das críticas que o padre aponta à Segurança Social “é a exigência e insistência constante para que sejam colocados portões e uma vedação na aldeia”, medida a que o pároco se opõe, “pois, se tal fosse feito, deixaria de ser uma aldeia e passaria a ser uma cadeia”.
“Nós somos controlados, controlados, controlados. Se calhar é por isso que esta é a única aldeia que existe desde há 30 anos nestes moldes, apesar de por aqui terem passado muitas pessoas com intenção de replicar o modelo noutras zonas do país”, sustentou.
Domingos Costa acredita que o projeto “só se mantém em funcionamento” nos moldes iniciais por ser da igreja: “Caso contrário teríamos de estar sujeitos às normas que vêm todas do Estado e que, até se calhar, não autorizaria a construção de uma aldeia para pessoas idosas”.
“O Estado tem de amparar estas instituições. A burocracia mata tudo isto e veja-se o que está a acontecer com a política, com o absentismo, porque as pessoas desacreditam cada vez mais no sistema. Temos de ouvir a sociedade civil e as pessoas têm de deixar de ter medo de falar porque vivemos num país livre, ou isto é só um eufemismo de que temos liberdade? Onde é que está a democracia, a liberdade?”, questionou.
“Isto vai piorando e depois queixam-se de que há partidos populistas, pois tem de haver porque são aqueles que auscultam as pessoas descontentes”, argumentou.
Na opinião do padre jesuíta, a terceira idade “continua a ser a classe mais marginalizada que há em Portugal” justificando a sua afirmação “com a morte de tantos idosos nos lares” durante a pandemia da covid-19.
Domingos Costa assegura que a alegria que tem hoje é a mesma com que iniciou o projeto, apesar do esforço financeiro que é preciso fazer para manter a aldeia de São José de Alcalar, o que tem sido feito com a ajuda da sociedade civil, tanto de portugueses como de estrangeiros.
“Não há um apoio e uma alegria das entidades do Estado em servir os outros e se fosse hoje não me metia nisto. Conheço muita gente que se meteu nisto e hoje está arrependida, ou seja, o Estado tende a matar as intervenções e iniciativas da sociedade civil. Só que a sociedade civil é anterior ao Estado, como a família é anterior ao Estado”, concluiu.
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